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10 de set. de 2015

TRADUZIR-SE :: Ferreira Gullar (pseudônimo de José Ribamar Ferreira) (São Luís, 10 de setembro de 1930)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

27 de nov. de 2014

Jorge Luis Borges: "El sueño"

Rene Magritte

Se o sonho fora (como dizem) uma
trégua, o límpido repouso da mente,
por que, se te despertam bruscamente,
sentes que te furtaram grã fortuna?

Por que é tão triste madrugar? A hora
nos despoja de um dom inconcebível,
tão íntimo que só é traduzível
numa modorra que a vigília doura

de sonhos, que bem podem ser reflexos
seccionados dos tesouros complexos
da sombra, de orbe atemporal sem nome

e que o dia em seus espelhos consome.
Quem poderá ser à noite no escuro
sonho, daquele lado do seu muro?

Tradução de Adriano Nunes
........................

Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?


In: "Obra Poética". Buenos Aires: Enecé Editores, 2007, página 255.

22 de nov. de 2013

Sobre o tempo de Vladimir Jankélévitch

Utrillo
O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta. Só os poetas e pintores são capazes de conhecer de imediato o charme do presente. [...] Utrillo [1883-1955] pintava um poste ou um muro num subúrbio sórdido... e isso fazia sonhar. O que os poetas e pintores sabem traduzir no presente, o tempo o traduz para nós que não somos nem pintores nem poetas. É o tempo que é poeta para nós.

JANKÉLÉVITCH, Vladimir. Citado por: VIANNA, Hermano. "O mercado da desconfiança". Folha de São Paulo, Mais" São Paulo, 6 de setembro de 2009.

14 de jun. de 2013

Uma palavra morre de Emily Dickinson

A palavra morre
Quando é dita,
Alguém diz.
Eu digo que ela começa
A viver
Naquele dia.
..........................................
A palavra morre 
no momento em que é proferida
- dizem alguns. 
Eu digo que ela começa
a viver 
naquele momento.
.......................
Uma palavra morre
Quando é dita -
Dir-se-ia -
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.

tradução: Aíla de Oliveira
.............................................

Palavra é morta
Quando está dita,
Dizem uns.
Digo: inicia
A só viver
Em tal dia.

tradução:José Lino Grunewald 
.....................................

Uma palavra morre
Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia.

tradução: Idelma Ribeiro de Faria
.....................

A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day. 

31 de out. de 2011

Do intraduzível


.... Numa das matérias, sobre flores (estava a primavera por perto), apareceu-me um “pensée sauvage” pela frente, que eu demorei um tempo a desenvolver dentro de mim. Digo desenvolver, porque algumas palavras desenvolvem-se, desenovelam-se, criam algo parecido com uma raiz dentro de nós antes de se lançarem na língua para a qual se pretendem traduzidas. Essa foi uma delas – gostei da sonoridade, da ideia de “pensamento selvagem” que com certeza não seria a tradução correta para os futuros leitores jardineiros... Fui à procura de quem entendia. Cheguei ao nosso “amor perfeito”, que é a tal flor, nomeada na nossa língua. Essa descoberta tomou-me é claro ainda mais tempo - fiquei encantada com a possibilidade de que o que para nós é um amor perfeito para um francês seja um pensamento selvagem. Pensem um segundo – é de ficar muito tempo pensando!
Ana Vieira Pereira

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)