12 de jun. de 2025

Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica

para eu falar aos namorados do Brasil.

Será que namorado algum escuta alguém?

Adianta falar a namorados?

E será que tenho coisas a dizer-lhes

que eles não saibam, eles que transformam

a sabedoria universal em divino esquecimento?

Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,

quando perdem os olhos

para toda paisagem ,

perdem os ouvidos

para toda melodia

e só vêem, só escutam

melodia e paisagem de sua própria fabricação?


Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados

enquanto namorados. Antes, depois

são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.

Mas quem foi namorado sabe que outra vez

voltará à sublime invalidez

que é signo de perfeição interior.

Namorado é o ser fora do tempo,

fora de obrigação e CPF,

ISS, IFP, PASEP,INPS.


Os códigos, desarmados, retrocedem

de sua porta, as multas envergonham-se

de alvejá-lo, as guerras, os tratados

internacionais encolhem o rabo

diante dele, em volta dele. O tempo,

afiando sem pausa a sua foice,

espera que o namorado desnamore

para sempre.

Mas nascem todo dia namorados

novos, renovados, inovantes,

e ninguém ganha ou perde essa batalha.


Pois namorar é destino dos humanos,

destino que regula

nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.

E quem vive, atenção:

cumpra sua obrigação de namorar,

sob pena de viver apenas na aparência.

De ser o seu cadáver itinerante.

De não ser. De estar, e nem estar.


O problema, Senhor, é como aprender, como exercer

a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,

e vai além de toda universidade.

Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.

E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,

por obra e graça de sua namorada.


A mulher antes e depois da Bíblia

é pois enciclopédia natural

ciência infusa, inconciente, infensa a testes,

fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.

Há que aprender com as mulheres

as finezas finíssimas do namoro.

O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre

três vezes ignorante de seu coração

e da maneira de usá-lo.


Só a mulher (como explicar?)

entende certas coisas

que não são para entender. São para aspirar

como essência, ou nem assim. Elas aspiram

o segredo do mundo.


Há homens que se cansam depressa de namorar,

outros que são infiéis à namorada.

Pobre de quem não aprendeu direito,

ai de quem nunca estará maduro para aprender,

triste de quem não merecia, não merece namorar.


Pois namorar não é só juntar duas atrações

no velho estilo ou no moderno estilo,

com arrepios, murmúrios, silêncios,

caminhadas, jantares, gravações,

fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,

lancha, piscina, dia-dos-namorados,

foto colorida, filme adoidado,,

rápido motel onde os espelhos

não guardam beijo e alma de ninguém.


Namorar é o sentido absoluto

que se esconde no gesto muito simples,

não intencional, nunca previsto,

e dá ao gesto a cor do amanhecer,

para ficar durando, perdurando,

som de cristal na concha

ou no infinito.


Namorar é além do beijo e da sintaxe,

não depende de estado ou condição.

Ser duplicado, ser complexo,

que em si mesmo se mira e se desdobra,

o namorado, a namorada

não são aquelas mesmas criaturas

que cruzamos na rua.

São outras, são estrelas remotíssimas,

fora de qualquer sistema ou situação.

A limitação terrestre, que os persegue,

tenta cobrar (inveja)

o terrível imposto de passagem:

"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!

Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada

na sola dos sapatos..."

Ou senão:

"Desiste! Foge! Esquece!"

E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.

Fogem os covardes.

Que importa? A cada hora nascem

outros namorados para a novidade

da antiga experiência.

E inauguram cada manhã

(namoramor)

o velho, velho mundo renovado.


26 de mai. de 2025

Luna Bastos Luna Bastos, 24 anos, é artista urbana, tatuadora e ilustradora piauiense
























 

ATRABILIÁRIO :: Marcílio Godoi

 

Dürer

— Você é bom sujeito, mas é atrabiliário! — ela me tascou essa na cara, no centro da discussão. Sem ação, confesso que fiquei confuso, mas não ia dar o braço a torcer ali, confessando-me um idiota, bem na hora da briga.


