23 de set. de 2023

Poema antinaturalista :: Marcílio Godoi

Vilhelm Hammershoi


O antropólogo me assustou, dizendo

que ao depararmos com uma imagem

esta também nos espreita

ansiando por nos decifrar.


Há muitos modos de ver, é certo

mas a consciência de também ser flagrado

inquirido pela história, pelo tempo, pelo outro

pela arte, pelas coisas que vemos

fez girar, afetiva e tautologicamente

outras lentes também por aqui.


Como as que garantem

que uma canção pode me cantar

que um fruto me devora

ou que os lugares é que me visitam.


Que este poema, de algum modo

num espelho me lê por inteiro 

e também me escreveu.

E que eu só existo, amor

porque me olhas, teu.



18 de set. de 2023

Berta Piñán – Duas Garças


Chegaram no sábado. Vimo-las

cedo porque nesse dia chegou

também o frio e passamos

a manhã falando do tempo.

São duas, e me pergunto que

destino imprevisto as trouxe

a esta árvore precisa, a este lugar

exato em que o tempo delas

cruza, como um sinal confuso,

nosso tempo.

De tarde falamos sobre elas:

“Esta espera, imóvel, paciente – dizes -,

traça não sei que estranha, antiga imagem

da vida”.

Depois ficamos em silêncio, observando,

espiando sua perfeita quietude

sobre as águas que atravessam

o inverno, e assim,

por um momento resumem

para nós a

contemplação

do mundo: este rio, estas árvores,

o céu de outono, o calor,

o frio.


Tradução.: Nelson Santander

 ......

Llegaron el sábado. Las vimos

temprano porque ese día comenzó

también el frío y echamos

la mañana charlando del tiempo.

Son dos, y me pregunto qué

destino imprevisto las trae

a este árbol preciso, a este lugar

exacto en que su tiempo

atraviesa, como un signo confuso,

nuestro tiempo.

Por la tarde hablamos de ellas:

“Esta espera suya, inmóvil, terca – dices -,

no sé qué extraña, antigua imagen

traza de la vida”.

Después quedamos en silencio, mirando,

espiando su perfecta quietud

sobre las aguas que pasan

del invierno, y entonces,

por un momento, resumen

para nosotras la

contemplación

del mundo: este río, estos árboles,

el cielo de otoño, el calor,

el frío.

14 de set. de 2023

Sinais 2020, Júlia Rocha Instruções para pintores & poetas :: Lawrence Ferlinghetti

Perguntei a cem pintores e a cem poetas

como pintar a luz do sol

no rosto da vida

As respostas foram ambíguas e ingênuas

como se estivessem guardando segredos comerciais

Entretanto, me parece que

tudo que você tem que fazer

é criar o mundo inteiro

e toda a humanidade

como uma espécie de obra de arte

uma obra de arte site-specific

um projeto de arte do deus da luz

toda a Terra e tudo o que há nela

pintado com luz


E a primeira coisa a se fazer

é pintar algo pós-moderno

E, depois, pintar a si mesmo

em cores verdadeiras

em cores primárias

como vocês as vê

(sem cal)

pinte-se como você se vê

sem maquiagem

sem máscaras

Depois, pinte suas pessoas e animais favoritos

com seu pincel cheio de luz

E certifique-se de que a perspectiva está correta

E não finja

pois uma linha falsa leva a outra


E então pinte altas colinas

quando tocadas pela primeira vez pelo sol

em uma manhã de outono

Com a espátula

coloque

as folhas amarelas de cádmio

as folhas ocres

as folhas de vermelhão

de um outono da Nova Inglaterra

E pinte a luz fantasma das noites de verão

e a luz do sol da meia-noite

que é a luz da lua

E não pinte as sombras feitas pela luz


pois sem chiaroscuro terá imagens superficiais

Então pinte também todos os cantos escuros

de todo o mundo

todos os lugares escondidos e corações e mentes

que a luz jamais alcança

todas as cavernas de ignorância e medo

a fossa do desespero

as lamas do desânimo

e escreva bem claramente

“Deixai todo desespero, vós que entrais”


