31 de jan. de 2015

GANGORRA :: FLORA FIGUEIREDO

 Roy Lichtenstein

Eu namoro a noite, 
você apaga a lua; 

eu perfumo o lençol, 
você dorme na rua; 

eu aprumo a estrela, 
você a entorta; 

eu colho a maçã 
você traz a lagarta; 

eu rego o ipê 
você parte o galho; 

eu tempero com sal, 
você talha o molho; 

eu lavo o cristal, 
você trinca a ponta; 

eu adoço com mel, 
você passa do ponto; 

eu beijo na boca, 
você faz de conta. 


In:  Chão de Vento, 2005

30 de jan. de 2015

Temporã de Débora Siqueira Bueno



Renovo extemporânea, 
riso espontâneo. 
Minha leveza é tarda.


BAÚ DE GUARDADOS :: Alice Ruiz

Trago, fechado no peito,
um baú de guardados.

Jóias, gemas e pérolas
que podem
ofuscar meus olhos.

Pedras, perdas, penas
que conseguem
represar meu rio.

Mas basta um som de flauta,
um dedilhar de piano,
o acorde de um violão,
o cristal de uma voz
e todas as comportas
se abrem
e me descobrem
levando de roldão
tudo que cabe
nesse cofre desvendado,
o coração.

Jóias, gemas, pérolas,
pedras, perdas, penas.
Brilhos que se confundem
no que sou.
Rolam nas águas e me levam
para perto, bem mais perto
de onde estou.


Poesia musicada por Ná Ozzetti

29 de jan. de 2015

Cindy Steiler













JANELA :: Czeslaw Milosz (1911-2004)

Gustave Klimt

Olhei pela janela ao raiar do dia e vi uma jovem macieira, diáfana em meio à luz.
Quando olhei de novo ao raiar do dia lá estava uma grande macieira, carregada de fruto.
Passaram-se decerto muitos anos, mas não me lembro de nada do que aconteceu neste sonho.

     

27 de jan. de 2015

MINHA GRANDE TERNURA :: Manuel Bandeira


quadro: Campos de Outrora  de Lúcia Buccini

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser;
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite
De um túmulo.


26 de jan. de 2015

Poema :: Bernhard Wosien

Marc Chagall
Eu danço
uma canção do silêncio
seguindo uma música cósmica
e coloco meu pé ao longo das beiras do céu
eu sinto
como seu sorriso me faz feliz

25 de jan. de 2015

24 de jan. de 2015

Jornal longe :: Cecília Meireles

Boris Kustodiev

Que faremos destes jornais, com telegramas, notícias,
anúncios, fotografias, opiniões...?

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos.”

E é uma das raras vezes em que todos estão de acordo.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)