eu guardo o nosso segredo como se guarda, escondida no fundo da gaveta, uma jóia dentro de uma caixa forrada de veludo, enrolada no lenço de seda. ou como se perde, entre as folhas de um livro, uma folha seca que a gente pegou no chão daquele dia especial de outono. um dia a gente abre o livro e dá de cara com a cena. guardo os instantâneos da nossa vida na retina, milhares de quadros por segundo. não tiramos nenhuma foto juntos, mesmo qdo o sol listrava de cor de rosa o céu azul do arpoador. não postamos nossos pés sujos de areia no instragram. a gente anda na rua sem dar as mãos, mas trocamos olhares. não vamos publicar nenhuma das nossas felicidades, não vamos postar nada. não temos amigos em comum, não moramos na mesma cidade. nós moramos na nuvem. agora, falamos menos. nos olhamos mais. sorrimos, e ficamos calados, lado a lado. a paz reina. qdo nos vemos vem lua vai sol vem noite vai dia. somos completamente.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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22 de jun. de 2020
Somente para seus olhos de Andrea Dutra
eu guardo o nosso segredo como se guarda, escondida no fundo da gaveta, uma jóia dentro de uma caixa forrada de veludo, enrolada no lenço de seda. ou como se perde, entre as folhas de um livro, uma folha seca que a gente pegou no chão daquele dia especial de outono. um dia a gente abre o livro e dá de cara com a cena. guardo os instantâneos da nossa vida na retina, milhares de quadros por segundo. não tiramos nenhuma foto juntos, mesmo qdo o sol listrava de cor de rosa o céu azul do arpoador. não postamos nossos pés sujos de areia no instragram. a gente anda na rua sem dar as mãos, mas trocamos olhares. não vamos publicar nenhuma das nossas felicidades, não vamos postar nada. não temos amigos em comum, não moramos na mesma cidade. nós moramos na nuvem. agora, falamos menos. nos olhamos mais. sorrimos, e ficamos calados, lado a lado. a paz reina. qdo nos vemos vem lua vai sol vem noite vai dia. somos completamente.
22 de jun. de 2016
Epitáfio :: Juan Gelman
Um pássaro vivia em mim.
Uma flor viajava no meu sangue.
Meu coração era um violino.
Quis ou não quis. Mas às vezes
me quiseram. Também me
alegravam: a primavera,
as mãos juntas, o feliz.
Digo que o homem deve sê-lo!
Aqui jaz um pássaro.
Uma flor.
Um violino.
.........
Epitafio
Un pájaro vivía en mí.
Una flor viajaba en mi sangre.
Mi corazón era un violín.
Quise o no quise. Pero a veces
me quisieron. También a mí
me alegraban: la primavera,
las manos juntas, lo feliz.
¡Digo que el hombre debe serlol
Aquí yace un pájaro.
Una flor.
Un violín.
8 de nov. de 2015
Eu e a Brisa :: composição de Johnny Alf
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz
Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar
24 de set. de 2015
Valsinha :: Vinicius de Moraes - Chico Buarque
Um dia ele chegou tão diferente
Do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente
Do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto
Era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto,
Pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como
há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça
E começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz
6 de set. de 2015
O tempo redescoberto :: Marcel Proust
(...) Porque, embora deva ser breve a nossa vida, é só enquanto sofremos que nossos pensamentos, de algum modo agitados por movimentos perpétuos e ondulantes, elevam, como numa tempestade, a um nível onde se torna visível, toda essa imensidão regida por leis, que, debruçados a uma janela mal colocada, não conseguimos avistar, porque deixa-a rasa e lisa a calma da felicidade; só para alguns grandes gênios tal movimento existirá sempre, independente da agitação da dor; não o podemos todavia afirmar, pois, ao contemplar-lhes o largo e regular desenvolvimento das obras alegres, inferimos, da alegria da produção, a da vida, talvez ao contrário constantemente dolorosa?
in: O tempo redescoberto. Globo. p. 173.
28 de ago. de 2015
12 de ago. de 2015
Gramática da felicidade :: Mario Quintana
e o tempo futuro (esperança para os idealistas). Uma gangorra,
como vês, cheia de altos e baixos — uma gangorra emocional.
