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8 de ago. de 2016

Limites de Sophia de Mello Breyner Andresen (1914-2004)

Ferdinand Hodler


Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes


4 de set. de 2014

A noite :: Sophia de Mello Breyner Andresen

Piroska Szanto, 1959

A noite abre os seus ângulos de lua
E em todas as paredes te procuro
 
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te procura
 
A noite abre as suas praças solitárias
E em todas as solidões eu te procuro
 
Ao longo do rio a noite acende as suas luzes
Roxas verdes e azuis
Eu te procuro

In: Poemas escolhidos. Companhia das Letras.

26 de abr. de 2014

MAR :: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Edvard Munch, 1895

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua

 OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

2 de abr. de 2014

Liberdade



Algarve - Praia de Amado

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


8 de mar. de 2014

Não se perdeu nenhuma coisa em mim - Sophia de Mello Breyner Andresen

Vallotton, Felix (Swiss, 1865-1925)
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade

7 de ago. de 2013

POR DELICADEZA :: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Bailarina fui
Mas nunca dancei
Em frente das grades
Só três passos dei

Tão breve o começo
Tão cedo negado
Dancei no avesso
Do tempo bailado

Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei

Onde o mar aberto
E o tempo lavado?
Perdi-me tão perto
Do jardim buscado

Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei

Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse
Também eu direi:

«Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi minha vida»

In O NOME DAS COISAS. Moraes Editora, 1977.

7 de jul. de 2013

Há mulheres que trazem o mar nos olhos - Sophia de Mello Breyner Andresen

Fernanda Correia Dias . Caminho no Mar .
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in OBRA POÉTICA (Ed. Caminho, 2010)

9 de jun. de 2013

As rosas de Sophia de Mello Breyner Andresen



Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

in Dia do Mar, 1947


Sabe, se quer que lhe diga, do que eu me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde escrevi, as situações em que escrevi. Há um poema que diz: «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que florescesas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce.

1 de jun. de 2013

Espera de Sophia de Mello Breyner Andresen


Vieira da Silva 

Deito-me tarde 
Espero por uma espécie de silêncio 
Que nunca chega cedo 
Espero a atenção a concentração da hora tardia 
Ardente e nua 
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho 
É então que se vê o desenho do vazio 
É então que se vê subitamente 
A nossa própria mão poisada sobre a mesa 
É então que se vê o passar do silêncio 
Navegação antiquíssima e solene 

Geografia (1967)

19 de mai. de 2013

Meditação do Duque de Gandia sobre a Morte de Isabel de Portugal de Sofia de Melo Breyner Andresen

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Nunca mais te darei o tempo puro
Que em dias demorados eu teci
Pois o tempo já não regressa a ti
E assim eu não regresso e não procuro
O deus que sem esperança te pedi.

6 de mai. de 2013

Arte poética II de Sophia de Mello Breyner Andresen


A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser.
Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede.
Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria.
Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu possa controlar.
Pede-me uma intransigência sem lacuna.
Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura.
Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça.
Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.

29 de jan. de 2013

Evadir-me, esquecer-me de Sophia de Mello Breyner Andresen


Evadir-me, esquecer-me, regressar

À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.



