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14 de set. de 2021

Não te rendas :: Mario Benedetti

Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos
Soltar o lastro,
Retomar o vôo.

Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda,
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma.
Ainda existe vida nos teus sonhos.

Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o tens querido e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,

Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.

Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinho, porque eu te amo

11 de jan. de 2020

Paz de Agustina Bessa-Luís

Oscar Niemeyer
A paz não tem figura nem desejo absoluto; 
viver em paz não é viver; 
(...) a paz é um absurdo, 
como a realidade concreta é um absurdo 
que é preciso recriar para 
que se torne afecto do homem, 
obra sua. 

Agustina Bessa-Luís


30 de jun. de 2016

Começo de Rui Pires Cabral

Vejo-te um pouco como se já não houvesse 
uma casa para nós. As grandes perguntas estão aí
por todo o lado, onde quer que se respire, dentro
dos próprios frutos. É o começo da noite
e os cinzeiros já estão cheios de meias palavras:
porque escolhemos tão pouco
aquilo que nos pertence?
Vejo-te de olhos fechados enquanto me confiavas
a tua história – à mesa da cozinha, quase um espelho,
quase uma razão. As minhas canções preferidas
pareciam convergir para ti a certa altura, dir-se-ia
que te vestias com elas. E no entanto
como se apressaram as grandes florestas a invadir
as gavetas, como misturaram as raízes
no eco que fazia o teu desejo contra mim.


14 de dez. de 2015

Real :: Noemi Jaffe (São Paulo, 1962)

Maria Primachenko
real
atenção, atenção, você, que está perdido, angustiado, tenho a resposta para uma de suas perguntas mais difíceis! eu sei o que é o real! o real é: o ardor da pimenta, o pelo do gato,o frescor do vento, a raiva do vizinho, a inveja da moça mais bonita, a paranoia, as falsas impressões, as opiniões contraditórias, o desejo de ajudar alguém desconhecido, o desejo de esgoelar alguém conhecido, os elefantes cor de laranja, o buraco negro, o homem que cospe coelhos no conto do cortázar, o pipoqueiro que mora numa mansão aqui do lado da minha casa e o outro que pescou um peixe de trezentos quilos num riachinho de um bairro da periferia.

8 de nov. de 2015

Eu e a Brisa :: composição de Johnny Alf

Mica Wright

Ah, se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz
Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar

2 de set. de 2015

Erte

Perseguida pelo medo da velhice, deixei envelhecer a nossa relação. Ocupada em me fazer bela, deixei escapar a verdadeira beleza, que apenas mora no desnudar do olhar. O lençol esfriou, a cama se desaventurou. Esta é a diferença: a mulher que encontraste aí, em África, fica bela apenas para ti. Eu ficava bela para mim, que é um outro modo de dizer: para ninguém.
É isso que essas negras têm que nunca podemos ter: elas são sempre o corpo inteiro. Elas moram em cada porção do corpo. Todo o seu corpo é mulher, todo o seu tempo é feminino. E nó, brancas, vivemos numa estranha transumância: ora somos alma, ora somos corpo. Acedemos ao pecado para fugir do inferno. Aspiramos à asa do desejo para, depois, tombarmos sob o peso da culpa.
Mia Couto . Antes de Nascer o Mundo. Companhia das Letras, 2009. p. 135

4 de jul. de 2015

Quase de nada místico :: Ana Luísa Amaral

Joan Miro, 1925

Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,

e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:

poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.


                 de Às Vezes o Paraíso


Anos 90 e agora
Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa
edições quasi

12 de fev. de 2015

Aprendamos :: José Saramago

Maurice Prendergast
Aprendamos, amor, com estes montes 
Que, tão longe do mar, sabem o jeito 
De banhar no azul dos horizontes. 

Façamos o que é certo e de direito: 
Dos desejos ocultos outras fontes 
E desçamos ao mar do nosso leito. 

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

27 de jan. de 2015

MINHA GRANDE TERNURA :: Manuel Bandeira


quadro: Campos de Outrora  de Lúcia Buccini

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser;
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite
De um túmulo.


10 de jan. de 2015

DISCURSO DE NOIVADO APÓS O JANTAR:: HANS MAGNUS ENZENSBERGER (Kaufbeuren, Alemanha 1929)


Este eu, um recipiente, que
desde que ninguém o abra,
parece compacto, liso
como um ovo Kinder,
quase apetitoso. Somente lá,
no interior, está escuro. Quem sabe
o que estará dentro, à tua espera.
Obsessões, sem dúvida,
hábitos enferrujados,
medos incompreensíveis,
truques em segunda mão,
desejos infantis.
Que tu a desejes ter,
a esta prenda embrulhada,
roça o milagre.

