31 de jan. de 2012

A flor de maracujá de Fagundes Varela


Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do Sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá !
Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá.

Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá.

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá !

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá !
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová !
Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá !

Por tudo que o céu revela !
Por tudo que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está !!..
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá !

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

30 de jan. de 2012

Como um gato




I'm like cat here, a no-name slob. We belong to nobody, and nobody belongs to us. We don't even belong to each other. Breakfast at Tiffany's (1961)

Constante de Clara Coelho de Carvalho


Eu conto com (o) amor
Com amor sempre (sem virgulas)

fonte: http://poetetre.wordpress.com/2012/01/27/constante/

Gente é pra brilhar de Vladimir Maiakovski

Milharal com vista para Arles de Van Gogh

Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol, 
brilhar com brilho eterno, 
gente é pra brilhar.

29 de jan. de 2012

Meu avô de Débora Siqueira Bueno




"SONHO Na verdade, sonhar é outra maneira de lembrar."  Freud 

Essa noite sonhei com o pai de minha mãe, 
meu avô bonito e mudo. 
No sonho ele falava comigo, 
reclamava de eu ter dito bom dia. 
– É porque eu gosto do senhor, Vô! 
Estava no meu quarto de menina. 
Acomodei-o para que dormisse, 
mas ele prosseguiu e conversava. 
Seus olhos claros tinham um brilho 
que a vida embaçou e nunca vi. 
A voz cascateava, alegre até, 
num tom que também não conheci. 
Meu avô falava grego e latim; 
criança, quis achar sua linguagem. 
Às vezes brincava quieta ao seu lado, 
horas. 
Olhava-o de soslaio, tímida sorria, 
esperando que a vida aparecesse. 

Uma vez vieram seus irmãos, 
os nomes muito antigos: 
Gamaliel, Arcelino, 
Alberico, Pergentino. 
Sóbrios, com seus chapéus na mão, 
traziam os cheiros da fazenda. 
Doce de leite, goiabada e rapadura 
os presentes dados. 
A conversa era pausada, 
Siqueiras são circunspetos. 
Sentados na varanda em frente ao rio 
o que mais se ouvia era a voz das águas. 
Foi quando ouvi a voz do meu avô, 
única vez. 

Meu avô me dava livros, muitos, 
devolvidos à minha avó porque pensava 
que me eram dados por engano. 
Sobraram dois – 
um, de botânica, 
o outro, de uma coleção – Pensamento Vivo, 
O pensamento vivo de Freud. 
Meu nome está escrito – 
a mim foi dedicado. 
Foi assim que meu avô falou comigo, 
só o descobri depois, muito depois. 

Manuseio o livro amarelado, 
repleto de anotações nas margens. 
Sítio arqueológico, traz impressas 
mensagens destinadas ao futuro. 
Ao final encontro, frases soltas – 
"O eterno presente – onde o tempo não passa. 
Momento da liberdade, 
onde não há recordações do passado, 
nem as inquietações do futuro. 
Porém, a vida palpita sempre. 
Sonhada felicidade, o futuro, 
visão de esperança". 

Meu avô no sonho ria, satisfeito, os dentes lindos.

Da Natureza do Homem - Francis Bacon


Aquele que deseja vencer a sua natureza, não tente dar a si próprio tarefas muito grandes ou muito pequenas; porque as primeiras podem desanimá-lo com frequentes frustrações, e as segundas dar-lhe-ão insignificantes progressos, apesar de serem bem sucedidas. No princípio, irá praticando com auxiliares, como os nadadores se socorrem de bóias e coletes; mas, ao fim de algum tempo, deverá realizar o treino entre dificuldades, como os dançarinos fazem com os socos. Isto porque resulta sempre maior perfeição quando o exercício é mais árduo do que a prática.