Na minha cabeça eu rodava os escaninhos, tentando acessar o dicionário dos termos em desuso, ou, sei lá, as provectas sentenças dos provérbios de meus avós. Nada. Atrabiliário parecia ser uma coisa atrapalhada: estaria ela me chamando de palhaço ou me acusando de ter pouca agilidade com as mãos?


O silêncio que se expandia após a misteriosa palavra que ela me atirou nas fuças me deixava ainda mais nervoso, seria atrabiliário uma profissão nova do mercado imobiliário? Ou seria aquele tipo de gente que sempre chega atrasada aos compromissos?


Cocei o pé da orelha, o que, para alguém que me conhece, indica que eu estava fundindo a cuca. Mas como ela pouco de mim soubesse, pensei que eu ainda tinha alguns segundos para imaginar o que em mim, afinal, ela tanto reprovava.


Já sei! Acho que pode ser uma pessoa que atrai ou tropeça nos móveis, ou tem lembrança fraca das datas de aniversário. Não. Nada disso. Na hora não me ocorreu as óbvias duas sílabas de “bílis” que estavam escondidas ali. E que queriam dizer, não precisa mais ir ao Google, caro leitor, que eu era um cara melancólico, a bile negra, o suco biliar, lembra?, ou seja, triste, deprimido,  baixo astral…


Posso ser atrabiliário, mas tenho lá os meus salamaleques na manga. Na hora saquei do fundo do baú uma solução improvisada do arco das minhas vetustas bisas. E mandei essa:


 — Ora, se isso não é só mais uma filáucia tua, só pode ser uma carraspana!


 Ela, que nessas plagas do orgulho semântico se parece muito comigo, sentiu o golpe. Olhou pra cima como quem caçasse um passarinho verde e aluiu. Depois levou alguns outros segundos pra se aprumar no eixo e me respondeu, bufando:


 — Pois, sim! Acho melhor a gente parar por aqui. — E eu:


 — Ora, pois sim, eu também acho!


E a gente, desaforada e bufando cada um no seu canto, se aquietou.

12 de mai. de 2025

Adélia Prado

Tarsila do Amaral 

Antigamente, em maio, eu virava anjo.

A mãe me punha o vestido, as asas,

me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:

‘canta alto, espevita as palavras bem’.

Eu levantava voo rua acima.

 

Bagagem. Nova Fronteira, 1976

6 de mai. de 2025

Os três burricos :: SOARES GUIAMAR



Por estradas de montanha

vou: os três burricos que sou.

Será que alguém me acompanha?


Também não sei se é uma ida

ao inverso: se regresso.

Muito é o nada nesta vida.


E, dos três, que eram eu mesmo

ora pois, morreram dois;

fiquei só, andando a esmo.


Mortos, mas, vindo comigo

a pesar. E carregar

a ambos é o meu castigo?


Pois a estrada por onde eu ia

findou. Agora, onde estou?

Já cheguei e não sabia?


Três vezes terei chegado

eu - o só, que não morreu

e um morto eu de cada lado.


Sendo bem isso, ou então

será: morto o que vivo está.

E os vivos, que longe vão?


Arte: 

Barbara Meikle

5 de mai. de 2025

BLADE RUNNER WALTZ :: PAULO LEMINSKI

Em mil novecentos e oitenta e sempre,

ah, que tempos aqueles,

dançamos ao luar, ao som da valsa

A Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,

nome, confesso, um pouco longo,

mas os tempos, aquele tempo,

ah, não se faz mais tempo

como antigamente.

Aquilo sim é que eram horas,

dias enormes, semanas anos, minutos milênios,

e toda aquela fortuna em tempo

a gente gastava em bobagens,

amar, sonhar, dançar ao som da valsa,

aquelas falsas valsas de tão imenso nome lento

que a gente dançava em algum setembro

daqueles mil novecentos e oitenta e sempre.

