"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma.
Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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28 de out. de 2014
17 de ago. de 2014
PEDRA de CHARLES SIMIC ( Belgrado, Sérvia, 1938)
Maki Haku
Entrar dentro de uma pedra
Seria esse o meu caminho.
Deixar outrem tornar-se pombo
Ou rilhar com dentes de tigre.
Sou feliz por ser uma pedra.
Por fora, a pedra é um enigma:
Ninguém sabe como o desvendar.
Dentro, porém, deve ser fresca e silenciosa
Mesmo que uma vaca a calque com todo o seu volume,
Mesmo que uma criança a atire para um rio;
A pedra afunda-se, lenta, imperturbavelmente
Até ao fundo do leito
Onde os peixes vêm bater na pedra
E escutar.
Eu vi as faíscas voando
Quando duas pedras são friccionadas,
Talvez então não seja escuro, apesar de tudo, lá dentro;
Talvez exista uma lua brilhando
Desde algures, como se por trás de uma colina –
Apenas a luz suficiente para distinguir
Os estranhos escritos, as cartas astrais
Nas paredes de dentro.
6 de nov. de 2013
Apoderava-se das minhas palavras :: Fernando Esteves Pinto
Apoderava-se das minhas palavras
como se fossem uma toalha do seu rosto
alguns utensílios reservados para a sua vida.
Eu escrevia casa e a casa teria de ser a defesa do nosso amor.
Eu escrevia cama e a cama transformava-se num jogo de silêncio.
Vivia por trás da minha escrita
como se preenchesse a alma de tudo o que não entendia.
Queria que eu mobilasse a vida só com palavras
breves imagens que fossem o retrato do meu pensamento.
Eu proporcionava-lhe a felicidade como um enigma
em cada palavra um sentimento formalmente virtual
depois abandonava-a com a ilusão do espaço decorativo.
.
In: Área Afectada. Temas Originais, 2010
12 de mar. de 2013
Artes - Maria Lúcia Dal Farra
Picasso
Não distingo o que queres
e nem triunfo sobre
o enigma que nos atrai
(assim dessemelhantes).
Mas se adivinho o que há dentro do teu cenho
e se (acaso)
empreendo o que (querendo) não fazes por
consumar –
ganho (em troca)
a solidão patética de quem erra
por acertar.
O amor é isso:
cisco que tolda a vista
tão só pra se enxergar.
fonte: Alumbramentos, 2012
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