30 de dez. de 2016

Presepe :: João Guimarães Rosa (1908-1967)

Igreja de  St Jacques des Guérets - França 


Todos foram à vila, para missa-do-galo e Natal, deixando na fazenda Tio Bola, por achaques de velhice, com o terreireiro Anjão, imbecil, e a cardíaca cozinheira Nhota. Tio Bola aceitara ficar, de boa graça, dando visíveis sinais de paciência. Tão magro, tão fraco: nem piolhos tinha mais. Tudo cabendo no possível, teve uma idéia.
Não de primeira e súbita invenção.
Apreciara antes a ausência de meninos e adultos, que o atormentavam, tratando-o de menos; dos outros convém é a gente se livrar. Logo, porém, casa vazia, os parentes figuravam ainda mais hostis e próximos. A gente precisa também da importunação dos outros. Tio Bola, desestimado, cumpria mazelas diversas, seus oitentas anos; mas afobado e azafamoso. Quis ver visões.
Seu espírito pulou tão quanto à vila, a Natal e missa, aquela merafusa. Topava era tristeza – isto é, falta de continuação. Por que é que a gente necessita, de todo jeito, dos outros? Velho sacode facilmente a cabeça. A idéia lhe chegou então, fantasia, passo de extravagância.
- “Mecê não mije na cama!” -intimara a Nhota, quando, comido o leite com farinha, ele fingia recolher-se. Não cabia no quarto. Natal era noite nova de antiguidade. Tomou o aviso e voltou-se: estafermado, no corredor, o Anjão fazia-lhe pelas costas gesto obsceno. Ordenou-lhe então -trouxesse ao curral um boi, qualquer!
Saiu o Anjão a obedecer, gostava do que parecesse feitiço ou maldade. E no pequeno cercado estava já o burro chumbo, de que os outros não tinham carecido. Sem excogitamento, o burrinho dera a Tio Bola o remate da idéia.
Lá tora o escuro fechava. O Anjão no pátio acendera fogo, acocorava-se ante chama e brasa. Esse se ria do sossego. Também botara milho e sal no cocho, mandado.
Natal era animação para surpresas, tintins tilintos, laldas e loas! O burro e o boi -à manjedoura- como quando os bichos falavam e os homens se calavam.
Nhota, em seus cantos, rezava para tomar ar, não baixando minuto, e tudo condenava. Tio Bola esperava que o Anjão se fosse, que Nhota não tossisse mas adormecesse.
Estava de alpercatas, de camisolão e sem carapuça, esticando à janela pescoço e nariz, muito compridos. Os currais todos ermos, menos aquele… Tremia de verdade.
Veio, enfim, à sorrelfa; a horas. Pelas dez horas. Queria ver. Devagar descera, com Deus, a escada. Burro e boi diferençavam-se, puxados da sombra, quase claros. Paz. Sem brusquidão nem bulir: de longe o reconheciam.
Os olhos oferecidos lustravam. Guarani, boi de carro, severo brando. Jacatirão, prezado burrinho de sela. Tio Bola tateou o cocho: limpo, úmido de línguas.
Empinou olhar: a umas estrelas miudinhas. Espiou o redor -caruca- que nem o esquecido, em vivido. Tio Bola devia distrair saudades, a velhice entristecía-o só um pouco. Riu do que não sentiu; riu e não cuspiu. Estava ali a não imaginar o mundo.
Por um tempo, acostumava a vista.
Nhota dormia, agora, decerto; até o Anjão. Os outros, no Natal, na vila, semelhavam sempre fugidos… Quem vinha rebater-lhe o ato, fazer-lhe irrisão? De anos, só isto, hoje somente, tinha ele resolvido e em seu poder: a Noite, o curralete, cheiro de estercos, céu aberto, os dois dredemente -gado e cavalgadura. Boi grosso, baixo, tostado, quase rapé. Burro cor de rato. Tão com ele, no meio espaço, de-junto. Caduco de maluco não estava. Não embargando que em espírito da gente ninguém intruje. Apoiou-se no topo do cocho. Bicho não é limpo nem sujo. Ia demorar lá um tanto. Só o viço da noite -o som confuso?
O Anjão, rondava. Nhota, também, com luz em castiçal, corria a casa; não chamava alto, porque lá a doença não lhe dava fôlego. Turro, o boi ainda não se deitara, como eles fazem -havia de sentir falta do Guaraná, par seu de junta. Burro não deita: come sempre, ou pára em pé, as horas todas. A gente podia esperar, assim como eles, ocultado num ponto do curral. Tudo era prazo.
Deitava-se no cocho? Não como o Menino, na pura nueza… O vôo de serafins, a sumidez daquilo. Mas, pecador, numa solidão sem sala. E um tiquinho de claro-escuro.
Teve para si que podia -não era indino- até o vir da aurora. Que o achassem sem tino perfeito, com algum desarranjo do juizo!
Tão gordo fora; e, assim, como era, tinha só de deixar de fora seus rústicos cotovelos. Agora, o comichar, uma coceira seca. Viu o boi deitar-se também -riscando primeiro com a pata uma cruz no chão, e ajoelhando-se- como eles procedem. O mundo perdeu seu tique-taque. Tombou no quiquiri de um cochilo. Relentava. Ouviu. O Anjão estava ali, no segundo curral, havia coisa de um instante. Que se aquietasse, pelo prazo de três credos.
Manteve-se. A hora dobrou de escura. Meia-noite já bateu? Abriu olhos de caçador. Dessurdo, escutou, já atilando. Um abecê, o reportório. Essas estrelas prosseguiam o caminhar, levantadas de um peso. Fazia futuro. O contrário do aqui não é ali… -achou. O boi -testo lento, olhos redondos. O burrinho, orelhas, fofas ventas. Da noite era um brotar, de plantação, do fundo. A noite era o dia ainda não gastado. Vez de espertar-se, viver, esta vida aos átimos… Soporava. Dormiu reto. Dormindo de pés postos.
Acordou, no tremeclarear. Orvalhava. A Nhota dormia também, ali sentada no chão, sem um rezungo. O Anjão, agachado, acendera um foguinho. Conchegados, com o boi amarelão e o burro rato, permaneciam; tão tanto ouvindo se passarinhos em incerta entonação.
A estrela-d’alva se tirou. Já mais clareava. As pretas árvores nos azulados… O Anjão se riu para o sol. Nhota entoava o Bendito, não tinha morrido. Cantando o galo, em arrebato: a última estrelinha se pingou para dentro.
Tio Bola levantou-se -o corpo todo tinha dor-decabeça. Deu ordens, de manhã, dia: o Anjão soltasse burro e boi aos campos, a Nhota indo coar café. Os outros vinham voltar, da vila, de Natal e missa-do-galo. Tio Bola subiu a escada, de camisolão e alpercatas, sarabambo, repetia:
- Amém, Jesus!