Obra Poética I

Caminho

18 de jan. de 2013

Soneto à maneira de Camões de Sophia de Mello Breyner Andresen

imagem: Vilhelm Hammershoi   Femme dan un interieur -1905

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

in Coral, 1950

24 de dez. de 2012

Sophia de Mello Breyner Andresen

                                                                                                                                      foto:  António Passaporte 
Porto, 6 de Outubro 1919 - Lisboa, 2 de Julho de 2004
Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a «Nau Catrineta» porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás... Mas há mais encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação da Magnífica, nas noites de trovoada, por exemplo. Quando éramos um pouco mais velhos, tínhamos uma governanta que nessas noites queimava alecrim, acendia uma vela e rezava. Era um ambiente misto de religião e magia... E de certa forma nessas noites de temporal nasceram muitas coisas. Inclusivamente, uma certa preocupação social e humana ou a minha primeira consciência da dureza da vida dos outros, porque essa governanta dizia: «Agora andam os pescadores no mar, vamos rezar para que eles cheguem a terra.» E essa sensação dos homens, nos barcos, a lutar contra uma tempestade de que os ecos... Batiam as janelas, as portadas de madeira. Havia temporais terríveis nesse tempo! Eu vivia no Porto, para os lados do mar, num sítio chamado Campo Alegre, e chegavam-nos os ventos do mar, o vento Sul, e as portadas batiam, às vezes abria-se uma janela de par em par e tinha-se a impressão visual, dentro de casa, de um mar completamente louco, em que os barcos... E essa visão do pescador que tinha de chegar à praia e podia ser devorado pelas ondas... E ao mesmo tempo as palavras da Magnífica criavam uma espécie de espaço de salvação e de esplendor no meio do temporal, no meio do caos... 

3 de out. de 2012

Assim o amor de Sophia de Mello Breyner Andresen

Assim o amor 
Espantado meu olhar com teus cabelos 
Espantado meu olhar com teus cavalos 
E grandes praias fluidas avenidas 
Tardes que oscilam demoradas 
E um confuso rumor de obscuras vidas 
E o tempo sentado no limiar dos campos 
Com seu fuso sua faca e seus novelos 


Em vão busquei eterna luz precisa 



Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Obra Poética”

20 de set. de 2012

Naquele tempo - Sophia de Mello Breyner Andresen

                                                                                                       Henri Lebasque

Sob o caramanchão de glicínia lilás
As abelhas e eu
Tontas de perfume
Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor em flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas.





28 de ago. de 2012

ARTE POÉTICA -Sophia de Mello Breyner Andresen,


Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado. O sol é pesado e a
luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita.
Mergulho a mão na sombra como se a mergulhasse na água.
A loja dos barros fica numa pequena rua do outro lado da praça. Fica depois da taberna fresca e
da oficina do ferreiro.
Entro na loja dos barros. A mulher que os vende é pequena e velha, vestida de preto. Está em
frente de mim rodeada de ânforas. A direita e à esquerda o chão e as prateleiras estão cobertos de
louças alinhadas, empilhadas e amontoadas: pratos, bilhas, tigelas, ânforas. Há duas espécies de barro:
barro cor-de-rosa-pálido e barro vermelho-escuro. Barro que desde tempos imemoriais os homens
aprenderam a modelar numa medida humana. Formas que através dos séculos  vêm  de  mão em
mão.  A loja onde estou é como uma loja de Creta. Olho as ânforas de barro pálido poisadas em
minha frente no chão. Talvez a arte deste tempo em que vivo me tenha ensinado a olhá-las melhor.
Talvez a arte deste tempo tenha sido uma arte de ascese que serviu para limpar o olhar.
A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser descrita. Mas eu
sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe em si mas é apenas o rosto, a forma,
o sinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada. Não falo de uma beleza estética mas sim
de uma beleza poética.
                                             

6 de jul. de 2012

Assim o amor de Sophia de Mello Breyner Andresen

Pot Pourri de Herbert James Draper (1863 – 22 September 1920) 

Assim o amor
Espantando meu olhar com teus cabelos
Espantando meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas 
Tardes que oscilavam demoradas 
E um confuso rumor de obscuras vidas 
E o tempo sentado no limiar dos campos 
Com seu fuso sua faca e seus novelos 
Em vão busquei eterna luz precisa

in Geografia, 1967

29 de mai. de 2012

A arte da poética V de Sophia de Mello Breyner Andresen

imagem: Jardim em  Giverny, França

Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.
Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em Epidauro — aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas — coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.
Tempos depois, escrevi estes três versos:
A voz sobe os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha.

(Lido na Sorbonne, em Paris, em Dezembro de 1988, por ocasião do encontro intitulado Les Belles Étrangères.)

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)