E não se esqueça de pintar

todos aqueles que viveram suas vidas

como portadores de luz

Pinte seus olhos

e os olhos de cada animal

e os olhos de belas mulheres

mais conhecidas pela perfeição de seus seios

e os olhos de homens e mulheres

conhecidos apenas pela luz de suas mentes

Pinte a luz de seus olhos

a luz do riso iluminado pelo sol

a canção dos olhos

a canção dos pássaros em voo


E lembre-se de que a luz é interior

em qualquer lugar

e você deve pintar de dentro

Comece com pureza

com branco puro

o branco puro do gesso

o branco puro do cádmio branco

o branco puro do flake white

a tela pura e virgem

a vida pura, início de todos nós


Turner pintou a luz do sol

com têmpera a ovo

(que se mostrou instável)

e Van Gogh fez o mesmo com loucura

e sangue de sua orelha

(também instável)

e os impressionistas também

por jamais usar preto

e os expressionistas abstratos também

com pintura de casa branca

Mas você pode fazer isso com o pigmento puro

(se conseguir descobrir a fórmula)

de sua própria e verdadeira luz

mas antes de dar a primeira pincelada

na tela virgem

lembre de sua fragilidade

a extrema fragilidade da vida

e lembre sua inocência

sua inocência original

antes da primeira pincelada


Ou talvez nem comece

E deixe a luz atravessar

a luz interna da tela

a luz interna dos modelos

nos estudos da vida

a luz interior de todos

Deixe tudo fluir

como um pentimento

a luz pintada

a vida pintada

inúmeras vezes

Deixe tudo emergir

a imagem pintada

da vida primitiva na terra


E quando terminar sua pintura

afaste-se atônito

afaste-se e observe

a vida que criou na terra

a vida iluminada na terra

você criou

um admirável mundo novo


......


Instructions to Painters & Poets


I asked a hundred painters and a hundred poets

how to paint sunlight

on the face of life

Their answers were ambiguous and ingenuous

as if they were all guarding trade secrets

Whereas it seems to me

all you have to do

is conceive of the whole world

and all humanity

as a kind of art work

a site-specific art work

an art project of the god of light

the whole earth and all that’s in it

to be painted with light


And the first thing you have to do

is paint out postmodern painting

And the next thing is to paint yourself

in your true colors

in primary colors

as you see them

(without whitewash)

paint yourself as you see yourself

without make-up

without masks

Then paint your favorite people and animals

with your brush loaded with light

And be sure you get the perspective right

and don’t fake it

because one false line leads to another


And then paint the high hills

when the sun first strikes them

on an autumn morning

With your palette knife

lay it on

the cadmium yellow leaves

the ochre leaves

the vermillion leaves

of a New England autumn

And paint the ghost light of summer nights

and the light of the midnight sun

which is moon light

And don’t paint out the shadows made by light


for without chiaroscuro you’ll have shallow pictures

So paint all the dark corners too

everywhere in the world

all the hidden places and minds and hearts

which light never reaches

all the caves of ignorance and fear

the pits of despair

the sloughs of despond

and write plain upon them

“Abandon all despair, ye who enter here”


And don’t forget to paint

all those who lived their lives

as bearers of light

Paint their eyes

and the eyes of every animal

and the eyes of beautiful women

known best for the perfection of their breasts

and the eyes of men and women

known only for the light of their minds

Paint the light of their eyes

the light of sunlit laughter

the song of eyes

the song of birds in flight


And remember that the light is within

if it is anywhere

and you must paint from the inside

Start with purity

with pure white

the pure white of gesso

the pure white of cadmium white

the pure white of flake white

the pure virgin canvas

the pure life we all begin with


Turner painted sunlight

with egg tempera

(which proved unstable)

and Van Gogh did it with madness

and the blood of his ear

(also unstable)