Tudo é vago e muito vário,

meu destino não tem siso,

o que eu quero não tem preço,

ter um preço é necessário,

e nada disso é preciso


 Toda poesia 

2 de mai. de 2025

Aloysia citriodora, erva-luísa ou verbena-limão



Aloysia citriodora, popularmente conhecida como erva-luísa ou verbena-limão, é uma planta da família Verbenaceae nativa da América do Sul. É um arbusto aromático, com aroma cítrico, que tem sido usado tradicionalmente para fins medicinais, como chá e para aromatizar alimentos. 

Características da planta:

Nome científico: Aloysia citriodora Palau 

Nomes populares: Erva-luísa, verbena-limão, limonete, lúcia-lima.

Origem: América do Sul, provavelmente Chile. 

Características: Arbusto de grande porte (2-3 metros), ramificado, com aroma cítrico e flores brancas ou levemente rosadas. 

Cultivo: Cultivada em jardins e hortas domésticas, especialmente no sul do Brasil. 

Uso e propriedades:

Uso medicinal:

Tradicionalmente usada para tratar problemas digestivos (azia, indigestão), bronquite, insônia, ansiedade e até mesmo problemas cardíacos. 

Propriedades:

Possui propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas, antioxidantes, antiespasmódicas, febrífugas e sedativas. 

Uso culinário:

Pode ser usada para aromatizar chás, água aromatizada, sobremesas, caldas e até pratos salgados. 

Componentes e benefícios:

Óleo essencial: Rica em óleo essencial que contém citral, geranial, neral e limoneno.

Benefícios: Estudos in vitro indicam potencial antibacteriano, antimicrobiano e antifúngico. 

Cultivo e manutenção:

Clima: Tolera climas mais frios, sendo cultivada em jardins e hortas domésticas. 

Solo: Prefere solos bem drenados, podendo crescer em solos arenosos, argilosos e até em solos mais secos. 

Iluminação: Pode crescer em meia sombra ou pleno sol. 

Considerações adicionais:

A erva-luísa é uma planta versátil, tanto na culinária como na medicina tradicional, com diversos benefícios para a saúde. 


Fonte: Google 

29 de abr. de 2025

RUÍNA :: Marcílio Godoi

 

Como que adentrando uma casa muito antiga,

começo a ouvir rumores estranhos

pelo meu combalido corpo. 


Um pigarro, um estalo,

um ranho, um rangido, um estrondo.

Uma caixa de comprimidos que tomba

uma drágea rompendo a cartela,

um alarme celular.


Entre rachaduras, carcomidos

descasos, desfaço e penetro diário

o escuro fosco, embaciado

poeirento e um tanto assombrado 

da casa em que fui e sou.


Da pele das paredes me descasco

do que não sou mais, mancha azulada

sem hemorragia, amarelo sem tombo,

roxo sem trombo, sem soco.


Das janelas, os olhos

embaçados avistam a rua deserta

as outras casas vão cedendo seu lugar

a edifícios sobre-humanos

sou uma das últimas do bairro

feita só de ossos e um bocado

de sangue e cuspe.


Das telhas, poucas resistiram,

é por onde entra a maior parte

da água que me infiltra o porão

e me empresta esse leve olor de mofo.

 

Ratos, morcegos, baratas

posso ouvi-los,

irmanam-se formigáveis a mim

na unidade solidária do sótão.


Por pura sorte, minha espinha dorsal,

a escadaria, manteve-se intacta,

embora discorde de mim

em gênero, número e degrau.


Por ela, desço até a varanda

onde pego um pouco de ar

e limpo as novas teias de aranha

que tentam me impedir o acesso.


Então alcanço um pequeno jardim,

que é onde me sinto melhor,

a parte mais perto de mim

desse casarão, relíquia obsoleta

em que me tornei.

 

Aqui volto a ser um bicho.

