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18 de fev. de 2015

Não Mais :: Czeslaw Milosz (1911-2004)

Katsushika Hokusai
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o  pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.

                         Montgeron, 1957





25 de mai. de 2012

Poema esquisito de Adélia Prado



Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
Não é hábito. É rarissimamente que ela dói. 
Ninguém tem culpa. Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,
não existe mais o modo 
de eles terem seus olhos sobre mim. 
Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa, 
que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
Quem vai matar é o sol. 
Passou finados não fui lá, aniversário também não.
Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Ôôôô pai 
Ôôôô mãe 
Dentro de mim eles respondem 
tenazes e duros
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)