Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
31 de dez. de 2020
28 de dez. de 2020
Para comer depois :: Adélia Prado
Matizes
Na minha cidade, nos domingos de tarde,
as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,
A campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
‘Eh bobagem!’
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
quando for impossível detectar o domingo
pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
em meu país de memória e sentimento,
basta fechar os olhos:
é domingo, é domingo, é domingo.
in: Bagagem , 1976.
25 de dez. de 2020
Outro natal :: Adriano Nunes
Senhor, liberta-nos
Do que está lá,
Fora do alcance
Do coração.
Dá-nos apenas
Coisas pequenas
E alguma dúvida.
Nada queremos
Das esperanças.
Senhor, liberta-nos
Da angústia infinda,
Dá-nos o mundo!
.
24 de dez. de 2020
Glauco Mattoso, "Revisitado"
Quem disse que o Natal é só mercado?
Por trás do panetone ou da castanha
está um publicitário, uma campanha,
o lucro, as estatísticas, o Estado.
É certo. Mas o espírito arraigado
mais dura que o presente que se ganha,
mais lembra que um peru, que uma champanha
a alguém com mais futuro que passado.
Pois ela, a criancinha, é quem segura
o tempo, em seu efêmero momento,
salvando algo de júbilo ou ternura.
Esqueça-se o comércio! Ainda tento
rever cada Natal, cada gravura
em meio a tanto adulto rabugento..
15 de dez. de 2020
Hélio Pellegrino, Carta a Fernando Sabino
Quanto você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!
Carta a Fernando Sabino, revista pelo autor ao fazer 60 anos
10 de dez. de 2020
Precisa-se :: Clarice Lispector
Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
fonte: A descoberta do mundo. Rocco, 1999.
fonte: A descoberta do mundo. Rocco, 1999.
Clarice Lispector:: pinturas
“Entro lentamente na escrita assim como já entrei na pintura.
É um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas,
cores e palavras.”
Água viva (1973)
9 de dez. de 2020
Será que morrer é o último prazer terreno ?
Fonte: A descoberta do mundo. Rocco
8 de dez. de 2020
Lenilde Freitas :: Narciso
A flor narciso
tem seu mistério.
Depois que brota no topo da haste,
vive alguns dias e fenece.
Suas folhas curvas em dor
morrem também.
Como o bulbo vivo permanece,
levá-la ao escuro é o que convém,
deixar que o tempo passe.
Ao voltar à luz a flor renasce.
FREITAS, Lenilde. Esboço de Eva. São Paulo: Roswitha Kempf / Editores, 1987.
7 de dez. de 2020
Nonada de Guimarães Rosa
Via Lactea
"... E eu sou nada, não sou nada, não sou nada...
Não sou mesmo nada, nadinha de nada, de nada...
Sou uma coisinha... nenhuma, o senhor sabe?
Sou nada coisinha mesma nenhuma de nada, o menorzinho de todos.
O senhor sabe?
De nada. De nada...De nada...”
Rosa, João Guimarães: Grande Sertão: Veredas. 19ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 366
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