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29 de abr. de 2013

O riso é perigoso de Fabrício Carpinejar

Clarice Lispector beliscava sua amiga Lygia Fagundes Telles quando entravam juntas num encontro literário:

– Não ri, vai! Séria, cara de viúva.
– Por quê? – perguntava Lygia.
– Para que valorizem o nosso trabalho.
Não há mesmo imagem de alguma risada da escritora Clarice Lispector. Em livros e revistas, a cena que persiste é seu olhar desafiador, emoldurado por um rosto anguloso, compenetrado e enigmático. Os lábios não se mexem, absolutamente contraídos, envelopes fechados para a posteridade.
Lispector não mostrava suas obturações, sua arcada para ninguém. Não se permitia gargalhadas para não parecer mulher superficial e leviana.
Ela percebeu que existe um imenso preconceito contra a alegria. Os críticos não a levariam a sério, dizendo que ela não era densa, não inspirava profundidade; acabariam por sobrepor a aparência faceira aos questionamentos metafísicos de sua obra.
Seu medo não era bobo. O riso permanece perigoso. Todos temem os contentes. Falam mal dos contentes.
O riso gera inveja, ciúme, intriga: “Por que está feliz, e eu não?”.
A alegria é malvista em casa e no trabalho, sempre intrusa, sempre suspeita equivocada de uma ironia ou de um sentimento de superioridade.
Ainda acreditamos que profissionalismo é feição fechada, casmurra. Ainda deduzimos que competência é baixar a cabeça e não entregar nossas emoções.
Quanto mais triste, mais confiável. Quanto mais calado, mais concentrado. O que é um tremendo engano.
A criatividade chama a brincadeira, assim como a risada renova a disposição.
Se um funcionário ri no ambiente profissional, o chefe deduz que ele está vadiando, sem nada para fazer. Poderá receber reprimenda pública e o dobro de tarefas. Quem diz que ele não está somente satisfeito com os resultados?
Se sua companhia ri durante a transa, você conclui que está debochando do seu desempenho. Quem diz que não é o contrário, que ela não festeja o próprio prazer?
Se a criança ri no meio da aula, o professor compreende como provocação e pede para que cale a boca. Quem diz que ela não está comemorando algum aprendizado tardio?
Se o filho ri quando os pais descrevem dificuldades profissionais, a atitude é reduzida a um grave desrespeito. Quem diz que ele não achou graça do tom repetitivo das histórias?
Se a esposa ou marido ri e suspira à toa, já tememos infidelidade.
O riso é escravo dos costumes, sinônimo de futilidade e distração quando deveria ser visto como sinal de maturidade e envolvimento afetivo.
Não reagimos bem à felicidade do outro simplesmente porque ela ameaça nossa tristeza.


João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)