(...) Não é má a antiga regra que mandava curvar a natureza até ao extremo oposto, para que ela se rectificasse; subentendendo-se, porém, que o extremo oposto não seja o vício. O homem não se deve forçar a um hábito com contínua persistência, mas com alguma interrupção; porque a pausa reforça a nova investida; e se o homem que não é perfeito estiver sempre a exercitar-se, será tão perito nos seus erros como nas suas virtudes, e será introduzido no hábito de ambos; e não há meio de evitar isso, se não por interrupções oportunas. Mas não confie de mais o homem na vitória sobre a sua natureza, porque ela pode estar sepultada durante muito tempo, e ressuscitar no primeiro momento de tentação.

in 'Ensaios - Da Natureza do Homem

28 de jan. de 2012

A bela adormecida de Adélia Prado

Van Gogh 
Estou alegre e o motivo
beira secretamente a humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.
No entanto, não sei se é por causa das águas,
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas,
ou se é por causa daquele que volta
e põe tudo arcaico como matéria da alma,
se você vai ao pasto,
se você olha o céu,
aquelas frutinhas travosas,
aquela estrelinha nova,
sabe que nada mudou.
O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom !
Namorar quem ?
Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.
Quando ele fala roreja,
quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.
Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos.

Origami de Livia Garcia Roza







Para que serve um origami? 
Para nada.
E é nesse servir para nada que está a beleza dele.
Ele é puro sentido.

27 de jan. de 2012

Eu queria somente olhar de Clarice Lispector




" ...... eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que eu senti uma alegria de criação. Não é que eu o quisesse para mim assim como não quero para mim o menino que vi com cabelos de arcanjo correndo atrás da bola. Eu queria somente olhar. O homem olhou um instante para mim e sorriu calmo: ele sabia quanto era belo e sei que sabia que eu não o queria para mim. Sorriu porque não sentiu ameaça alguma.É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. Atravessei a rua e tomei um táxi. A brisa arrepiava-me os cabelos da nuca. E eu estava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói. E isto tudo causado pela visão do homem bonito. Eu continuava a não querê-lo para mim - gosto é das pessoas um pouco feias e ao mesmo tempo harmoniosas, mas ele de certo modo dera-me muito com o sorriso de camaradagem entre pessoas que se entendem. Tudo isso eu não entendia."

Água Viva. Editora Nova Fronteira, 1980. p. 65

Quero me Casar de Carlos Drummond de Andrade

Izabel Mendes da Cunha, noiva, cerâmica policromada.

Quero me casar 
na noite na rua 
no mar ou no céu 
quero me casar. 

Procuro uma noiva 
loura morena 
preta ou azul 
uma noiva verde 
uma noiva no ar 
como um passarinho. 

Depressa, que o amor 
não pode esperar! 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

26 de jan. de 2012

Cartas perto do coração: Clarice Lispector e Fernando Sabino



Washington, 25 setembro 1954, sábado.


Fernando,
estou com a impressão meio inventada de que você ficou zangado quando eu disse pelo telefone que não queria que você fosse ao aeroporto. Você ficou de telefonar à 1:30, e não telefonou. Fiquei amolada com a minha falta de cortesia, respondendo à sua gentileza com uma sinceridade ou franqueza que ninguém usa. Você gentilmente mostrou intenção declarada ou vaga de ir ao aeroporto, e eu, que tanto faço questão de não usar a alma na vida diária, pois é até de mau gosto, disse que não. Eu já lhe expliquei o motivo da minha rudeza -o que não a justifica- e explicarei de novo.
Para mim, sair do Brasil é uma coisa séria e, por mais ‘fina’ que eu queira ser, na hora de ir embora choro mesmo. E não gosto que me vejam assim, embora se trate de lágrima bem-comportada, de lágrima de artista de segundo plano, sem permissão do diretor para arrumar os cabelos… Não é por vaidade de rosto que não gosto que me vejam de olhos vermelhos, é por uma vaidade que, por ser menos frívola, é muito mais pecado: é por orgulho ou altivez ou seja lá o que for -enfim, vaidade mais grave.
Depois, também, eu me encabulo de estar sempre chegando e indo embora, o que obriga os amigos a um movimento em torno de mim, um movimento que às vezes nem cabe direito na vida deles. Então procuro dispensar a gentileza dos amigos, e facilitar a vida diária de cada um que já é bastante cheia e complicada sem uma ida ao aeroporto. Maury diz que eu costumo ter reações pessoais a coisas chamadas ‘de praxe’. Parece que é mesmo verdade. Parece que eu seria capaz de pedir sinceramente a alguém que não apanhasse minha luva caída no chão para não amolar esse alguém, sem entender que incômodo é não apanhá-la, que incômodo é não fazer o que é ‘de praxe’. (O exemplo da luva é só para exagerar, até que deixo apanharem minhas luvas, senão perderia todas…)
Quanta explicação! E provavelmente você nem ficou zangado com minha descortesia, provavelmente você não telefonou depois porque estava ocupado. É o que espero que tenha acontecido. Esperando também que você não ria das tolas e inúteis complicações de sua amiga.
Clarice