Isso acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de
vez o homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática
imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo.
E nem dá tempo para suspiros…
in: A vaca e o hipogrifo. 1977.
6 de ago. de 2015
Amor aos pedaços :: Ana Estaregui
às vezes a felicidade é um rótulo bonito de azeite
que recolho em silêncio da mesa de jantar
para que não desconfiem da minha sanidade.
24 de abr. de 2015
Amor feliz :: Wislawa Szymborska
Amor feliz. Será normal,
será sério, será útil? —
que tem o mundo a ver com duas pessoas
que não vêem o mundo?
Erguidos ao céu sem mérito nenhum,
os melhores entre milhões e convencidos
que assim tinha que ser — a premiar o quê? Nada;
de algum ponto cai a luz —
e porquê logo sobre estes e não outros?
Ofenderá isto a justiça? Sim.
Perturbará os princípios estabelecidos com cuidado?
Derrubará do seu púlpito a moral? Perturba e derruba.
Olhem-me bem estes felizardos:
se ao menos se mascarassem um pouquinho,
fingissem melancolia dando assim algum ânimo aos amigos!
Ouçam bem como se riem — é um insulto.
A linguagem que usam — entendivel, pelos vistos.
E aquelas cerimónias, etiquetas,
obrigações rebuscadas um para o outro —
parece mesmo um acordo nas costas da humanidade.
É difícil até de prever no que daria
se um tal exemplo pudesse ser seguido.
Com que é que poderiam contar as religiões, a poesia,
de que nos recordaríamos, de que desistiríamos,
quem quereria pertencer ao círculo?
Amor feliz. Assim terá que ser?
Tacto e bom senso mandam omiti-lo
como a um escândalo nas altas esferas da Existência.
in: Paisagem com Grão de Areia. Relógio d’Água,1998.
23 de abr. de 2015
COSTURANDO A VIDA :: Janaína Cavallin
Victor Borisov-Musatov
A gente podia poder costurar o tempo,
bordando em cima dos erros para que eles sumissem.
Costurar as pessoas que gostamos pertinho.
Costurar os domingos, um mais perto do outro.
Costurar o amor verdadeiro no peito de quem a gente ama.
Costurar a verdade na boca dos seres.
Costurar a saudade no fundo de um baú para que ela de lá não fuja.
Costurar a auto estima bem alto, pra que nunca ela caia.
Costurar o perdão na alma e a bondade na mão.
Costurar o bem no bem e o bem sobre o mal.
Costurar a saúde na enfermidade e a felicidade em todo lugar.
18 de abr. de 2015
FELICIDADES :: Roseana Murray
Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.
Rios da Alegria. Moderna, 2005.
23 de fev. de 2015
Felicidade Clandestina :: Clarice Lispector
Winslow Homer
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."
in: Felicidade clandestina. Editora Nova Fronteira, 1981. p. 10
26 de jan. de 2015
Poema :: Bernhard Wosien
uma canção do silêncio
seguindo uma música cósmica
e coloco meu pé ao longo das beiras do céu
eu sinto
como seu sorriso me faz feliz
29 de out. de 2014
Manoel de Barros
Elvira Matilde
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
26 de out. de 2014
Minas Geraes :: letra: Novelli e Ronaldo Bastos
Com o coração aberto em vento
Por toda a eternidade
Com o coração doendo
De tanta felicidade
Coração, coração, coração
Coração, coração...
Todas as canções inutilmente
Todas as canções eternamente
Jogos de criar sorte e azar
8 de out. de 2014
Sobre o país donde vimos :: Ana Blandiana
Max Ernst, 1969
Vamos, falemos
do país donde vimos.
Eu venho do Verão,
uma pátria frágil
que qualquer folha,
ao cair, pode bem extinguir.
E o céu é tão cheio de estrelas
que às vezes pendem até ao chão,
e tu, aproximando-te, podes ouvir a erva
a fazer cócegas às estrelas que riem,
e são tantas as flores
que os olhos doem
deslumbrados pelo sol,
e redondos sóis pendem
de cada árvore;
Donde eu venho
falta apenas a morte
e é tanta a felicidade
que até dá para dormir.
