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19 de dez. de 2014

Código :: MIREN AGUR MEABE (Leikeitio, País Basco, 1962)


Michael Tompsett

Proclamo um código alternativo:
alheio às palavras,
uma linguagem sem frases,
uma língua que não possa ser condenada à memória,
uma prosa para enganar promessas,
um dialecto mudo sem
listas de preços ou formas de denúncia,
uma fonte gratuita de significados ambíguos,
um modo de expressar tudo quanto não pode ser expresso.

 tradução de Amaia Gabantxo

13 de dez. de 2014

ABC :: Wislawa Szymborska,


Jamais saberei
o que A. pensava de mim.

Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.

20 de nov. de 2013

Desato :: Viviane Mosé

É preciso fritar o arroz bastante antes de jogar água fervendo.
E não pode mexer jamais depois de a água ser posta.
O alho deve fritar no óleo junto com o arroz.

Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas.
Faxina por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo
Que não sobra um canto que não tenha sido tocado
Por minhas mãos.
Depois vou sujando. Com muito gosto.
Deixo peças na sala e louças sujas na pia.
Não na mesma hora mas um pouco
Bastante depois volto limpando.
Assim me faço.
Nos objetos que me acompanham.

Gosto de andar nas ruas e comprar coisas
Que vão se arrumando em torno de mim.
Tenho muitas coisas, quero dizer, tenho muitas camadas.
Uma camada de livros outra de sapatos.
Tem a camada de plantas. E toalhas de rosto.
Tenho camadas de cosméticos e de adereços.
Uma camada de nomes e de coisas que vejo.
Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo.
Um corpo que me sustenta quando o meu próprio me falta.

Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços.
Torneiras em meus poros. Paredes como roupas de inverno.
(Quando toca música em minha casa sai do umbigo)

Descanso recostada nas paredes da casa
Que me guardam como um abraço.
Me abraço quando me derramo na sala.
E na cozinha. Em geral adormeço no quarto.

Tudo em minha casa tem existência.
Todas as coisas significo.
Com os olhos. Ou com as mãos.
Minha casa tem silêncios
Que às vezes ouço. Em meu corpo
Tem silêncios maiores ainda.
Que às vezes ouço. E faço poemas.
Faço poemas dos silêncios que ouço.

5 de nov. de 2013

Código :: MIREN AGUR MEABE (Leikeitio, País Basco, em 1962)

Ejor

Proclamo um código alternativo:
alheio às palavras,
uma linguagem sem frases,
uma língua que não possa ser condenada à memória,
uma prosa para enganar promessas,
um dialecto mudo sem
listas de preços ou formas de denúncia,
uma fonte gratuita de significados ambíguos,
um modo de expressar tudo quanto não pode ser expresso.

4 de nov. de 2013

O amor e seu milhão de significados de Guimarães Rosa



“Só o amor em linhas gerais infunde simpatia e sentido à história, sobre cujo fim vogam inexatidões, convindo se componham; o amor e seu milhão de significados. [...] Ele queria conversar com uma mulher [...] queria entender o avesso do passado entre ambos, estudadamente, metia-se nessa música, imagem rendada; o que a música diz é a impossibilidade de haver mundo, coisas. ― Inútil… a lucidez ― está-se sempre no caso da tartaruga e Aquiles. [...] Estava sem óculos; não refabulava. Era o homem ― o ser ridente e ridículo ― sendo o absurdo o espelho em que a imagem da gente se destrói. [...] De dia, de fato, tiveram de romper a porta, havido alvoroço. Na cama jazendo imorais os corpos, os dois, à luz fechada naquele quarto. A morte é uma louca? ― ou o fim de uma fórmula. Mas todos morrem audazmente ― e é então que começa a não-história.”
ROSA, João Guimarães. Palhaço da boca verde. In: Tutaméia: terceiras estórias. 8. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.169-173.

10 de ago. de 2012

Quero ser seu significado de Orhan Pamuk

imagem: arte persa - Século XV

Eu não quero ser uma árvore; Eu quero ser seu significado." 
―Orhan Pamuk, meu nome é vermelho

11 de set. de 2011

Brigitte Bardot




Quatro poemas

encontrados no livro de memórias de Brigitte Bardot
em busca de alívio pus-me a fazer uma coleção de palavras
agradáveis de se pronunciar -
é verdade que algumas nos enchem a boca
como se fossem de caramelo
há palavras que repetimos uma segunda vez
de tal forma são belas -
frequentemente tem um significado
banal
ou mesmo prosaico
mas sua substância é redonda, sensual, nutritiva
descobri a primeira palavra de minha coleção
pronunciando yupala
que prazer dizê-lo e repeti-lo
yupala
depois desencavei profiteroles
enche-se a boca quando se diz isso
em seguida foi douillette
é doce, redondo, dissolve-se na boca
douillette
mais tarde conheci pragmatique -
um pouco seca mas muito encantadora

Fabrício Corsaletti In Ilustríssima, FSP, setembro 2011

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)