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2 de dez. de 2016

O Unicórnio :: Anne Morrow Lindbergh


O Unicórnio está imóvel,
contemplando,
resignado;
impassível, menos por seu chifre;
continua vivo em seu chifre;
horizontalmente, 
preso;
perpendicularmente,
livre.
Como prisioneiro,
que contempla o céu à noite
e desdenha da prisão imposta
por grades e muros,
observando a imensa liberdade
da noite estrelada,
e encontra ali a sua felicidade:
então, o unicórnio
está livre.
O que é liberdade?
Aqui vive o Unicórnio,
cativo:
mas livre.

imagem: O unicórnio em cativeiro
1495-1505
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

11 de mar. de 2015

Burn It Blue :: Caetano Veloso


Incendeie esta casa
Incendeie em azul
Coração ficando vazio
Tão perdido sem você
Mas o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Mulher tão cansada
Abra suas asas inteiras
Voe livre enquanto a andorinha canta
Venha para os fogos de artifício
Veja a senhora escura sorrir
Ela incendeia
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Incendeie esta noite
Preto e azul
Tão frio de manhã
Tão frio sem você
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
E a noite que se incendeia
E a cama que se eleva
A voar
E dos dias escuros
Pintados em tonalidades de cinza escuro
Eles se desvanecem com o sonho com você
Embrulhado em veludo vermelho
Dançando a noite toda
Eu queimo
Azul da meia-noite
Abra estas asas
Voe livre com as andorinhas
Voe junto com o vento
E ela é chama que se eleva
E é um pássaro a voar
E é um pássaro a voar
Na noite que se incendeia
O inferno é este céu
Estrela de escuridão
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Só uma faísca no céu
Pintando Céu e Inferno
Muito mais brilhante
Incendeie esta casa
Incendeie em azul
Coração ficando vazio
Tão perdido sem você


Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
But the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Woman so weary
Spread your unbroken wings
Fly free as the swallow sings
Come to the fireworks
See the dark lady smile
She burns
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Burn this night
Black and blue
So cold in the morning
So cold without you
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Y la noche que se incendia
Y la cama que se eleva
A volar
And of the dark days
Painted in dark gray hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn
Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly one with the wind
Y ella es flama que se eleva
Y es un pájaro a volar
Y es un pájaro a volar
En la noche que se incendia
El infierno es este cielo
Estrella de oscuridad
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she 's free to fly
Just a spark in the sky
Painting heaven and hell
Much brighter
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you


https://www.youtube.com/watch?v=YTMSojPcF1g



18 de dez. de 2014

Um dia :: Sophia de Mello Breyner e Andresen

Martin Vicente
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

1 de mai. de 2014

O Cavalinho Branco de Cecilia Meireles

Paul Gauguin, 1898

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira 
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

2 de abr. de 2014

Liberdade



Algarve - Praia de Amado

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


2 de mar. de 2014

O pastor amoroso perdeu o cajado de Fernando Pessoa


O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.

Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo;
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito. 

10-7-1930

29 de out. de 2013

Recado aos Amigos Distantes de Cecilia Meireles


Meus companheiros amados, 
não vos espero nem chamo: 
porque vou para outros lados. 
Mas é certo que vos amo. 

Nem sempre os que estão mais perto 
fazem melhor companhia. 
Mesmo com sol encoberto, 
todos sabem quando é dia. 

Pelo vosso campo imenso, 
vou cortando meus atalhos. 
Por vosso amor é que penso 
e me dou tantos trabalhos. 

Não condeneis, por enquanto, 
minha rebelde maneira. 
Para libertar-me tanto, 
fico vossa prisioneira. 

Por mais que longe pareça, 
ides na minha lembrança, 
ides na minha cabeça, 
valeis a minha Esperança.




Cecília Meireles, in 'Poemas (1951)

5 de out. de 2013

Fábula de um arquiteto - João Cabral de Melo Neto


A arquitetura como construir portas,

de abrir; ou como construir o aberto;

construir, não como ilhar e prender,

nem construir como fechar secretos;

construir portas abertas, em portas;

casas exclusivamente portas e teto.

O arquiteto: o que abre para o homem

(tudo se sanearia desde casas abertas)

portas por-onde, jamais portas-contra;

por onde, livres: ar luz razão certa.

2.

Até que, tantos livres o amedrontando,

renegou dar a viver no claro e aberto.

Onde vãos de abrir, ele foi amurando

opacos de fechar; onde vidro, concreto;

até refechar o homem: na capela útero,

com confortos de matriz, outra vez feto.