and the Impressionists did it

by never using black

and the Abstract Expressionists did it

with white house paint

But you can do it with the pure pigment

(if you can figure out the formula)

of your own true light

But before you striek the first blow

on the virgin canvas

remember its fragility

life’s extreme fragility

and remember its innocence

its original innocence

before you strike the first blow


Or perhaps never strike it

And let the light come through

the inner light of the canvas

the inner light of the models posed

in the life study

the inner light of everyone

Let it all come through

like a pentimento

the light that’s been painted over

the life that’s been painted over

so many times

Let it all surge to the surface

the painted-over image

of primal life on earth


And when you’ve finished your painting

stand back astonished

stand back and observe

the life on earth that you’ve created

the lighted life on earth

that you’ve created

a new brave world


7 de set. de 2023

A cada cem pessoas :: Wisława Szymborska

A cada cem pessoas:

sabem de tudo e muito melhor do que os outros:

– cinquenta e duas.

ficam inseguras a cada passo:

– quase todas as outras.

estão prontas a ajudar

desde é claro que isso não lhes tome muito tempo:

– quarenta e nove, o que já não é mau.

são sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:

– quatro… vá lá, talvez cinco.

estão prontas a admirar sem inveja:

– dezoito.

são induzidas ao erro

por uma juventude que passa tão depressa:

– umas sessenta.

com quem não se pode brincar:

– quarenta e quatro.

vivem angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:

– setenta e sete.

são dotadíssimas para a felicidade:

– no máximo vinte e tal.

inofensivas quando sozinhas

mas selvagens quando em multidão:

– isso, o melhor é não tentar saber nem aproximadamente.

não pedem nada da vida exceto coisas:

– trinta, mas preferia estar enganada.

encurvadas, sofridas,

sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas:

– cedo ou tarde, oitenta e três.

justas:

– pelo menos trinta e cinco, e lamba os beiços.

mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:

– três.

dignas de compaixão:

– noventa e nove.

mortais:

– cem entre cem,

número que, até momento, não é possível alterar.

Wisława Szymborska, in Instante, Relógio D’Água, 2006, pp. 63-65.

4 de set. de 2023

MOÇAS DAS DOCAS :: 20 Setembro 1926 (Moçambique) -04 Dezembro 2002 (Cascais) Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares

Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço.

Fugitivas das Munhuanas e dos Xipamanines,

viemos do outro lado da cidade

com nossos olhos espantados,

nossas almas trançadas,

nossos corpos submissos e escancarados.

De mãos ávidas e vazias,

de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo,

de corações amarrados de repulsa,

descemos atraídas pelas luzes da cidade,

acenando convites aliciantes

como sinais luminosos na noite.


Viemos ...

Fugitivas dos telhados de zinco pingando cacimba,

do sem sabor do caril de amendoim quotidiano,

do doer espáduas todo o dia vergadas

sobre sedas que outras exibirão,

dos vestidos desbotados de chita,

da certeza terrível do dia de amanhã

retrato fiel do que passou,

sem uma pincelada verde forte

falando de esperança.

(Excerto)

 

2 de set. de 2023

Manacá-de-jardim ou manacá-de-cheiro (Brunfelsia uniflora)





O manacá-de-jardim ou manacá-de-cheiro (Brunfelsia uniflora) é uma árvore da família Solanaceaecom origem na Mata Atlântica, no Brasil.

É uma árvore de folhas pequenas e permanentes, de crescimento de velocidade média e que pode atingir cerca de 3 metros de altura, com 2 metros de diâmetro da copa arredondada. A floração decorre entre setembro a março e produz flores brancas e lilases. A frutificação é do tipo cápsula. A propagação é por mergulhia e não suporta transplante.

Esta espécie é muito utilizada como ornamento, pela sua beleza e perfume. Durante todo o ano é possível ver na sua proximidade a borboleta-do-manacá, que deposita os ovos apenas nas folhas dessa planta, que é o único alimento de suas larvas.

fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)