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22 de jun. de 2020

Somente para seus olhos de Andrea Dutra


Antonio Canova, Cupid and Psyche (detalhe), 1786-93 

eu guardo o nosso segredo como se guarda, escondida no fundo da gaveta, uma jóia dentro de uma caixa forrada de veludo, enrolada no lenço de seda. ou como se perde, entre as folhas de um livro, uma folha seca que a gente pegou no chão daquele dia especial de outono. um dia a gente abre o livro e dá de cara com a cena. guardo os instantâneos da nossa vida na retina, milhares de quadros por segundo. não tiramos nenhuma foto juntos, mesmo qdo o sol listrava de cor de rosa o céu azul do arpoador. não postamos nossos pés sujos de areia no instragram. a gente anda na rua sem dar as mãos, mas trocamos olhares. não vamos publicar nenhuma das nossas felicidades, não vamos postar nada. não temos amigos em comum, não moramos na mesma cidade. nós moramos na nuvem. agora, falamos menos. nos olhamos mais. sorrimos, e ficamos calados, lado a lado. a paz reina. qdo nos vemos vem lua vai sol vem noite vai dia. somos completamente.

10 de out. de 2016

Desenho de Cecília Meireles



Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,
e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lagartixas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras,
e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavam.

Isso era num lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas...
O eco, burlão, de pedra em pedra ia saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.

Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.

Como a chuva caía das grossas nuvens, perfumosas!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.

Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.

E minha avó cantava e cosia. Cantava
canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.

Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes!  - aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.


                                   

31 de dez. de 2015

Versos de fim de ano :: Carlos Drummond de Andrade

Botero
I

Você sabia que a lua
ainda não foi visitada?
Que há sempre uma lua nova
dentro de outra, e encantada?

É lá que vivem as graças
que nesta quadra do ano
a gente sonha e deseja
a todo o gênero humano.

Mas a lua, preguiçosa,
nem sempre atende à pedida?
A gente pede assim mesmo
até melhorar a vida.

II
É tempo de pesquisar no tempo
uma estrela nova, um sorriso;
de dizer à nuvem: sê escultura;
e à escultura: sê nuvem.

Tempo de desejar, tempo de pensar
madura e docemente o bom tempo de acontecer
(e mesmo não acontecendo fica desejado),
pássaro-mensageiro, traço
entre vida e esperança
como satélite no espaço.

III
Na volta da esperança,
um princípio de vida:
ser outra vez criança
por toda, toda a vida.


11 de dez. de 2015

A noite e a mulher :: Eduardo Galeano

Edvard Munch
A noite/1
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A noite/2
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.

A noite/3
Eles são dois por engano. A noite corrige.

A noite/4
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, desenha-se, finita, a lua.
A lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.


O livro dos abraços. L&PM Editores, 2005. 

8 de nov. de 2015

Eu e a Brisa :: composição de Johnny Alf

Mica Wright

Ah, se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz
Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar

1 de ago. de 2015

Uma Tentativa :: Patrick Holloway

Ilya Repin

Eu te amo (como a lua desaparece na luz)
Te amo (como o vento fora da janela: assobiando)
E quando você está presa
num pesadelo, eu estou
te amando, com teus
espasmos e olhos
piscando.
Eu te amo (como sol, não sempre visível)
Te amo (como água: intocável)
(como agora)
(como sempre)

21 de jul. de 2015

Recordação de Marie A. :: Bertolt Brecht

Togyu Okumura

Naquele dia, num mês azul de setembro
Em silêncio, à sombra da ameixeira
Eu a tomei nos braços, amor pálido e
Quieto, como um sonho formoso.
E acima de nós, no belo céu do verão
Havia uma nuvem, que olhei longamente
Era bem alva, estava bem no alto
Ao olhar novamente, desapareceu.
Desde então muitas luas passaram
Mostrando no céu seu alvor
As ameixeiras foram talvez cortadas
E se me perguntas para onde foi o amor
Respondo: Não consigo lembrar.
Mas sim, sei o que queres dizer
Suas feições, porém, para sempre se foram
Sei apenas que naquele dia a beijei.
E mesmo o beijo, já o teria esquecido
Não fosse aquela nuvem no céu
Dela sei e sempre saberei:
Era bem alva, estava bem no alto.
As ameixeiras talvez ainda cresçam
E ela agora deve ter muitos filhos
Mas aquela nuvem cresceu alguns minutos
Ao olhar novamente, desapareceu.

tradução de Paulo César de Souza.