Fonte: Melo Neto, J. C. 1994. Obra completa: volume único. RJ, Nova Aguilar.
Poema originalmente publicado em 1966.

2 de set. de 2013

Allegro de Tomas Tranströmer


http://independent.academia.edu/LucianoDutra/Papers/1934414/Tomas_Transtromer_Samlade_dikter_-_amostra_de_traducao_do_

22 de ago. de 2013

O tejo é mais belo de Fernando Pessoa

Rio Tejo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grande navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.


http://letras.mus.br/tom-jobim/86241/

16 de ago. de 2013

Vôo de Cecília Meireles


foto:  Darryl Dalton
O viajante acordado pode pensar na terra firme; recordar a altura a que se encontra; ver no relógio como é tarde, no tempo humano; sentir o perigo que o cerca. E no entanto, no entanto... – a tardia hora, muito além do mundo, – quando todos o ignoram, quando ninguém é capaz de adivinhar o que ele está vendo, a vida estranha que está vivendo ali, - inspira-lhe um sentimento maravilhoso e terrível de liberdade, como só se pode sentir talvez na morte.
MEIRELES, Cecília.Crônicas de viagem.3 vols. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998-1999.

21 de mai. de 2013

No entanto de Sylvia Beirute


Roland Shakespeare Wakelin (1887-1971) 


tão especiais os homens de acção
e esta liberdade de poder alongar o verso até ao extremo sem ter de prestar contas ao Criador, 
sem ter de ser realmente especial. 
e é concebível que um desses homens 
venha parar a este meu jorro, à ousadia 
de ter certezas muito desenvolvidas, certezas, também elas, 
até ao extremo absoluto da personalidade colectiva, às 
decisões pelos velhos hábitos. 
se assim é, meus senhores: sentem-se, bebam um café 
que o meu próximo poema servirá com as leis 
da consciência já alteradas, com encontros fora de prazo.
para já: entretenham-se com os meus olhos

e corrijam o que entenderem.



20 de dez. de 2012

A vida oblíqua é muito íntima de Clarice Lispector

Édouard Manet
A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta. E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café em um terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores em um jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva da vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio.
In: Água viva. Nova Fronteira, 1980. p. 70.

15 de nov. de 2012

13 de jun. de 2012

Liberdade de Fernando Pessoa


Matizes


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira 
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca....


24 de fev. de 2012

Anseios de Florbela Espanca

Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!…
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!

Não ´stendas tuas asas para o longe…
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!…

12 de mai. de 2009

Como tratar o que se tem de Clarice Lispector




Existe um ser que mora em mim como se fosse casa sua, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa que não tenha medo do que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesmo que está relinchando de prazer ou de cólera.

15 de fev. de 2007

Um dia, como um dia para toda adolescente, eu senti que amava um homem :: Adalgisa Nery

Ismael Nery 

Um dia, como um dia para toda adolescente, eu senti que amava um homem. Conheci então uma nova paisagem da minha alma. Descobri nesse sentimento um senso de beleza capaz de afugentar todas as sombras acumuladas dentro do meu ser. Pela primeira vez, tive a sensação exata de força e liberdade. Lembro-me que, imantada por ele, eu me integrei totalmente em todas as partículas da vida e da natureza. Subindo os degraus de uma escada de pedra, reparei nas formigas que cruzavam e, com cuidado especial, procurei não esmagá-las com os meus pés. Fitei com uma ternura cuidadosa as plantas, as flores, as andorinhas, que traçavam espaço e a poeira de orvalho caída sobre as folhagens. Aprendi as cores nas luzes das manhãs e nas tonalidades do anoitecer. Eu estava no processo da metamorfose. Em tudo eu encontrava uma duplicidade de sentido. Estava sob a função de reminiscências eternas que atuavam como ligação do divino que surge no humano e com o divino que se entende no universo.  Havia um abandono alegre no meu ser acompanhando a causa misteriosa. E, de repente, me senti identificada com a vida. Tive a impressão de que uma grande chuva caíra sobre o mundo, e agora se apresentava lavado, fresco, radiante. Creio que os meus gestos se tornaram harmoniosos, a minha voz era o eco da música das águas cantantes e a minha memória só se recordava das formas perfeitas, para essa nova construção. Foi uma fase de grandeza aguda e espetacular da minha alma. De tudo emanava doçura e leveza compensadoras.

fonte: A imaginária.  José Olympio, 1970. 

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)