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18 de dez. de 2014

PRESENTE : NOEMI JAFFE


um presente é a atualização de um passado que retorna sob a forma de um objeto doado: 
Um dom, uma dádiva. por isso, é claro, a coincidência entre a conotação temporal e da oferta ritualística: 
em aniversários, ocasiões de celebração, nascimentos, casamentos. 
para cada dom, desinteressado mas obrigatório, um compromisso, um selo: 
sou para você e você é para mim. estamos juntos em aliança. 
desejo que, neste natal, haja mais presentes presentes.

27 de out. de 2013

Lições de Mia Couto

Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

In:  Idades Cidades Divindades. Lisboa: Caminho, 2007. p. 27-28

30 de ago. de 2013

Hoje não escrevo de Carlos Drummond de Andrade



Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)