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20 de abr. de 2015

Toda saudade é uma espécie de velhice :: João Guimarães Rosa


 Joan Miro, 1925
“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam (…) Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar a infância não como um filme em que a vida acontece no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, meio e fim, mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um contendo o sentido inteiro. Talvez esse seja o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se encontram as coisas eternas, que permanecem…”

Grande Sertão: Veredas.

11 de set. de 2014

“He loved beauty that looked kind of destroyed” RUI PIRES CABRAL (Macedo de Cavaleiros, Portugal, 1967)


Gostava dessa espécie de beleza
que podemos surpreender a cada passo,
desvelada pelo acaso numa esquina
de arrebalde; a beleza de uma casa devoluta
que foi toda a infância de alguém,
com visitas ao domingo e tardes no quintal
depois da escola; a beleza crepuscular
de alguns rostos num retrato de família
a preto e branco, ou a de certos hotéis
que conheceram há muito os seus dias de fulgor
e foram perdendo estrelas; a beleza condenada
que nos toma de repente, como um verso
ou o desejo, como um copo que se parte
e dispersa no soalho a frágil luz de um instante.
Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós
consigo mesmo, essa espécie de beleza arruinada
onde a vida encontra o espelho mais fiel.

19 de mai. de 2014

Assentada :: Carlos Nejar

Chega a esta casa
sem prazo ou contrato.
Faze de pousada
as salas e quartos.
Os nossos arreios
ninguém os desata
com ódio e receios.

O tempo não sobe
nas suas paredes;
secou como um frio
nos beirais da sede;
calou-se nos mapas,
na plácida aurora,
nos pensos retratos.

Entra nesta casa
que é tua e de todos,
há muito deixada
aberta aos assombros.

Entra nesta casa
tão vasta que é o mundo,
pequena aos enganos,
perdida, encontrada.
Os dias, os anos
são palmos de nada.


João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)