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8 de ago. de 2016

Limites de Sophia de Mello Breyner Andresen (1914-2004)

Ferdinand Hodler


Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes


15 de nov. de 2015

Sempre :: Chico Buarque

John William Godward

Sempre
Eu te contemplava sempre
Feito um gato aos pés da dona
Mesmo em sonho estive atento
Para poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas que já foram
Noite afora para sempre

O teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso, o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre

Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que bastantes
Quando cada instante é sempre

22 de jun. de 2015

O fio da vida :: Rui Knopfli

Há homens que rezam na penumbra
das catedrais dolentes e há outros
que do alto das pontes olham
a escuridão rumorejante das águas.
Há homens que esperam na orla
marítima e outros arrastando-se
no viscoso esterco dos subterrâneos.
Há homens debruçados em pleno azul
e outros que deslizam sobre densos verdes;
há os desatentos na atenção e os que
espreitam atentamente a ocasião.
Há homens por fora e por dentro
do cimento armado, suspensos
das mil ciladas do quotidiano voraz;
de encontro aos muros, às paredes,
ao sol do meio-dia, ao visco da noite,
às sediças solicitações de cada instante.
Há a impotência poderosa da oração
e a obsessão amarga dos suicidas
e, de permeio, os que, porque hesitam,
porque ignoram, porque não crêem,
não oram, nem se suicidam
e se quedam ante a impossibilidade de destrinça
entre o fio da vida e a vida por um fio.

3 de dez. de 2014

IRMANDADE de Octavio Paz

Stars - Agnes Martin, 1963
Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.

Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

5 de out. de 2014

O Ciclista :: André Ricardo Aguiar

Cyclist - Natalia Goncharova, 1913

À flor veloz    
colhe o tempo
(pedal)         
pé ante perigo 
no risco de dar consigo

Centauro de rodas e aros, 
meio homem, meio 
de transporte

A pena da bicicleta 
escreve ruas 
até que uma esquina 
engatilha o ciclista 
e dispara—

A pólvora do instante
o ciclo da vida

Tudo pássaro 
e passageiro.

29 de set. de 2014

CIRCULAR :: Paulo Henriques Britto


Neste mesmo instante, em algum lugar,
alguém está pensando a mesma coisa
que você estava prestes a dizer.
Pois é. Esta não é a primeira vez.

Originalidade não tem vez
neste mundo, nem tempo, nem lugar.
O que você fizer não muda coisa
alguma. Perda de tempo dizer

o que quer que você tenha a dizer.
Mesmo parecendo que desta vez
algo de importante vai ter lugar,
não caia nessa: é sempre a mesma coisa.

Sim. Tanto faz dizer coisa com coisa
ou simplesmente se contradizer.
Melhor calar-se para sempre, em vez
de ficar o tempo todo a alugar

todo mundo, sem sair do lugar,
dizendo sempre, sempre, a mesma coisa
que nunca foi necessário dizer.
Como faz este poema. Talvez.

Formas do nada.  Companhia das Letras.  

10 de set. de 2014

INVERNO :: Antonio Cicero.

 Franz Marc, 1912
No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir

de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.

Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?

Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar

Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.

6 de mar. de 2014

Tem aqueles que :: Wislawa Szymborska


Olga Rozanova

Tem aqueles que cumprem a vida com mais eficácia.
Põem ordem em si mesmos e a seu redor.
Têm resposta certa e jeito para tudo.
Logo adivinham quem a quem, quem com quem,
com que objetivo, por onde.
Batem o carimbo nas verdades únicas,
atiram ao triturador fatos desnecessários,
e a pessoas desconhecidas
de antemão destinam fichários.
Pensam só o quanto vale a pena,
nem um instante mais,
pois depois desse instante espreita a dúvida.
E quando recebem dispensa da existência,
deixam o posto
pela porta indicada.
Às vezes os invejo
-- por sorte isso passa.

5 de mar. de 2014

Pudesse eu :: Sophia de Mello Breyner Andreson

Salvador Dali
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!

Poesia, Antologia. Moraes Editores, 1970

20 de dez. de 2013

Esquecemo-nos de quase tudo :: José Eduardo Agualusa


David Dehner 

“- A nossa espécie – continuou – tem fraca memória. Esquecemo-nos de quase tudo. Muitas vezes, por outro lado, julgamos lembrar-nos de coisas que nunca nos aconteceram. Coisas que lemos, que aconteceram a outros, ou que alguém nos contou. Certos peixes esquecem-se de onde vieram no curto instante que levam a percorrer um aquário. O aquário é para eles, dessa forma, um espaço infinito, novo a cada instante, cheio de surpresas e diversidade. Cada volta que dão parece-lhes uma experiência inédita. Connosco passa-se algo semelhante. A natureza criou o esquecimento para que nos seja possível suportar o terrível tédio deste minúsculo aquário a que chamamos vida.”

In: Um Estranho em Goa.  Edições Cotovia

1 de fev. de 2013

Sempre de Chico Buarque

Eu te contemplava sempre
Feito um gato aos pés da dona
Mesmo em sonho estive atento
Para poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas que já foram
Noite afora para sempre

O teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso, o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre

Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que bastantes
Quando cada instante é sempre

http://www.youtube.com/watch?v=OhIB-vYy_Qw

9 de jan. de 2013

Dentes de leão: símbolo da fugacidade por Regine Ramseier






Le calme
J’ai orienté ce travail dans la petite chambre de l’atelier artistique. Environ 2000 fleurs de dent-de-lion fanées oscillent vivants et légers du plafon. Un symbole pour la vie et la naissance. Un symbole pour la fugacité. Un instant à tenir. Retenir le souffle et penser au caractère transitoire de la vie pour la durée d'un soupir. S’étonner dans la chambre des merveilles. Hermann Hesse a exprimé mon sentiment avec les mots. Etincelles d’instants dans la poésie. La petite salle blanche contient une grande fenêtre, qui ferme dehors le vert du parc. Le ciel de pissenlits se penche de la porte à la fenêtre et on dirait que les fleurs sortent de la salle vers la lumière et le jour. Mais tranquilles elles restent accrochées dans la chambre et elles résistent. Retenues dans mon souvenir. Elles n’y retourneront pas. Mais les prés d'or, cela je le sais, les pissenlits, eux, reviendront le printemps prochain.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)