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19 de jun. de 2015

OS PENSAMENTOS QUE ME VISITAM NAS RUAS MOVIMENTADAS :: Wislawa Szymborska

Rostos.
Bilhões de rostos na face da terra.
Dizem que cada um é diferente
dos que já se foram e dos que virão um dia.
Mas a Natureza – quem é que a entende? –
cansada do trabalho que nunca acaba
talvez repita suas ideias antigas              
e ponha-nos rostos
já usados outrora.

Pode ser Arquimedes de jeans que passa ao seu lado,
a czarina Catarina com roupa de brechó,              
um dos faraós de pasta e óculos.

A viúva de um sapateiro descalço
vinda de uma Varsóvia pequenina ainda,
um mestre da gruta de Altamira
levando as netas para o zoológico,
um Vândalo cabeludo a caminho do museu
para se deliciar com os mestres do passado.

Os que tombaram há duzentos séculos,
há cinco séculos,
há meio século.

Alguém levado em carruagem dourada,
alguém levado em vagão de extermínio.
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor,
suas babás, suas lavadeiras e Semíramis
que só fala inglês.

Bilhões de rostos na face da terra.
Meu, seu, de quem –
você nunca saberá. Talvez a Natureza tenha que ludibriar
para dar conta dos prazos e da demanda
e pesque até o que estava submerso              
no espelho da deslembrança.

8 de mar. de 2015

ESCRITO ESTÁ NESTA ALMA O VOSSO ROSTO :: GARCILASO DE LA VEGA (1499-1536)

Catarina Bessell

Escrito está nesta alma o vosso rosto,
e quanto eu escrever de vós desejo:
escreveste-lo só; tão só o leio
que nisso ainda de vós guardo um desgosto.

Eu nisso estou e estarei sempre posto,
que não cabendo em mim quanto em vós vejo,
o bem que não entendo, nele creio,
tomando assim a fé por pressuposto.

Eu não nasci senão para querer-vos;
minha alma vos talhou em tal medida
que por hábito da alma ter-vos peço;

quanto tenho confesso ora dever-vos;
por vós nasci, por vós mantenho a vida,
por vós hei de morrer, por vós pereço.   


Tradução de Anderson Braga Horta

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ESCRITO ESTÁ EN MI ALMA VUESTRO GESTO

Escrito está en mi alma vuestro gesto
y cuanto yo escribir de vos deseo:
vos sola lo escribiste; yo lo leo
tan solo que aún de vos me guardo en esto.

En esto estoy y estaré siempre puesto,
que aunque no cabe en mí cuanto en vos veo,
de tanto bien de que no entiendo creo,
tomando ya la fe por presupuesto.

Yo no nací sino para quereros;
mi alma os ha cortado a su medida;
por hábito del alma misma os quiero;

cuanto tengo confieso yo deveros;
por vos nací, por vos tengo la vida,
por vos he de morir, y por vos muero.

15 de mai. de 2014

O tempo guarda cápsulas :: Valter Hugo Mãe

Book of Time - Lygia Pape

“o tempo guarda cápsulas indescritíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injecta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome, ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com o um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo.”

 A máquina de fazer espanhóis. Editora Objectiva.

29 de jun. de 2013

Eucanaã Ferraz, "Carícia"


Chagall, 1931

Demore-se no carinho,
de modo que no rosto do outro
vá a mão como se não fora
voltar. Repita,

demorando-se mais,
de modo que a mão descanse
naquele rosto, como se,
e se esqueça de que.

Repita, demore-se no carinho
como se a mão desse adeus,
agarrada ao rosto que se vai.
Outra vez: repita,

demorando-se mais
e mais, como se a mão bebesse
daquele rosto para, saciada, dormir
ali mesmo, ao pé da fonte.

27 de dez. de 2012

Inscrição de Cecilia Meireles

Sou entre flor e nuvem, 
Estrela e mar. 
Por que havemos de ser unicamente humanos, 
Limitados em chorar? 

Não encontro caminhos 
Fáceis de andar. 
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras 
Que não sabem de água e de ar. 

E por isso levito. 
É bom deixar 
Um pouco de ternura e encanto indiferente 
de herança, em cada lugar. 

Rastro de flor e estrela, 
Nuvem e mar. 
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido: 
A sombra é que vai devagar.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)