Rio, 19 de outubro de 54.

Clarice,
Suas ‘complicações’ não são tolas, mas inúteis. É verdade que você não precisa absolutamente se preocupar, não fui ao aeroporto porque você não queria e então acabou-se, e não telefonei porque na hora deve ter acontecido alguma coisa de que já não me lembro, e depois você já não estava. Mas valeu o desencontro porque forçou uma carta tão boa que parecia uma carta de Mário de Andrade e isso é elogio. Respondo agora me forçando um pouco (são 2 horas da manhã, me prometi não passar de hoje) pois quero ver se venço essa minha inércia mental com relação a cartas. Tanto mais que sinto necessidade real de escrever a você e vou deixando passar, talvez porque inconscientemente julgue que nada de importante tenho a lhe dizer, você sempre mereceria mais do que atualmente sou capaz de dizer numa carta. E sei como são importantes as notícias para quem está no estrangeiro.
Infelizmente não tenho nenhuma a dar, senão que tudo vai indo na mesma e se as coisas mudam é porque nada precisamos fazer para que mudem. Nada tenho feito e no entanto várias coisas mudaram. Não me mudei; continuando morando no mesmo lugar, para onde você tem a partir deste momento a obrigação moral de escrever. Preciso do seu estímulo – o de alguém que, não vendo as coisas de perto, tem mais perspectiva. E prometo responder, farto de notícias. Creia-me, esta carta já é uma vitória para quem não sabe mais o que dizer. Só é sincero aquilo que não se diz – e nem isso é meu, li em alguma parte. Como você vê, isso para um escritor é estar no mato sem cachorro. Abrace por mim ao Maury e acredite sempre na amizade do seu
Fernando

LISPECTOR, Clarice, SABINO, Fernando. Cartas perto do coração. Dois jovens escritores unidos ante o mistério da criação. 6a ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Record, 2007, p.118.121.

25 de jan. de 2012

O artista das rosas






O artista plástico Paulo von Poser nasceu em São Paulo. Formado em Arquitetura pela USP, tornou-se conhecido como “o artista das rosas”

24 de jan. de 2012

Orquídea de janeiro



Amor Sereno de Débora Siqueira Bueno


Pois que depois do pranto
– talvez excessivo –
encontrei um amor sereno.
Com a perenidade das montanhas
lá já estava, intocado,
antes que o percebesse.

Mesmo com meu cansaço,
minhas hesitações, tantas lacunas;
ainda que traga impressa
a passagem das águas,
o verter das lágrimas;
ainda que porte
as marcas dos ventos,
dos temporais,
do tempo –
Ele me ama no meu desnudamento.

23 de jan. de 2012

Tibouchina: Quaresmeiras, Jacatirões ou Manacás








O gênero Tibouchina pertence à família Melastomataceae. Espécies de árvores do gênero Tibouchina (Quaresmeiras, Jacatirões ou Manacás) têm notável valor ornamental e, como pioneiras, em atividades de restauração ambiental em florestas do Sul e do Sudeste do Brasil. Sua propagação por sementes, embora abundante na natureza, encontra dificuldades em viveiros comerciais, o que enseja estudos de biologia reprodutiva.

