29 de jun. de 2012

Os Mistérios do Ofício de Anna Akhmátova

 foto de Renata Alves 
De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais? 
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado, 
e não do jeito como todo mundo faz. 

Se vocês soubessem de que lixeira 
saem, desavergonhados, os versos, 
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca, 
como a bardana ou o cogumelo. 

Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão, 
o bolor oculto na parede... 
E, de repente, a poesia soa, calorosa, terna, 
Para a minha e tua alegria. 


Tradução de Lauro Machado Coelho


27 de jun. de 2012

A nossa casa de Florbela Espanca


                         imagem: Matizes 
A nossa casa, Amor, a nossa casa! 
Onde está ela, Amor, que não a vejo? 
Na minha doida fantasia em brasa 
Constrói-a, num instante, o meu desejo! 
Onde está ela, Amor, a nossa casa, 
O bem que neste mundo mais invejo? 
O brando ninho aonde o nosso beijo 
Será mais puro e doce que uma asa? 
Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos, 
Andamos de mãos dadas, nos caminhos 
Duma terra de rosas, num jardim, 
Num país de ilusão que nunca vi... 
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti 
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

26 de jun. de 2012

Poeminha de Insatisfação Absoluta de Millôr Fernandes



O que me dói 
É que quando está tudo acabado 
Pronto pronto 
Não há nada acabado 
Nem pronto pronto 
Pintou-me a casa toda 
Está tudo limpado 
O armário fechado 
A roupa arrumada 
Tudo belo, perfeito. 
E no mesmo instante 
Em que aperfeiçoamos a perfeição 
Uma lasca diminuta, tênue, microscópica, 
Não sei onde, 
Está começando 
Na pintura da casa 
E as traças, não sei onde, 
Estão batendo asas 
E a poeira, em geral, está caindo invisível, 
E a ferrugem está comendo não sei quê 
E não há jeito de parar. 

in "Pif-Paf"

25 de jun. de 2012

Libélulas


Supreender-se é Começar a Entender de Ortega y Gasset


Surpreender-se, estranhar, é começar a entender. É o desporto e o luxo específico do intelectual. Por isso o seu gesto gremial consiste em olhar o mundo com os olhos dilatados pela estranheza. Tudo no mundo é estranho e é maravilhoso para um par de pupilas bem abertas.
 in 'A Rebelião das Massas'

24 de jun. de 2012

O Mundo Está tão Cheio de Livros como Falto de Verdades de Antonio Vieira


O mundo está tão cheio de livros, como falto de verdades. E oxalá que nos homens fossem de algum modo tantos os frutos, quantas são sem número nos livros as folhas; mas a desgraça é que, por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados; e não basta vermos encadernados os livros, para que deixemos de ver desencadernados os homens. Com efeito, são os livros os suores dos homens ou o engenho dos homens; e está o mundo tão emendado, que já ninguém vive do suor alheio.

Padre Antonio Vieira, in "As Sete Propriedades da Alma"

23 de jun. de 2012

Horizontes de Eternidade de Ludwig Wittgenstein

fotografia: Heinrich Zille 
A morte não é um acontecimento da vida. A morte não pode ser vivida. Caso se compreenda por eternidade não uma duração temporal infinita, mas a intemporalidade, quem vive no presente é quem vive eternamente. A nossa vida é tanto mais sem fim quanto mais o nosso campo de visão não tem limites. 
in 'Tratado Lógico-Filosófico'

22 de jun. de 2012

Táctica y estrategia de Mario Benedetti



Mi táctica es
mirarte
aprender como sos
quererte como sos

mi táctica es
hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible

mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos

mi táctica es
ser franco
y saber que sos franca
y que no nos vendamos
simulacros
para que entre los dos

no haya telón
ni abismos

mi estrategia es
en cambio
más profunda y más
simple
mi estrategia es
que un día cualquiera
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
por fin me necesites.
-------------------

Minha tática é
olhar-te
aprender como tu és
querer-te como tu és

minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti

minha tática é
ser franco
e saber que tu és franca
e que não nos vendemos
simulados
para que entre os dois

não haja cortinas
nem abismos

minha estratégia é
em outras palavras
mais profunda e mais
simples
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.

(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

21 de jun. de 2012

Acalifa, Acalifa-macarrão





Vezes Versus Reveses de Paulo Leminski


um flash back 
um flash back dentro de um flash back
um flash back dentro de um flash back de
um flash back 
um flash back dentro do terceiro flash back
a memória cai dentro da memória 
pedraflor na água lisa
tudo cansa (flash back) 
menos a lembrança da lembrança da lembrança
da lembrança

fonte: do livro La Vie en Close

20 de jun. de 2012

Recomeçar de Livia Garcia Roza


A partir de pequenos outonos, pude recomeçar de novo.


