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6 de nov. de 2014

CEDULA :: FELIX PITA RODRIGUEZ (1909-1990)



Toshi Yoshida
Não sei se alguma vez fui uma cerejeira silvestre.
Talvez fosse neve, mirto, flor de cardo, chuva fina;
quem sabe um verde, trêmulo, inseto do orvalho.

Não sei se alguma vez fui uma cerejeira silvestre,
mas às vezes um âmbito de ramos ao vento,
certa expressão de alturas se debatendo.

Quem sabe ali.

Não digo que não fosse, nem digo que é possível:
estou contando coisas que não têm remédio.

.................

No sé si alguna vez fui un cerezo silvestre.
Tal vez fui nieve, mirto, vilano, lluvia fina;
acaso un verde, trémulo, insecto del rocío.

No sé si alguna vez fui un cerezo silvestre,
pero a veces un ámbito de ramas en el viento,
cierta expresión de alturas debatiéndose.

Acaso allí.

No digo que no fuera, ni digo que es posible:
estoy contando cosas que no tienen remedio.


In: Historia tan natural, 1970

30 de out. de 2014

Memórias das infâncias :: Adília Lopes

Gostávamos muito de doce de framboesa
E deram-nos um prato com mais doce de framboesa
Do que era costume
Mas
A nossa criada a nossa tia-avó no doce de framboesa
Para nosso bem
Porque estávamos doentes
Esconderam colheres do remédio
Que sabia mal
O doce de framboesa não sabia à mesma coisa
E tinha fiapos brancos
Isso aconteceu-nos uma vez e chegou
Nunca mais demos pulos por ir haver
Doce de framboesa à sobremesa
Nunca mais demos pulos nenhuns
não podemos dizer
Como o remédio da nossa infância sabia mal!
Como era doce o doce de framboesa da nossa infância!
Ao descobrir a mistura
Do doce de framboesa com o remédio
ficámos calados
Depois ouvimos falar da entropia
Aprendemos que não se separa de graça
O doce de framboesa do remédio misturados
é assim nos livros
é assim nas infâncias
E os livros são como as infâncias
Que são como as pombinhas da Catrina
Uma é minha
Outra é tua
Outra é de outra pessoa

pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960) 

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)