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21 de mar. de 2014

Sereia :: Cecilia Meireles

 John William Waterhouse

Linda é a mulher e o seu canto,
ambos guardados no luar.
Seus olhos doces de pranto
— quem os pode enxugar
devagarinho com a boca,
ai!
com a boca, devagarinho...

Na sua voz transparente
giram sonhos de cristal.
Nem ar nem onda corrente
possuem suspiro igual,
nem os búzios nem as violas,
ai!
nem as violas nem os búzios...

Tudo pudesse a beleza,
e, de encoberto país,
viria alguém, com certeza,
para fazê-la feliz,
contemplando-lhe alma e corpo,
ai!
alma e corpo contemplando-lhe...

Mas o mundo está dormindo
em travesseiros de luar.
A mulher do canto lindo
ajuda o mundo a sonhar,
com o canto que a vai matando,
ai!
E morrerá de cantar.

Meireles, Cecília. Viagem : poesia 1929-1937. Lisboa: Império. Lisboa, 1939. 

5 de ago. de 2013

Garras dos sentidos de Agustina Bessa Luís


Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.


São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.


Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.



São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.


Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.



Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.



Agustina de Bessa Luís (n. em Vila Meã, Amarante em 1922)

24 de jan. de 2012

Amor Sereno de Débora Siqueira Bueno


Pois que depois do pranto
– talvez excessivo –
encontrei um amor sereno.
Com a perenidade das montanhas
lá já estava, intocado,
antes que o percebesse.

Mesmo com meu cansaço,
minhas hesitações, tantas lacunas;
ainda que traga impressa
a passagem das águas,
o verter das lágrimas;
ainda que porte
as marcas dos ventos,
dos temporais,
do tempo –
Ele me ama no meu desnudamento.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)