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20 de jul. de 2020

Poema Concreto de Thiago de Mello


Pedro Ruiz

O que tu tens e queres saber (porque te dói)
não tem nome. Só tem (mas vazio) o lugar
que abriu em tua vida a sua própria falta.

A dor que te dói pelo avesso, 
perdida nos teus escuros, 
é como alguém que come
não o pão, mas a fome.

Sofres de não saber
o que tens e falta
num lugar que nem sabes, 
mas que é tua vida, 
quem sabe é teu amor.
O que tu tens, não tens. 

14 de fev. de 2020

Jó consolado :: Adélia Prado

Albrecht Durer
Desperta, corpo cansado;
louva com tua boca a cicatriz perfeita,
o fígado autolimpante,
a excelsa vida.
Louva com tua língua de argila,
coisa miserável e eterna,
louva, sangue impuro e arrogante,
sabes que te amo; louva, portanto.
A sorte que te espera
paga toda vergonha,
toda dor de ser homem.

Miserere. Record,  2014.

8 de nov. de 2015

Eu e a Brisa :: composição de Johnny Alf

Mica Wright

Ah, se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só pra ser um sonho
Daí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E, depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz
Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar

3 de set. de 2015

Se eu fosse eu :: Clarice Lispector




















Joseph Beuys


Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou se ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.

“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova do desconhecimento. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

Jornal do Brasil. 30 de novembro de 1968



18 de ago. de 2015

O que Me Dói não É :: Fernando Pessoa

Eugenio Cuttica

O que me dói não é 
O que há no coração 
Mas essas coisas lindas 
Que nunca existirão... 

São as formas sem forma 
Que passam sem que a dor 
As possa conhecer 
Ou as sonhar o amor. 

São como se a tristeza 
Fosse árvore e, uma a uma, 
Caíssem suas folhas 
Entre o vestígio e a bruma. 

in: Cancioneiro 

10 de fev. de 2015

Mudemos de Jorge Gomes Miranda

Mauricio Aurvalle 

Mudemos de casa; porque é preciso
arrumar as dores de outra maneira,
certificarmo-nos da existência do corpo
em novos lençóis, voltar a ter ilusões,
lugar propício para a curiosidade
de alguns que nos fazem acreditar
que a vida é um amplo anfiteatro
para as mãos.


9 de nov. de 2014

SEM SABER :: Ana Blandiana

Raphael Kirchner, 1903

Evidentemente não sou
como esses fiandeiros de palavras
que fazem as roupas e as corridas de agulha,
as glórias, os orgulhos,
apesar de me mover no meio deles
e eles me olharem as palavras como se fossem malhas
– “Que bem posta que vais!”, dizem-me,
– “Que bem que te fica o poema!”
sem saber
que os poemas não são o meu vestido,
mas o esqueleto
extraído com dor
e posto por cima da carne como uma carapaça,
tal como as tartarugas,
que assim sobrevivem
séculos
longos e infelizes.




24 de out. de 2014

Até Pensei :: Chico Buarque

Tattoomaus78

Junto à minha rua havia um bosque 
Que um muro alto proibia 
Lá todo balão caia, toda maçã nascia 
E o dono do bosque nem via 
Do lado de lá tanta aventura 
E eu a espreitar na noite escura 
A dedilhar essa modinha 
A felicidade morava tão vizinha 
Que, de tolo, até pensei que fosse minha 
Junto a mim morava a minha amada 
Com olhos claros como o dia 
Lá o meu olhar vivia 
De sonho e fantasia 
E a dona dos olhos nem via 
Do lado de lá tanta ventura 
E eu a esperar pela ternura 
Que a enganar nunca me vinha 
Eu andava pobre, tão pobre de carinho 
Que, de tolo, até pensei que fosses minha 
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha 

10 de jul. de 2014

Há doenças piores que as doenças :: Fernando Pessoa

Marc Chagall, 1918

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida,
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

In. Quando fui outro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.  p. 50.

16 de jun. de 2014

Saudade demasiada e lilás :: Clarice Lispector

Tornyai Janos
É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade demasiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar
- porque dói.

fonte:  A hora da estrela

12 de jun. de 2014

O mais singular livro dos livros :: J. W. Goethe (1749-1832)

Edward Burne-Jones 


O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros;
Apartamento faz uma secção,
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami ! – mas no fim 
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

De Divan Ocidental-Oriental

13 de mar. de 2014

Voando com o pássaro :: Ana Cristina Cesar (1952-1983)

Erik Hedin - Borlänge
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.     

