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28 de mar. de 2015

O que faz andar a estrada? Mia Couto

Paul Klee, 1929

O que faz andar a estrada?
É o sonho. 
Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva.
É para isso que servem os caminhos, 
para nos fazerem parentes do futuro.

21 de mar. de 2015

Andar para aprender de Lídia Jorge


Kendall Kessler
“Pois no meu caso, decorar sempre significou caminhar com um papel na mão, os olhos semicerrados, repetindo alto, até uma parte das falas ficar gravada no corpo. Decorar sempre consistira em impregnar de palavras o organismo inteiro, transformando-as numa coisa orgânica, uma coisa carnal. As plantas dos meus pés em movimento sempre serviram de máquina de impregnação de palavras. Os meus braços, as minhas mãos em movimento, unidos, sempre souberam mais do que o meu pensamento. A minha memória sempre foi alguma coisa mais ampla do que um tecido associado ao labirinto do cérebro, tendo a fixação muito mais a ver com os músculos do que propriamente com um processo mental. Andar, andar para apreender, repetir, decorar junto ao mar.”

O Belo Adormecido, Dom Quixote

3 de abr. de 2014

Caminhante de Antonio Machado



Caminante, son tus huellas

el camino, y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,

sino estelas en la mar.

.......................

Caminhante, são teus rastos

o caminho, e nada mais;

caminhante, não há caminho,

faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se o caminho,

e ao olhar-se para trás

vê-se a senda que jamais

se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,

somente sulcos no mar.

20 de nov. de 2013

Desato :: Viviane Mosé

É preciso fritar o arroz bastante antes de jogar água fervendo.
E não pode mexer jamais depois de a água ser posta.
O alho deve fritar no óleo junto com o arroz.

Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas.
Faxina por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo
Que não sobra um canto que não tenha sido tocado
Por minhas mãos.
Depois vou sujando. Com muito gosto.
Deixo peças na sala e louças sujas na pia.
Não na mesma hora mas um pouco
Bastante depois volto limpando.
Assim me faço.
Nos objetos que me acompanham.

Gosto de andar nas ruas e comprar coisas
Que vão se arrumando em torno de mim.
Tenho muitas coisas, quero dizer, tenho muitas camadas.
Uma camada de livros outra de sapatos.
Tem a camada de plantas. E toalhas de rosto.
Tenho camadas de cosméticos e de adereços.
Uma camada de nomes e de coisas que vejo.
Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo.
Um corpo que me sustenta quando o meu próprio me falta.

Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços.
Torneiras em meus poros. Paredes como roupas de inverno.
(Quando toca música em minha casa sai do umbigo)

Descanso recostada nas paredes da casa
Que me guardam como um abraço.
Me abraço quando me derramo na sala.
E na cozinha. Em geral adormeço no quarto.

Tudo em minha casa tem existência.
Todas as coisas significo.
Com os olhos. Ou com as mãos.
Minha casa tem silêncios
Que às vezes ouço. Em meu corpo
Tem silêncios maiores ainda.
Que às vezes ouço. E faço poemas.
Faço poemas dos silêncios que ouço.

23 de ago. de 2013

Um homem com uma dor :: Leminski

Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra...

in: La Vie en Close. São Paulo, SP: Brasiliense, 1994. 

22 de out. de 2011

Distraído



O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Titãs

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)