Um bicho velho e tranquilo,

acolhido em seu posto

seu pouso ancestral,

no pulso brando e belo da partida

pois a morte, feminina, é triste, senão terrível

para os prédios e os homens.



11 de abr. de 2025

Mapa:: Wislawa Szymborska

Plano como a mesa
na qual está colocado.
Por baixo dele nada se move
nem busca vazão.
Sobre ele - meu hálito humano
não cria vórtices de ar
e toda a sua superfície
deixa em silêncio.

Suas planícies, vales são sempre verdes,
os planaltos, montanhas amarelos e marrons
e os mares, oceanos são de um azul amistoso
nas margens rasgadas.

Tudo aqui é pequeno, próximo e acessível.
Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,
acariciar os polos sem luvas grossas.
Com um olhar posso
abarcar cada deserto
junto com um rio situado logo ao lado.

As selvas são assinaladas com algumas árvores
entre as quais seria difícil se perder.

No oriente e ocidente,
acima e abaixo do equador -
como poeira assentou o silêncio
e em cada partícula pessoas vivem lá suas vidas.
Valas comuns e súbitas ruínas
não cabem messe quadro.

Gosto dos mapas porque mentem.
Porque não dão acesso à verdade crua.
Porque magnânimos e bem-humorados
abrem-me na mesa um mundo
que não é deste mundo.

fonte: Um amor feliz. Companhia das Letras.
tradução de Regina Przybycien

8 de abr. de 2025

Relação de casas boas e más para juízo dos arquitectos Carlos Loureiro e Pádua Ramos :: Eugenio de Andrade

 

Há casas

cuja beleza começa no projecto;

outras, e são talvez as mais belas,

existem só na cabeça do arquitecto.


Há casas feitas à medida do homem,

outras há para andar de bicicleta;


há casas sobre cascatas

onde ao sortilégio da água

se junta a música de Bach.


Há casas tão ajustadas

como fato por medida

ou um verso de Cesário,

outras de tão confusas

não viram régua nem esquadro.


Há casas de papel,

casas de madeira,

casas de palha e de barro


casas que trepam pelo céu,

casas que cheiram

a jasmim do Cabo;

há casas só para dormir,

parecidas com um sudário.


Há casas onde habitar

é o começo da morte;

há casas de pátios caiados

com varandas para o mar


casas onde apetece

estar sentado

com um gato nos joelhos

e o coração apaziguado.


Há casas com recantos para amar,

há outras onde o amor

se faz em cinco minutos,

e às vezes já é demais;

há casas como um dedal

e geometria de abelhas,

casas de perfil

atento ao rumor

de nascentes e de estrelas.


Há casas como um cristal,

casas de luz circular,


casas onde não é possível

ouvir correr o silêncio,

há casas que de casas só têm o nome;

há casas que nem para cães.


Há casas tão inteligentes

que não consentem qualquer margem

para luxos e arrebiques,

casas onde a alegria se instala

sem tempo nenhum para a mágoa.


Há casas onde o pão é triste

e a roupa mal lavada;

há casas que são um rio; há casas

que são um barco,


outras têm pomares

onde os dióspiros ardem;

há casas com terras de vinho e trigo

e muros a toda a roda.


Há casas que são um poema

para dar a um amigo.


Eugénio de Andrade, Poesia,

Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2000

4 de abr. de 2025

ESTATUTO DO PASSARINHO : Marcílio Godoi

 


"Dos bichos pegamos amor."

DIA NACIONAL DOS (DIREITOS) ANIMAIS: 14 DE MARÇO


ESTATUTO DO PASSARINHO    

Artigo 1

Fica decretado que todas as jabuticabas

de todas as varandas do mundo

deverão ser reservadas aos passarinhos.


Artigo 2

Fica decretado que todo passarinho terá direito a uma varanda

a uma jabuticabeira e a uma menina que, como ele,

acordará bem cedo para cuidar dos outros três.