6 de jan. de 2015

3 de out. de 2014

DEVÍAMOS :: Ana Blandiana ( 1942 Timisoara, Romania)

Boris Kustodiev

Devíamos nascer velhos,
despertos, capazes de decidir
nosso destino na Terra,
saber que caminho tomar
desde a primeira encruzilhada
e que irresponsável fosse apenas
o desejo de ir mais longe.
Depois, pormo-nos a caminhar,
cada vez mais jovens,
alcançar maduros e fortes
as portas da criação,
atravessá-las e entrar apaixonados
na adolescência,
sendo crianças quando nos nascessem os filhos.
Estes seriam assim sempre mais velhos que nós,
ensinando-nos a falar
e embalando-nos para dormir,
desapareceríamos pouco a pouco,
cada vez mais pequenos,
como um grãozinho de uva, de ervilha ou de trigo...



6 de jun. de 2014

Faça de Conta :: Isabel Machado

Oswaldo Guayasamin

Faça de conta 
que a vida é curta 
e o tempo não nos pertença 
para assim sorver cada minuto 
como último 
e cada sonho 
como eterno... 
Faça de conta 
que não há limites
entre espaços 
quando abraços - em costas 
são sentidos à léguas... 
Faça de conta 
que o desejo nunca morre 
não dá trégua 
não pede água 
e só não é eterno 
para viver mais 
em clima de paixão..

13 de abr. de 2014

IN VAIN THE AM’ROUS FLUTE :: Manuel de Freitas



Estas escadas tinham degraus
onde por acaso nos sentámos
à espera de não ver gaivotas,
com livros abertos
quando as mãos chegavam.

De novo e despercebida e só,
acendia-se para morrer na tarde
a inútil figuração do desejo.

E éramos outra vez nós
os seus irrepetíveis figurantes,
escondidos num poema
que o tempo pisou, deixa lá
- o recomeçado amor descendo.

15 de fev. de 2014

Pingentes de citrino :: Adélia Prado

Amedeo Modigliani, 1916

Tão lírica minha vida,
difícil perceber onde sofri.
Depois de décadas de reprimido desejo,
furei as orelhas.
Míúdos como grãos de arroz,
brinquinhos de pouco brilho
me tornam mais bondosa.
Fora minhas irmãs, 
que também pagam imposto
ao mesmo comedimento,
quase ninguém notou.
Fiquei mais corajosa, 
igual a mulheres que julgava levianas
e eram só mais humildes.

In: Miserere. Record, 2013.

30 de nov. de 2013

Meu amor de Paul Eluard

Matisse

Meu amor por ter figurado meus desejos
Posto teus lábios no céu de tuas palavras como um astro
Teus beijos na noite viva
E o rastro de teus braços em torno de mim
Como uma chama em sinal de conquista
Meus sonhos estão no mundo
Claros e perpétuos

E quando tu não estás
Sonho que durmo sonho que sonho

1 de nov. de 2013

Tecido :: Sandra Quinteiro


Dá-me um pouco da tua linha

Quero bordar-te em minha vida

Enfeitar as vestes de minha alma

Alinhavando os desejos

Costurando nossos sonhos

Pespontando as beiradas

Só não quero dar acabamento

Isso não é coisa a se fazer

Pois, a vida é vasto tecido

Sempre pronto a ser adornado

Sempre ávido de ser transformado

19 de jul. de 2013

O próprio desejo é movimento de T.S. Elliot



O próprio desejo é movimento
Não desejável em si;
O próprio amor é inamovível,
Apenas a causa e o fim do movimento,
Intemporal, e sem desejo
Excepto no aspecto do tempo
Capturado sob a forma de limitação
Entre o não ser e o ser.
De repente num raio de sol
Mesmo enquanto se move a poeira
Eleva-se o riso escondido
De crianças na folhagem
Depressa, aqui, agora, sempre-
Ridículo o triste tempo inútil
Que se estende antes e depois.

In: T.S. Elliot. Quatro Quartetos. Tradução de Maria Amélia Neto. 3ª edição. ÁTICA, 1983

22 de mai. de 2013

Como El Agua - Camaron de la Isla y Paco de Lucia

Limpiava el agua del río
como la estrella de la mañana,
limpio va el cariño mío
al manantial de tu fuente clara.

Como el agua. 

Como el agua clara
que abaja del monte,
así quiero verte
de día y de noche.

Como el agua. 

Yo te eche mi brazo al hombro
y un brillo de luz de luna
iluminaba tus ojos.

De ti deseo yo to el calor
pa ti mi cuerpo si lo quieres tu
fuego en la sangre nos corre a los dos.

Como el agua. 

Si tus ojillos fueran
aceitunitas verdes,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele, muele que muele.

Luz del alma me adivina
que a mí me alumbra mi corazón
mi cuerpo alegre camina
porque de ti lleva la ilusión.



Como el agua

http://letras.mus.br/camaron-de-la-isla/748731/

11 de mar. de 2013

Às vezes, em sonho triste de Fernando Pessoa

Vieira da Silva 
Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.


21-11-1909
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 15.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)