MINHA CIDADE SÃO AS PESSOAS de Fabrício Carpinejar


imagem: Paulo Caruso 

O que faz gostar de uma cidade são as pessoas. A amizade é o ponto turístico que resiste ao tempo.
Minha vontade de conhecer mais as praças, os bares e restaurantes depende de alguém emocionado com sua rotina.
Lugarejos ficam atraentes com o entusiasmo de seus moradores. Nem requer grandes monumentos de Antonio Caringi, façanhas arquitetônicas de Álvaro Siza, desenhos de Oscar Niemeyer, paisagens de Burle Marx, mas o cuidado com as singelezas maravilhosas de seu bairro.
O que me seduz é como o morador desenrola o mapa discreto do seu dia a dia. É quando valoriza as quadras de seu mundo, e tem interesse em mostrar onde é o minimercado em que compra suas urgências, a cafeteria que cura sua ressaca, a floricultura que devolve sua esperança no amor.
O arrebatamento surge mais pela ternura do embrulho do que pelo presente. Papel dobrado com fita reflete o dobro de confiança.
A generosidade torna qualquer local agradável, e repõe a gana de voltar. Carisma de garçons salva restaurantes. Simpatia de manicures salva salões. Paciência de atendentes salva lojas.
Não há maior educação do que a alegria.
Sou influenciável pelos personagens comuns que não se esgotam em acordar cedo e falar bem de seus percursos. Fogem do elogio da lamúria. Retiram milagres das repetições.
Os amigos formam minha cidade. As ruas que passo mereceriam nomes das pessoas que amo. Deveria mudar as placas dos logradouros: nada de políticos e celebridades, mas quem é famoso secretamente em meu silêncio.
(...)

fonte: http://carpinejar.blogspot.com/2012/01/minha-cidade-sao-as-pessoas.html

19 de jun. de 2012

A palavra mágica de Carlos Drummond de Andrade


Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

18 de jun. de 2012

Projeto de prefácio de Mario Quintana


Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

17 de jun. de 2012

Ex-libris



Eu te olharei com o canto do olho de Antoine de Saint-Exupéry


Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, a cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...É preciso ritos...

Bordados de Andreia Reis Dalle











16 de jun. de 2012

Olivia Niemeyer - Série Norte










Olívia Augusta Niemeyer dos Santos, nascida em 07 de Agosto de 1943 no Rio de Janeiro. Atualmente mora em Campinas. Formada em Língua e Civilização Francesa, mestra e doutora em Lingüística Aplicada na área de Tradução (UNICAMP).
Na área de artes visuais recebeu orientação de Nair Kremer, Vera Ferro, Carlos Fajardo, Silvia Matos e Albano Afonso. Participa de salões, exposições coletivas e individuais desde 1997. Junta-se ao grupo Antropoantro em 2002.
Seu trabalho em artes plásticas privilegia formas interrompidas e fragmentadas, focos de dispersão e multiplicidade. Como tradutora, publicou ensaios em revistas e livros para Unicamp e Unesp. Participou do projeto "Traduzir Derrida: políticas e desconstruções", organizado pelo professor Paulo Ottoni, no Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp.

15 de jun. de 2012

Rosa do Nilo











Nome científico ou latim: Nelumbo nucífera
Tem a sua origem na Ásia tropical e subtropical e pertence à família das Nelumbonaceae. O loto é a Flor Nacional da Índia. É uma flor sagrada e tem sido, desde tempos memoráveis, símbolo de bom agoiro na cultura Indiana. Simboliza a pureza, beleza, graça, fertilidade, abundância, riqueza, sabedoria e serenidade.Trata-se de uma planta aquática, de folhas grandes e redondas, e de cor verde azulado que fazem de sombra para os peixes e reduzem o aparecimento de algas. O seu fruto tem forma de cone invertido.
No Verão produz flores grandes, de cor rosa intenso que ao amadurecer ficam com uma cor rosa pálida. Os tubérculos que se formam no Inverno debaixo da planta utilizavam-se e ainda se utilizam hoje como comida para as tribos Indígenas da América e Japão. Devem ter uma profundidade na água cerca de uns 60 cm pelo menos e a sua plantação deve fazer-se na Primavera, na horizontal.

De minha mãe herdei o gosto pelas rosas.





João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)