4 de mar. de 2015

MINHA CASA :: FELIX PITA RODRIGUEZ (1909-1990)

Heart - Jean David

Uma de cal e outra de lua,
esta é a fórmula precisa,
uma de cal e outra de lua.

Sobre a porta, a divisa
no escudo do portão.
Sobre a porta a divisa:

"No mais alto o coração."
Nada o estorve nem o impeça:
no mais alto o coração.

Que ele ponha o preço e ele decida
 - se é contra mim, tanto pior-,
que ele ponha o preço e ele decida:

Sempre direi: teve razão.


Tarot de la poesia, 1971-1972

18 de fev. de 2015

Não Mais :: Czeslaw Milosz (1911-2004)

Katsushika Hokusai
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o  pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.

                         Montgeron, 1957





10 de out. de 2014

Oxalá estejam limpas :: Paulo Leminsky.


oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
as roupas brancas da cesta

oxalá teu dia de festa
cesta cheia
feito uma lua
toda feita de lua cheia

no branco
lindo
teu amor
teu ódio
tremeluzindo
se manifesta

tua pompa
tanta festa
tanta roupa
na cesta
cheia
de sexta

oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
oxalá teu dia de festa

4 de set. de 2014

A noite :: Sophia de Mello Breyner Andresen

Piroska Szanto, 1959

A noite abre os seus ângulos de lua
E em todas as paredes te procuro
 
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te procura
 
A noite abre as suas praças solitárias
E em todas as solidões eu te procuro
 
Ao longo do rio a noite acende as suas luzes
Roxas verdes e azuis
Eu te procuro

In: Poemas escolhidos. Companhia das Letras.

13 de jun. de 2014

Lua e estrela :: Caetano Veloso



Menina do anel 
De lua e estrela 
Raios de sol 
No céu da cidade 
Brilho da lua 
Noite é bem tarde 
Penso em você 
Fico com saudade 
Manhã chegando 
Luzes morrendo 
Nesse espelho 
Que é nossa cidade 
Quem é você? 
Qual o seu nome? 
Conta pra mim 
Diz como eu te encontro 
Mas deixa o destino 
Deixa o acaso 
Quem sabe eu te encontro 
De noite no baixo 
Brilho da lua 
Noite bem tarde 
Penso em você 
Fico com saudade 

Mas deixa o destino 
Deixa o seu castro 
Quem sabe eu te encontro 
De noite no baixo 
Brilho da lua 
Noite bem tarde 
Penso em você 
Fico com saudade 



17 de abr. de 2014

E. E. Cummings (1894-1962)

Johannes_Vermeer_(1632-1675)

a lua esconde-se no
cabelo dela.
O
lírio
do céu
cheio de todos os sonhos,
desce
encobre a sua brevidade em canto
cerca-a de intricados débeis pássaros
com margaridas e crepúsculos
Aprofunda-a,
Recita
sobre a sua
carne
as pérolas
da chuva uma a uma murmurando.

8 de fev. de 2014

A Lua no Cinema de PAULO LEMINSKI

 Jana Joana e Vitché
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado.
Era a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!

3 de dez. de 2013

Coisas que criam alma na pessoa de Mia Couto

Arkhip Kuindzhi

(…) Não era tristeza. Era um vazio. Os tristes têm um céu. Cinzento, mas céu. Os desesperados têm um deserto. Meu pai olhava para trás: era mais o esquecido que o vivido. O que não lembrava era porque se esquecera de viver? Ou tudo tinha ficado lá, na mina que desmoronou? Quando se cruzava comigo, de pijama, a meio do dia, meu pai se justificava: – Sua mãe quer que eu faça dessas coisas que criam alma na pessoa. Só que ela não entende: se eu estou vivo é porque não tenho alma nenhuma. E agora, olhando-o sob aquele estilhaçado luar, me pareceu que meu pai não era senão poeira entre poeiras de Lua.

11 de jun. de 2013

A LUA FOI AO CINEMA de Paulo Leminski (1944-1989)


                                                                                                                  Winslow Homer 
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava para ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!


9 de jun. de 2013

As rosas de Sophia de Mello Breyner Andresen



Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

in Dia do Mar, 1947


Sabe, se quer que lhe diga, do que eu me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde escrevi, as situações em que escrevi. Há um poema que diz: «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que florescesas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)