Tutaméia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

29 de dez. de 2016

Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato.


















Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Liliopsida
Ordem: Zingiberales
Família: Heliconiaceae
Gênero: Heliconia
Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato, é o nome geral dado às plantas do gênero Heliconia, o único da família Heliconiaceae (APG). A variedade é comum em jardins decorativos. Suas folhas atingem até 3 metros de altura e são parecidas com as da bananeira, uma Musaceae.

Aprecia solos úmidos e ricos em matéria orgânica. Os ventos fortes podem danificar suas folhas. Multiplica-se pela divisão das touceiras, cortando-se seus rizomas. São plantas tropicais, originárias da América do Sul, América Central, Ilhas do Pacífico e Indonésia.
fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

27 de dez. de 2016

Matrioskas :: Líria Porto



as bisavós das avós
a mãe da mãe depois nós
as filhas netas bisnetas
as crias destas daquelas
e assim uma após outra
pelos séculos dos séculos

22 de dez. de 2016

Natal não é só presente : Rosely Sayão



A maioria  das crianças adora o Natal! Elas esperam ansiosamente pela data: marcam no calendário se já conseguem, perguntam constantemente aos pais quantos dias faltam para chegar, e algumas até querem dormir logo porque acham que, desse modo, o dia chegará mais rapidamente.
Será por causa dos presentes que elas sabem que irão ganhar que ficam nessa espera ansiosa? Para saber disso diretamente delas, juntei-me a uma colega e resolvemos conversar com pelo menos 20 crianças, todas com idades entre 5 e 11 anos, pertencentes a famílias diferentes e não conhecidas entre si, e perguntamos se elas gostavam do Natal, e por quê. Pode ser que você se surpreenda com as respostas que tivemos, caro leitor!
Sim, quase todas falaram dos presentes. Mas nenhuma delas deixou de dizer que gostava de estar com a família toda reunida, de comer as coisas gostosas que costumam ser servidas e que ficavam sentindo-se contentes com todos juntos, inclusive com os parentes que moram longe delas e com quem pouco se encontram. Aliás, várias disseram que acham uma pena que isso aconteça apenas no Natal, ou seja, uma vez ao ano.
Aí está: se alguém ainda tinha dúvidas sobre a importância da convivência familiar para as crianças, poderá agora repensar suas ideias a respeito.
No cotidiano familiar, quase não há tempo nem espaço para a convivência tranquila dos pais e demais adultos do grupo, sem que haja metas e objetivos a cumprir, sem obrigações mediando os relacionamentos, sem horários rigorosos, sem pressa, enfim.
Reunirem-se apenas para estarem juntos uns com os outros, para comer ao mesmo tempo as comidas que foram preparadas especialmente para a família celebrar o encontro, para rir do próprio grupo: nada é mais importante do que isso para as crianças.
Tais reuniões oferecem a elas uma sensação de conforto, de segurança, de acolhimento e, principalmente, a certeza de poderem contar com chão firme que lhes permite seguir em frente na vida.
Se para nós, adultos, essas sensações são das mais relevantes para nos ajudar a continuar em nosso caminho, apesar dos percalços que a vida nos impõe, imagine, caro leitor, na formação da base estrutural de uma criança!
Talvez nem todos ainda consigam perceber que, no dia a dia da família, nem sempre os mais novos conseguem ter a percepção clara de que sua família toda —não apenas seus pais— estão com eles lado a lado, no apoio e na tutela, para o que der e vier, mesmo que seja a distância, agora encurtada pelos contatos virtuais frequentes. Por isso, todas as crianças citaram a reunião da família expandida como algo de que gostam muito no Natal.
Por isso, meu caro leitor, eu desejo que, neste Natal, celebrando ou não a data no seu sentido religioso, você realize os investimentos pessoais necessários para que as crianças que pertencem a seu grupo familiar consigam desfrutar dessa reunião com todos juntos e, assim, criar memórias afetivas.
E não pense que se houver contratempos nos relacionamentos, que esse fato prejudica os mais novos. Ao contrário: ajuda-os a entender que amores e ódios são as duas faces da mesma moeda e, portanto, estarão sempre presentes nos relacionamentos afetivos.
A todos, meu desejo de um ótimo Natal!
As crianças querem presentes, mas também se importam em estar com a família toda reunida