27 de set. de 2014
Amor é incompreensão ::Diana Corso
Como é possível reconhecer um amor sincero e duradouro de uma paixão que logo, logo se esvai.
Revista Vida Simples, Setembro de 2014
Quando se ama, o pior inimigo não é, como dizem por aí, o costume. Ele pode ser traduzido em intimidade, à guisa de elogio. A rotina pode ser deliciosa, porto seguro da alma, lugar onde ancorar a salvo do medo. A mesmice do outro não é chatice, é repouso.
A duração de um amor não esbarra nisso, é a idealização das escolhas que a abala. Somos tolos como insetos em volta da lâmpada. Ficamos trocando de parceiro, renovando a expectativa de algo maior, relançando as apostas num encontro absoluto. Balela. Amar é combater o desencontro a cada dia. Escute Clarice Lispector “pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente”.
O convívio não destrói o mistério, pelo contrário. Viver uma vida toda ao lado de alguém é resignar-se a não decifrá-lo. Não nos saciaremos um no outro. Ele nunca chegará a nos pertencer definitivamente. Um rio separa os amantes, travessias são possíveis, mas as margens não se fundirão.
Gulosos, consideramos que a felicidade seria fazer-se um: queremos mais do que encaixe, o objetivo é zerar a distância, virar uma só laranja. Nesse caso, melhor casar com o espelho ou seguir em busca desse par perfeito, pulando de promessa em promessa, procurando no amor o tesouro escondido da felicidade.
O problema é que o Amor e a Felicidade sofrem da mesma sina. São inflacionados, acima de tudo incompreendidos e costumam não ser reconhecidos quando estão presentes em nossas vidas. Por natureza, eles são discretos, deixam-se estar, dispostos a um bom papo, uma tacinha de vinho. Mas em geral são ignorados. Depois de um tempo, partem incógnitos. Os que não souberam reconhece-los sequer têm motivo para lamentar por isso, a ignorância os protege.
Já a Paixão e a Euforia nunca passam desapercebidas, causam furor quando chegam. São barulhentas, jogam confetes em si mesmas e somem sem que se saiba quando foi que a Ressaca tomou seu lugar.
Os amantes ingênuos são mais afeitos ao estilo destas últimas. Como num parque de diversões eterno, ficam em longas filas, na chatice da espera, para viver instantes em vertigem. Prefiro gastar meu prazo tomando um vinho com a Intimidade. Essa, é mais próxima da Felicidade. Acho que nunca terminarei de comemorar a permanência do amor como um presente que nunca abro. O mistério de seu conteúdo faz parte da felicidade de tê-lo em mãos.
Revista Vida Simples, Setembro de 2014
10 de set. de 2014
INVERNO :: Antonio Cicero.
Franz Marc, 1912
No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.
15 de jul. de 2014
Escrita de Thomas Mann
Gabriel Metsu, 1664-1666
A felicidade do escritor é o pensamento que consegue transformar-se completamente em sentimento,
é o sentimento que consegue transformar-se completamente em pensamento.
Fonte:Thomas Mann, Morte em Veneza
8 de jul. de 2014
Perguntas e respostas para um caderno escolar :: Clarice Lispector
-Poderia dizer que é Deus que sempre existiu.
-Qual é a coisa mais bela?
-O instante de inspiração.
-E Deus quando criou o Universo não o fez no momento de sua maior inspiração?
-O Universo sempre existiu. O Cosmos é Deus.
-Qual das coisas é a maior?
-O amor, que é o maior dos mistérios.
-Das coisas qual é a mais constante?
-O medo. Que pena que eu não possa responder: é a esperança.
-Qual é o melhor dos sentimentos?
-O de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um lugar-comum mas é uma das minhas verdades.
-Qual é o sentimento mais rápido?
- O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.
-Qual é a mais forte das coisas?
-O instinto de ser.
-O que é mais fácil de se fazer?
-Existir, depois que passa o medo.
-Qual é a coisa mais difícil de realizar?
-A própria relativa felicidade que vem do conhecimento de si mesmo.
(Depois as perguntas se tornaram mais complicadas).
In: A descoberta do mundo, 1984. p. 478
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