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25 de out. de 2013

A perfeição de Clarice Lispector


O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. (...) O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

In: A descoberta do mundo. Nova Fronteira, 1984. p. 226

15 de out. de 2013

A sensação da beleza de Cecília Meireles



( ... )
A sensação da beleza ,
o sentimento de perfeição 
que residem na harmoniosa
arquitetura das flores são lições para a vida humana.
Pudéssemos ser também assim,
tão exatos como as flores em suas pétalas,
tão silenciosos
 na realização de um destino impecável,
e tão prontos para morrer no momento justo !
( ... )

Crônicas de viagem, v.3. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. p. 284

26 de jun. de 2012

Poeminha de Insatisfação Absoluta de Millôr Fernandes



O que me dói 
É que quando está tudo acabado 
Pronto pronto 
Não há nada acabado 
Nem pronto pronto 
Pintou-me a casa toda 
Está tudo limpado 
O armário fechado 
A roupa arrumada 
Tudo belo, perfeito. 
E no mesmo instante 
Em que aperfeiçoamos a perfeição 
Uma lasca diminuta, tênue, microscópica, 
Não sei onde, 
Está começando 
Na pintura da casa 
E as traças, não sei onde, 
Estão batendo asas 
E a poeira, em geral, está caindo invisível, 
E a ferrugem está comendo não sei quê 
E não há jeito de parar. 

in "Pif-Paf"

25 de abr. de 2012

Da pequena parte de perfeição


Amor e Psique de Antonio Canova (1757 — 1822)

“Já amei mulheres de feições diversas,
Por suas mais diversas qualidades,
Mas nunca assim, com toda a minha alma,
Pois sempre alguma sombra de defeito
Pairava sobre a graça mais perfeita
E desfazia o meu encantamento.
Mas você é tão bela e tão perfeita,
Parece feita da pequena parte
De perfeição que há em cada criatura.”
Shakespeare “A Tempestade”, tradução de Geraldo Carneiro

10 de jan. de 2012

Precoce de Clarice Lispector





“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.

Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

26 de nov. de 2011

Clarice Lispector in Uma aprendizagem Ou o livro dos prazeres

                                                            Vilhelm Hammershøi, 'Interior, Strandgade 30' (1901).


Mais uma vez, nas suas hesitações confusas, o que a tranqüilizou foi o que tantas vezes lhe servia de sereno apoio: é que tudo o que existia, existia com uma  precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; aquilo que fosse do tamanho da cabeça de um alfinete, não transbordava nenhuma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete: tudo o que existia era de uma grande perfeição. Só que a maioria do que existia com tal perfeição era, tecnicamente, invisível: a verdade, clara e exata em si própria, já vinha vaga e quase insensível à mulher.
Bem, suspirou ela, se não vinha clara, pelo menos sabia que havia um sentido secreto das coisas da vida. De tal modo sabia que às vezes, embora confusa, terminava pressentindo a perfeição — de novo esses pensamentos, que de algum modo usava como lembrete (de que, por causa da perfeição que existia, ela terminaria acertando (...)
Clarice Lispector in Uma aprendizagem Ou o livro dos prazeres

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)