20 de abr. de 2023

Do jardim :: Anne Sexton


Vem, meu amado.

olha os lírios.

Temos tão pouca fé.

Falamos demais.

Joga fora teu punhado de palavras

e vem comigo observar

os lírios se abrindo em campo tão vasto,

ali crescendo como iates,

guiando devagarinho as pétalas

sem enfermeiras nem relógios.

Olhemos a paisagem:

uma casa cujos salões enlameados

são adornados por nuvens brancas.

Oh, joga fora tuas palavras, as boas

e as ruins. Cospe

tuas palavras como pedras!

Vem cá! Vem cá!

Vem comer minhas frutas deliciosas

16 de abr. de 2023

O Homem; as Viagens Carlos :: Drummond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno

chateia-se na Terra

lugar de muita miséria e pouca diversão,

faz um foguete, uma cápsula, um módulo

toca para a Lua

desce cauteloso na Lua

pisa na Lua

planta bandeirola na Lua

experimenta a Lua

coloniza a Lua

civiliza a Lua

humaniza a Lua.


Lua humanizada: tão igual à Terra.

O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.

Elas obedecem, o homem desce em Marte

pisa em Marte

experimenta

coloniza

civiliza

humaniza Marte com engenho e arte.


Marte humanizado, que lugar quadrado.

Vamos a outra parte?

Claro — diz o engenho

sofisticado e dócil.

Vamos a Vênus.

O homem põe o pé em Vênus,

vê o visto — é isto?

idem

idem

idem.


O homem funde a cuca se não for a Júpiter

proclamar justiça junto com injustiça

repetir a fossa

repetir o inquieto

repetitório.


Outros planetas restam para outras colônias.

O espaço todo vira Terra-a-terra.

O homem chega ao Sol ou dá uma volta

só para tever?

Não-vê que ele inventa

roupa insiderável de viver no Sol.

Põe o pé e:

mas que chato é o Sol, falso touro

espanhol domado.


Restam outros sistemas fora

do solar a colonizar.

Ao acabarem todos

só resta ao homem

(estará equipado?)

a dificílima dangerosíssima viagem

de si a si mesmo:

pôr o pé no chão

do seu coração

experimentar

colonizar

civilizar

humanizar

o homem

descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

a perene, insuspeitada alegria

de con-viver

11 de abr. de 2023

O pombo flâneur :: VARELLA, Alex.


Todo pombo é flâneur, mas o carioca ainda mais.
Conta Paulo Mendes Campos que era verão,
e dois deles tinham marcado um encontro,
às cinco azul em ponto,
nos céus do Rio de Janeiro.
Os tradicionais relógios da Mesbla e da Central marcavam a hora,
mas não marcavam o tempo,
(nenhum relógio marca o tempo).
Atravessando a cidade num fio de luz,
a vista ardendo de azul,
aquele pombo se atrasou
e, arrulhando,
em uma sentença se explicou:
“-- Desculpe , meu amor,
mas o dia estava tão bonito que eu vim andando;
eu tinha de vir andando!”


João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)