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1 de nov. de 2014

O milagre existe :: Clarice Lispector


"Não, não há razão de espanto:
o milagre existe: o milagre é uma sensação.
Sensação de quê? de milagre. 
Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente 
sua abundante corola para o sol.
O milagre é a simplicidade última de existir. 
O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule,
corola e raiz - e ser apenas uma semente. 
Semente que contém o futuro."
fonte:  Um Sopro de Vida

5 de fev. de 2014

Corpo de luz de Hilda Hilst



I

Caminhas em direção ao Sul. O que te move
É alfa, Adonai, Claríssima Morada.
Teu peito é transparência em plenitude alada
E não te vejo na distância e no tempo.
Sei que a memória é límpida cancela
E que viaja a sós, eterna.
E sendo assim, a ti te reconheço.

II

Tu não estás comigo. Nem na tua noite
De antes, de granito. Nem a tua voz
É voz entre muralhas. Estás além agora:
Arco do infinito.

III

Teu sono não é o sono vulgar.
Estendes a vigília
E apreendes através da opacidade.
Também assim
Repousa o mar.

IV

Fechou-se para o efêmero das coisas
O incomensurável da retina.
Assim pousas na Verdade:
Fronte de opalina.

V

Poeta, os homens manipulam a matéria.
Artífices do grande sonho dão -se as mãos
e é o meu canto o fruto dessa espera.
Canto como quem risca a pedra. Te celebro
Na mais alta metamorfose da minha época.
Não cantarei em vão.

VI

Há um espaço finito onde o meu canto paira.
E no multidimensional, na estrutura
Onde a realidade se refaz, tu te demoras.
Pastor, o que parecia tangível se evapora.
E sobre nós, a grande noite
Num etéreo nada, jaz.

VII

Sabias de outro tempo? O universo
Agora se parece a um grande pensamento.
Tu cantaste o espanto, asa de silêncio.
Eu canto o espírito
Que penetrou no reino da matéria:
Asa de espanto do conhecimento.

2 de nov. de 2013

Do espanto - Ferreira Gullar



Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.
O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

11 de fev. de 2010

Viajantes


O filósofo romeno radicado na França Émil Cioran (século 20) tinha por hábito passar o verão nas praias da Normandia e Bretanha. Num desses momentos, ele escreve que os "novos bárbaros" (os turistas) tomaram o lugar dos "viajantes", pessoas que amam conhecer o mundo pra se "espantar" com ele,

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)