21 de dez. de 2024

SIMPLEX : Marcílio Godoi

A beleza, que é a parte mais sublime da arte, é filha mais velha da simplicidade. Sejamos dessa linhagem: simples. Foi sendo simples que Colombo prendeu a respiração e colocou o ovo em pé. Foi sendo simples que Tom fez o Samba de uma nota só, foi sendo simples que Pelé driblou Mazurkiewicz sem tocar na bola, foi sendo simples que Miles Davis colocou surdina num trumpete, foi sendo simples que Drummond parou. Bem No meio do caminho.


Foi sendo assustadoramente simples que Aníbal Augusto Sardinha compôs Gente Humilde e assinou, simplesmente, "Garoto". Foi sendo simples que Gentil Cardoso, primeiro técnico de Garrincha, resumiu toda a questão futebolística: "Se a bola é feita de couro, se o couro vem da vaca e se a vaca come capim, então rola a bola na grama!".


Foi sendo simples que Pixinguinha e Braguinha fizeram Carinhoso, e Ravel compôs seu indescritível Bolero. Foi sendo drasticamente simples que Cartola e Dorival Caymmi tornaram-se simplesmente Cartola e Dorival Caymmi. "Eu vim de lá pequenininho", garantiu precisa dona Ivone Lara.


Belchior disse "me abrace e me beije bem devagar". Caetano disse "Tempo, tempo, tempo", e Gil disse só "Tempo rei", todos acometidos de vertiginosa simplicidade. E foi também de modo muito simples que, sem ser simplório, meu pai, seu Marciano, cunhou a frase lapidar, passando um cafezinho: "a melhor maneira docê não resolver um problema é ômentá bastante ele".


Sigamos simples. Como? Ora, aguando uma planta, costurando uma meia, apagando as luzes que você não é sócio da Light, cozinhando o feijão e requentando o mexido. Cumprindo os contratos dentro do que deles é possível ainda cumprir, girando suficientemente os pratinhos chineses da felicidade estampada quando eles dão aquela entortada na haste nos avisando que estão prestes a cair.


Fique simples. Não trivial, elementar, ma naturalmente Simples. Não banal, tosco, rude, simplezinho. Não. Simples. Simples com a imensa complexidade do poeta cubano Silvio Rodrigues, cantando “como el musguito en la piedra, si, si, si”.


Não diga nada. O que, em si, repara, é algo extraordinário, o melhor começo para a simpatia, o silêncio. E, o que pode ser ainda mais simples do que dizer Bom dia, simplesmente sorria. E só. E pronto. Sem encher o saco de ninguém.


Vigie, preserve bravamente a simplicidade, que é a alma dos puros, a arma fria dos imperturbáveis e o segredo dos amantes. Lute por ela. Vivamos com o orgulho mais austero, com a vaidade no modo mais espartano, a imodéstia no osso mesmo da existência, o hedonismo na conta do chá: café com leite, pão com manteiga; água de bilha em copo lagoinha, simples assim.


Rode em baixa resolução, carregue a partícula pixel do ar lentamente, ouvindo a sua própria respiração como se estivesse num mergulho com cilindro. Sobreviva, sóbrio e de pé, mãos espalmadas, quase nu, despojado de tudo, olhando no outro e sabendo com ele agora o momento mais doido e doído desse nosso Planeta.


Nessa crise, eu garanto a você, vai por mim: chão de terra batida, parede caiada. Estar vivo e razoavelmente lúcido sem revestimentos é muito mais legal do que ser feliz, essa abstração um tanto confusa e pretensiosa, coisa feita para tempos menos duros.



Pilriteiro, abronceiro, branca-espinha, cambrulheiro, combroeiro, corníolo, escalheiro, escambrulheiro, estrapoeiro, estrepeiro, pilrito, pirliteiro. Esta espécie, também conhecido como espinha-branca, espinheiro-alvar, espinheiro-branco, espinheiro-ordinário,





Em Portugal, o pilriteiro é também conhecido como abronceiro, branca-espinha, cambrulheiro, combroeiro, corníolo, escalheiro, escambrulheiro, estrapoeiro, estrepeiro, pilrito, pirliteiro.

Esta espécie, também conhecido como espinha-branca, espinheiro-alvar, espinheiro-branco, espinheiro-ordinário, por ter espinhos longos e aguçados que surgem axilas das folhas

Crataegus monogyna

Crataegus monogyna

Classificação científica

Reino: Plantae

Clado: angiospérmicas

Clado: eudicotiledóneas

Clado: rosídeas

Ordem: Rosales

Família: Rosaceae

Género: Crataegus

Espécie: C. monogyna

Nome binomial

Crataegus monogyna

Jacq.

A designação científica desta espécie deve-se à robustez da planta, em particular da sua madeira, e ao facto de as suas flores terem apenas um pistilo. O nome do género crataegus provém do grego krataios – que significa forte, robusto e monogyna deriva também do grego mono- (único) e de –gyne (feminino), que significa “flor com apenas 1 pistilo”. O pistilo é a parte feminina de uma flor.

Ele é de facto bastante resistente e robusto e pode viver até 500 anos de idade.

Na Grécia antiga simbolizava esperança no amor e felicidade conjugal. Anualmente, em Maio, mês da purificação, os casais ofereciam ramos floridos de pilriteiro à Deusa Maia como forma de agradecimento. Segundo a mitologia romana, consta que o cabo da lança de Rómulo era feito de madeira desta planta. A cultura Celta também reconhecia o seu valor sagrado e era tradição pedir-lhe autorização antes de lhe cortar um ramo.