Várias espécies de melastomáceas apresentam mudanças de cor em suas flores, porém as mais notáveis estão entre espécies do gênero Tibouchina: no manacá-da-serra as flores mudam de branco para lilás durante o período de antese. Aparentemente, esta mudança de cor atua como um aviso às abelhas para estas não visitarem flores já velhas. Mas a persistência das pétalas nas flores não mais receptivas confere um colorido intenso às plantas, atuando na sinalização aos polinizadores a longa distância.

São, em geral, árvores de médio porte, atingindo cerca de 5 metros de altura. A observação de suas folhas, que apresentam nervuras longitudinais, deixa claríssima a sua identidade como tibouchina.

Ciências do desejo: Considerações sobre um saber que não se sabe de Maria Rita Kehl


 Sandro Botticelli, detalhe de Primavera, c. 1481

O que se perde, ao sacrificar a singularidade a favor da beleza-padrão, é o que qualquer poeta chamaria de – “graça”. Nessas marcas singulares do sujeito reside o “não-sei-o-quê que faz a confusão”, como no samba de Ari Barroso. Mas quem aposta na graça? Quem se arrisca a manter sua diferença em uma sociedade em que a subjetividade pode ser adquirida em série, como uma mercadoria a mais?
O perfeito controle do corpo não acrescenta nada ao saber erótico. Quem ainda entende de erotismo não são os cientistas da saúde, nem os escravos performáticos da sedução. São os poetas.


22 de jan. de 2012

Arte de Andrei Tarkovsky

"A arte nasce e se afirma onde quer que exista uma ânsia eterna e insaciável pelo espiritual. "

Gato que brincas na rua de Fernando Pessoa



Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais 
E sentes só o que sentes. 

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim, 
Conheço-me e não sou eu.

21 de jan. de 2012

Azul de Djavan




Até o sol nascer amarelinho
Queimando mansinho
Cedinho, cedinho, cedinho
Corre e vá dizer
Pro meu benzinho
Um dizer assim
O amor é azulzinho...

Café da manhã de Jacques Prévert



CAFÉ DA MANHÃ
   
Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.




DÉJEUNER DU MATIN

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
E moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
E j'ai pleuré.

   Tradução: Silviano Santiago

20 de jan. de 2012

Hélio Pellegrino e Clarice Lispector: entrevista


Clarice – Por que você escreve esporadicamente e não assume de uma vez por todas o seu papel de escritor e criador?
Hélio - Poderia driblar essa pergunta, respondendo com uma meia-verdade – escrevo menos esporadicamente do que publico. Mas esta seria uma saída falsa, e não quero ser falso. Escrever e criar constituem, para mim, uma experiência radical de nascimento. A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer é saber-se vivo e – como tal – exposto à morte. Escrevo mais do que devo para – quem sabe? – manter a ilusão de que tenho um tempo longo pela frente. A meu favor, posso dizer a você que, com frequência, agarro-me pelas orelhas e me ponho ao trabalho. Há umas coisas valiosas nas quais acredito, com muita força. Preciso dizê-las e vou dizê-las.
Clarice – Hélio, diga-me agora, qual é a coisa mais importante do mundo?
Hélio - A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma e intensa mutabilidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele. Na medida em que o recebo em sua graça, conquisto para a mim a graça de existir. É esta fonte da verdadeira generosidade e do entusiasmo – Deus comigo. O amor genuíno ao Outro me leva à intuição do todo e me compele à luta pela justiça e pela transformação do mundo.
Clarice – Que é amor?
Hélio - Amor é surpresa, susto esplêndido – descoberta do mundo. Amor é dom, demasia, presente. Dou-me ao Outro e, aberto à sua alteridade, por mediação dele, recebo dele o dom de mim, a graça de existir, por ter-me dado.
Clarice – Helio, você é analista e me conhece. Diga-me sem elogios – quem sou eu, já que você me disse quem é você…
Hélio - Você, Clarice, é uma pessoa com uma dramática vocação de integridade e totalidade. Você busca, apaixonadamente, o seu self… e esta tarefa a consome e faz sofrer. Você procura casar, dentro de você, luz e sombra, dia e noite, sol e lua…

*Fragmentos transcritos do livro “De corpo inteiro” , Clarice Lispector, Ed.Rocco, 1999, págs 54, 55.