Folha De S.Paulo         20 Dezembro  2016

21 de dez. de 2016

RETORNO :: Prisca Agustoni

 
Dessas distâncias
eu falo.

Digo céus digo homens
que caçam a origem.

Não voltarei
dessa plena distância.

Tenho a consistência do silêncio
primeiro.
Pois espero a floração das chegadas.

Parti para sempre,
com as histórias
órfãs de todos os invernos.


............

Da questa lontananza
io parlo.

Parlo cieli parlo uomini
che cacciano l'inizio.

Non ritornerò
da questa colma distanza.

Ho la consistenza del silenzio
primigenio.
Quindi aspetto la fioritura degli arrivi.

Sono partita per sempre,
assieme alle storie
dimentiche di tutti gli inverni.

19 de dez. de 2016

Ah! O flamboyant!

Antonio Gomes Comonian
Era uma ruazinha simples

Sem nenhum encanto
Não havia pássaros, nem canto
Ao final daquela rua avistava-se uma árvore frondosa.
Flores alaranjadas bailavam no ar
Desatavam-se as folhas em um vôo livre rumo aos céus 
O vento sorria extasiado com rara beleza
Ao chão, um tapete colorido e perfumado 
Aproximei-me mais
Deixei-me fascinar
Gotas poéticas inundaram os meus olhos
A rua enchera de poesia
de cores e fantasias
Ah! O flamboyant!

Arnalda Rabelo

18 de dez. de 2016

Hino :: Jorge Luís Borges (1899-1986)


Esta manhã

há no ar a incrível fragrância

das rosas do Paraíso.

Na margem do Eufrates

Adão descobre a frescura da água.

Uma chuva de ouro cai do céu;

é o amor de Zeus.

Salta do mar um peixe

é um homem de Agrigento lembrará

ter sido ele esse peixe.

Na gruta cujo nome será Altamira

dedos sem rosto traçam a curva

de um lombo de bisonte.

A lenta mão de Virgílio acarinha

a seda trazida

do reino do Imperador Amarelo

por naus e caravanas.

O primeiro rouxinol canta na Hungria.

Jesus vê na moeda o perfil de César.

Pitágoras revela aos seus gregos

que a forma do tempo é a do círculo.

Numa ilha do Oceano

os lebréus de prata perseguem os veados de ouro.

Numa bigorna forjam a espada

que será fiel a Sigurd.

Whitman canta em Manhattan.

Homero nasce em sete cidades.

Uma donzela acaba de caçar

o unicórnio branco.

Todo o passado volta, é uma onda,

e essas antigas coisas regressam

porque uma mulher te beijou.


tradução de Fernando Pinto do Amaral
in Jorge Luis Borges. Obras Completas, vol III. Editorial Teorema,1998.

17 de dez. de 2016

Esquadros :: Adriana Calcanhotto

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Para sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor, cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

16 de dez. de 2016

A fotografar vidas :: Dalila Teles Veras


capturo e eternizo 
com o vidro despolido 
de minha Yashica 
teu sorriso, teu gesto 
tua vida em começo 
me surpreendo com a idéia 
pueril, mágica e banal 
de guardar as vidas 
queridas 
nas gavetas 
rio-me 
de minha onipotência 



in "Lições de Tempo"

15 de dez. de 2016

Arco-íris

Chagall 
Robert Henri 

Jules Breton

William Bradford 

Roland Petersen



Albert Bierstadt 

 Arkhip Kuindzhi


Arkhip Kuindzhi

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)