No Cristianismo, diz-se que a coroa de espinhos de Jesus era composta por ramos de pilriteiro. Daí que em muitas regiões portuguesas seja tradição que se coloquem ramos desta planta nas portas, do lado de fora das casas, para proteção em dias de tempestade e de trovoada, para defender e proteger os seus moradores e os seus bens, pois diz-se que tudo aquilo que tocou Cristo nos protege.

Fonte: wikipedia 


20 de dez. de 2024

EU SOU VERTICAL :: Sylvia Plath

arte Heloisa Cardoso 
 

Mas não que não quisesse ser horizontal. Não sou árvore com minha raiz no solo Sugando minerais e amor materno Para a cada março refulgir em folha, Nem sou a beleza de um canteiro Colhendo meu quinhão de Ohs e me exibindo em cor, Desconhecendo que me despetalo em breve. Comparados a mim, uma árvore é imortal E um pendão nada alto, embora mais assombroso, O que eu quero é a longevidade de uma e a audácia do outro. À luz infinitesimal das estrelas, Flores e árvores trescalam seus frios perfumes. Eu me movo entre elas, mas nenhuma me nota. Chego a pensar que pareço o mais perfeitamente Com elas quando estou dormindo — Os pensamentos esmaecem. É mais natural para mim deitar. Céu e eu então animamos a prosa,

Hei de servir no dia em que deitar afinal: E as árvores aí talvez em mim tocassem e as flores comigo se ocupassem. (28-111-1961) 



Tradução de Vinicius Dantas

É no meu corpo :: Mar Becker

                        Toulouse Lautrec


é no meu corpo que vais morrendo devagar

em alguns dias virá nova a pele

em algumas semanas virão novos os fios de cabelo

dentro de três ou quatro meses as unhas de agora serão

ínfima ruína, ao lado da lixa

e então já nenhum lugar das minhas mãos

contará a história de ter estado

dentro das tuas

é no meu corpo que vais morrendo 

que continuas a morrer até ultrapassar o corpo

até chegar no que o corpo

não vence

até que por um golpe de sorte

não me fira mais – como água descendo pela nuca

o teu jeito de descrever

a chuva


---


mar becker 

em: excertos de caminho; o caderno em perda; estudos e reunidos; 2021/22

18 de dez. de 2024

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

    

Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas, e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas, um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão tricotando. As horas passam como muitos anos, e os anos se passam realmente, as borboletas cheias de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas as manchas são apenas para que se veja que ele é amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que não exige mais do que a capacidade de meus olhos e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta, com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta (a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um campo vazio (e este eu conheço de antemão através do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado como para outro, um descampado tão sem tampa e sem cor de chão que nele eu nem sequer encontraria um bicho para mim. Ponho apreensão de lado, suspiro para me refazer e fico toda gostando de minha intimidade com o leão e as borboletas; nenhum de nós pensa, a gente só gosta. Também eu não sou em preto e branco; sem que eu me veja, sei que para eles eu sou colorida, embora sem ultrapassar a capacidade de visão deles (nós não somos inquietantes). Sou com manchas azuis e verdes só para estas mostrarem que não sou azul nem verde - olha só o que eu não sou. A penumbra é de um verde escuro e úmido, eu sei que já disse isso mas repito por gosto de felicidade; quero a mesma coisa de novo e de novo. De modo que, como eu ia sentindo e dizendo, lá estamos. E estamos muito bem. Para falar a verdade, nunca estive tão bem. Por quê? Não quero saber por quê. Cada um de nós está no seu lugar, eu me submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco mais porque está ficando cada vez melhor: o leão amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira verde. Nós somos contentes.



Para não esquecer. Clarice Lispector. Editora Rocco. Rio de Janeiro. 1999. p. 36 - 37.

16 de dez. de 2024

Você é um Número :: Clarice Lispector

Faizal Besari

Se você não tomar cuidado, vira um número até para si mesmo. Desde o instante em que você nasce, classificam-no com um número. Sua identidade no Instituto Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando, você também é. Para ser motorista, tem carteira com número e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de casa, seu número de apartamento – tudo é número.

Se você parar um pouco e pensar, vai também encontrar outros números na sua vida, como por exemplo: a data do aniversário, número de anos de vida que você tem, o número do sapato que calça, o número de filhos que tem ou o número de irmãos. Na escola, você também tem um número de matrícula.

Se você é dos que abrem crediário, para eles você também é um número. Se tem propriedades, também. Se é sócio de um clube, tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras, tem número da cadeira.

É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saber das coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre esse mundo dos números.

Se você é comerciante, seu Alvará de Localização o classifica também.

Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência, também é solicitado por um número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio, recebe um número. Se possui ações, também recebe um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número no recenseamento. Se é católico, recebe número de batismo. No registro civil ou religioso, você é numerado. Se possui personalidade jurídica, tem. E quando a gente morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também.

Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica.

Nós vamos lutar contra isso. Cada um é cada um, sem número. O si – mesmo é apenas o si – mesmo.

E Deus não é número.

Vamos ser gente, por favor? Nossa sociedade está nos deixando secos como um número seco, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só. 8. Só 7. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando com um número? Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei várias vezes na vida não ter um número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuinidade. Vamos amar que o amor não tem número. Ou tem?

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)