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5 de set. de 2022

Eucanaã Ferraz, "Acontecido"


Mary Jane Glauber

Como quem se banhasse
no mesmo rio
de águas repetidas,
outra vez era setembro
e o amor tão novo.
Iguais, teu hálito mascavo
e minha mão inquieta.
Novamente o quarto,
a praça vista da janela,
teu peito.
Depois eu era só – vê -
sob a chuva miúda daquele dia.

4 de mai. de 2015

Da vista e do visto ::Eucanaã Ferraz


Mais uma vez é maio; não o levaste contigo;
horas se escrevem hoje com o lápis de sempre,
ultramar e um tanto adolescente; não o levaste,
maio, mês do meu aniversário, quando a melancolia
é menos nítida que a linha dos morros e dos edifícios;

vento sol amendoeiras, é como te digo, não levaste
maio e mesmo os meus olhos estão aqui, comigo, algo,
porém, sei que se foi contigo; que coisa era, não sei,
e, ainda que pequena, faz falta, era minha; coincidência
ou não, procuro e não encontro a minha antiga alegria.

Sentimental: poemas. Companhia das Letras, 2012.

24 de set. de 2014

Eucanaã Ferraz, "Não saberia dizer ..."

Magritte 

Não saberia dizer a hora
em que me desfizera de tudo o que não era teu,

quando cada coisa se deixou cobrir
por tua presença sem margens

e deixou de haver um lado
que fosse fora de ti.

11 de jul. de 2013

Eucanaã Ferraz, Vinheta


Ame-se o que é, como nós,

efêmero. Todo o universo
podia chamar-se: gérbera.
Tudo, como a flor, pulsa

e arde e apodrece. Sei,
repito ensinamento já sabido
e toda lição não diz mais
que margaridas e junquilhos.

Lições, há quem diga,
são inúteis, por mais belas.
Melhor, porém acrescento,
se azuis, vermelha, amarelas.

29 de jun. de 2013

Eucanaã Ferraz, "Carícia"


Chagall, 1931

Demore-se no carinho,
de modo que no rosto do outro
vá a mão como se não fora
voltar. Repita,

demorando-se mais,
de modo que a mão descanse
naquele rosto, como se,
e se esqueça de que.

Repita, demore-se no carinho
como se a mão desse adeus,
agarrada ao rosto que se vai.
Outra vez: repita,

demorando-se mais
e mais, como se a mão bebesse
daquele rosto para, saciada, dormir
ali mesmo, ao pé da fonte.

15 de mai. de 2013

Eucanaã Ferraz, "Rimas para Suzana"


O amor com que Suzana
rega as plantas do jardim.

Segue o mundo, segue a rua,
seque tudo até ao fim.

Suzana persiste, atenta; mais,
concentrada; mais, amorosa,

como se o universo fora
a erva, a orquídea, a rosa.

O amor com que Suzana
planta, replanta, vela,

como se cuidasse do tempo
e a água viesse dela.

Ao redor de seus cuidados
se ajunta de tudo a sede:

o alecrim, a bromélia,
um verde que não se mede.

O amor com que Suzana
se faz mãe e matinal,

matando a sede de azul
da montanha, do animal,

sede de água e carinho,
sede de tudo o que esteja

na quadra de seu jardim
ainda que seu jardim seja

a memória, o mundo todo.
O amor é o seu modo.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)