Artigo 3 

Fica decretado que todo passarinho

voa, avoa e avua e vai, por tudo isso, 

ser sempre o mensageiro da menina, no vento.


Artigo 4

Fica decretado que toda janela, inclusive as de apartamento

estará sempre aberta ao passarinho jabuticabeiro

das meninas sem varanda.


Parágrafo único - A todos os outros passarinhos também.


Artigo 5

Fica decretado que os fios elétricos, as cercas de arame

e as telas das varandas doravante serão executados 

como pauta musical da partitura das melodias que o desenho 

do pouso dos passarinhos determinar.  


Artigo 6

Fica decretado que os direitos autorais das melodias

cantadas pelos passarinhos serão revertidos integralmente

à compra de ração para o gato da menina da varanda da jabuticabeira. 


Artigo 7

Fica decretado que todo passarinho, alegria plumada que é,

terá direito inalienável de invadir, silenciar e paralisar

toda reunião, com poder de veto sobre qualquer enfoque 

que se assemelhe a um bodoque.


Artigo 8

Fica decretado o desaparecimento da palavra bodoque

de todos os dicionários de todas as línguas.


Parágrado único - Da palavra atiradeira também.


Artigo 9

Fica decretado que as árvores

em sua maioria plantadas por passarinhos

serão reconhecidas como patrimônio avícola universal da humanidade.


Artigo 10 

Fica decretado que todo e qualquer passarinho

passará a fazer parte de nossa humanidade

e poderá comer até pedra em vez de jabuticaba, se bem confiar nisso.


Artigo 11

Fica decretado que todo passarinho ocupará livremente sua jabuticabeira,

assim como a menina ocupará livremente sua varanda

nas tardes de chuva das cidades sem praças.


Artigo 12

Fica decretado que, de agora em diante, 

na bandeira nacional, o verde simboliza a jabuticabeira;

o amarelo, o passarinho e o azul, o olho da menina da varanda.


Artigo 13

Fica decretado que toda menina e todo poeta receberão um diploma

de ornitólogo jabuticabal juramentado para exercício de suas funções

em varandas bem entendidas, enquanto se entenderem menina e poeta.


Artigo 14

Fica decretado que toda casa que tiver varanda, jabuticabeira, menina,

terá também passarinho livre que as visite e as isente do pagamento

de aluguel, IPTU, condomínio e conta de água-que-passarinho-bebe.


Marcílio Godoi

Livro de Bichos. Sagüi.

29 de mar. de 2025

Os dias felizes :: Cecília Meireles



Fernando Igor

Os dias felizes estão entre as árvores, como os pássaros:

viajam nas nuvens,

correm nas águas,

desmancham-se na areia.

 

Todas as palavras são inúteis,

desde que se olha para o céu.

 

A doçura maior da vida

flui na luz do sol,

quando se está em silêncio.

 

Até os urubus são belos,

no largo círculo dos dias sossegados.

 

Apenas entristece um pouco

este ovo azul que as crianças apedrejaram:

 

formigas ávidas devoram

a albumina do pássaro frustrado.

 

Caminhávamos devagar,

ao longo desses dias felizes,

pensando que a Inteligência

era uma sombra da Beleza.

 

24 de mar. de 2025

Tenho dó das estrelas :: Fernando Pessoa


miró

Tenho dó das estrelas

Luzindo há tanto tempo,

Há tanto tempo...

Tenho dó delas.

Não haverá um cansaço

Das coisas.

De todas as coisas,

Como das pernas ou de um braço?

Um cansaço de existir,

De ser,

Só de ser,

O ser triste brilhar ou sorrir...

Não haverá, enfim,

Para as coisas que são,

Não a morte, mas sim

Uma outra espécie de fim,

Ou uma grande razão —

Qualquer coisa assim

Como um perdão?

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). 

 - 204.

1ª publ. in Mensagem , nº 1. Abr. 1938.

Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados?...