19 de jan. de 2012

Nara Leão




Nara Lofego Leão Diegues
(Vitória, 19 de janeiro de 1942 — Rio de Janeiro, 7 de junho de 1989)

A cor púrpura e Cosmos






Púrpura tíria
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 A púrpura tíria era cara; segundo o historiador Teopompo, do século IV a.C., "a púrpura para as tintas valia o seu peso em prata em Cólofon", na Ásia Menor. Estes custos transformavam os produtos têxteis que utilizavam a púrpura tíria em símbolos de status, e as antigas leis suntuárias ditavam e até proibiram o seu uso. A produção dos animais que forneciam a tinta era controlada com rigor durante o Império Bizantino, e subsidiada pela corte imperial, que restringia seu uso para a pintura das sedas imperiais; o filho de um imperador no poder era chamado de porfirogênito (porphyrogenitos, "nascido na púrpura"), tanto referindo-se à Pórfira, o pavilhão do Grande Palácio de Constantinopla revestido de pórfiro onde os herdeiros do trono nasciam, quanto à púrpura que futuramente trajariam.
A substância consiste de uma secreção mucosa da glândula hipobranquial de um dos diversos caramujos marinhos encontrados no Mediterrâneo Oriental, o gastrópode marinho Murex brandaris, o murex espinhosoBolinus brandaris (Linnaeus, 1758), o murex listrado Hexaplex trunculus, e o Stramonita haemastoma.
No hebraico bíblico, a tinta extraída do Murex brandaris era conhecida como argaman (ארגמן). Outra tinta, extraída do Hexaplex trunculus, produzia uma cor índigo chamada de tekhelet(תְּכֵלֶת‎), usada em vestes trajadas para funções rituais.
Diversas espécies de moluscos da família Muricidae, como por exemplo o Plicopurpura pansa (Gould, 1853), das regiões tropicais do Oceano Pacífico oriental, e Plicopurpura patula (Linnaeus, 1758) da região do Caribe, no Oceano Atlântico ocidental, também produzem uma substância semelhante (que se transforma numa cor púrpura duradoura após exposição à luz do sol), e esta característica foi também explorada pelos habitantes locais nas regiões de ocorrência destes animais. Alguns outros gastrópodes predatórios, como os membros da família Epitoniidae, parecem produzir uma substância similar, que ainda não foi estudada nem explorada comercialmente. O molusco Nucella lapillus, do Atlântico Norte, também pode ser usado para produzir tintas púrpuras e violetas.
Na natureza estes moluscos utilizam esta secreção como parte de seu comportamentopredatório, e para funcionar como uma camada antimicrobiana que cobre seus ovos. O molusco secreta esta substância quando é tocado ou atacado fisicamente por humanos, portanto a tinta pode ser extraída através de um processo de "ordenha", que embora seja mais trabalhoso é um recurso renovável, ou através do método destrutivo, que consiste da coleta dos moluscos e do esmagamento de suas conchas. Segundo David Jacoby, "doze mil conchas de Murex brandaris não produzem mais que 1,4 g de tinta pura, suficiente apenas para colorir a bainha de uma única veste."


Trem das Cores de Caetano Veloso


A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial

17 de jan. de 2012

Olhadas de azul

imagem: Maria Klara González

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul —
Que nem uma criança que você olha de ave.

In: O livro das ignorãças

Beija flor, Cuitelinho, Colibri










Cuitelinho, designação dada a certa espécie de beija-flor, é uma modinha do folclore do Centro-oeste do Brasil, adaptada por Paulo Vanzolini e Antônio Xandó, que tornou-se um clássico da genuína música sertaneja.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)