2 de mar. de 2014

O pastor amoroso perdeu o cajado de Fernando Pessoa


O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.

Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo;
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito. 

10-7-1930

30 de jan. de 2014

Uso :: DONIZETE GALVÃO (Borda da Mata, MG 1955 - São Paulo, 2014)

Jazzberry Blue
O uso dá caráter às coisas
como se o tempo maturasse
em suas moléculas
uma severa arquitetura

A virtude do menos
enobrece a casa
com a sua recusa
de adornos sem serventia.

O que o homem gasta
em suas mãos
adquire a aura
de suas dores.

GALVÃO, Donizete.  O homem inacabado.  São Paulo: Portal Editora, 2010

5 de jan. de 2014

Idos Sidos :: Darcy Ribeiro (1922-1997)


Que é que fiz, não fiz, de mim?
Que é que fiz na vida, da vida?
Quem sou eu? Esse eu que me sou.
Minhas mãos me pendem soltas.
Inúteis para fazimentos.
Só servem para escrever, acarinhar.
Não sei dançar, nunca soube.
Olho, idiota, o céu estrelado.
Não conheço estrela nenhuma.
As árvores, tantíssimas, que vi,
Recordo inumeráveis, enormíssimas,
Não sei quem são.
Diante das flores me extasio.
Tolo, só reconheço rosas, orquídeas, cravos.
A música clássica me atordoa, cansa.
Quem sou eu, septuagenário,
Que esgoto meu tempo de me ser aqui?
Insciente, perplexo, inexplicado.
Só cheio de saudades de mim.
De tantos eus que fui. Sidos. Idos.
Somos descartáveis, sei, mas dói.


30 de dez. de 2013

REFLEXIVO. :: Affonso Romano de Sant'Anna



 Remedios Varo, 1958

O que não escrevi, calou-me. 
O que não fiz, partiu-me. 
O que não senti, doeu-se. 
O que não vivi, morreu-se. 
O que adiei, adeus-se.

O lado esquerdo do meu peito: livro de aprendizagens. Rocco, 1992. p. 212

23 de ago. de 2013

Um homem com uma dor :: Leminski

Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra...

in: La Vie en Close. São Paulo, SP: Brasiliense, 1994. 

8 de jun. de 2013

Secreta Mirada de Lya Luft


 O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância. Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes. A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura. Às vezes é preciso recolher-se.

fonte: Lya Luft. Secreta Mirada. Record, 2005.

23 de mai. de 2013

A Dor Tem um Elemento de Vazio - Emily Dickinson

A Dor - tem um Elemento de Vazio - 
Não se consegue lembrar 
De quando começou - ou se houve 
Um tempo em que não existiu - 

Não tem Futuro - para lá de si própria - 
O seu Infinito contém 
O seu Passado - iluminado para aperceber 
Novas Épocas - de Dor. 

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas" 
Tradução de Nuno Júdice

5 de mai. de 2013

Trem andando de Bartolomeu Campos de Queirós

Delvaux, Paul - Soledad (1955)

“Durante quatro estações, em todas as manhãs, o trem deslizava em frente de nossa casa. Nascia na cidade de um avô, que escrevia nas paredes, e morria na cidade de outro avô, com seu olho de vidro. Sempre suspeitei o nascer como entrar num trem andando. Só que não sabia de onde vinha nem para onde ia. E, no meu vagão, não escolhi companheiros para a viagem. Eram todos estranhos, severos, amargos, impostos. Também entrei sem comprar o bilhete de viagem. Minha bagagem, pequena, cabia debaixo do banco – da segunda classe – sem incomodar. Contrabandeava poucos pertences: uma grande dor que doía o corpo inteiro e a vontade de encontrar um remédio capaz de remediar o incômodo. Até hoje o mundo ainda não atracou. Vou sem escolher o destino. O trem estancava na minha cidade, trocava de carga e reabastecia-se. O mundo só nos permite uma baldeação definitiva.”

Vermelho amargo. Cosac Naify: 2011. p. 37-38

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)