Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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28 de set. de 2018
20 de nov. de 2015
Geologia:: Ana Estaregui (1987, Sorocaba )
Alexey Venetsianov
essas minhas linhas
da mão
me dizem que nasci
sem sorte
pro amor
a linha do coração: uma trilha
entrecortada descontínua atravessada
andarilha
seguem até o meio da palma, aos buracos
aos tropeços, ainda que sem pedra
no caminho
do médio
ao indicador
como se o abismo
fosse apenas
um vão entre os dedos
20 de set. de 2015
Geologia :: Ana Estaregui (1987)
Leonardo da Vinci, 1474
essas minhas linhas
da mão
me dizem que nasci
sem sorte
pro amor
a linha do coração: uma trilha
entrecortada descontínua atravessada
andarilha
seguem até o meio da palma, aos buracos
aos tropeços, ainda que sem pedra
no caminho
do médio
ao indicador
como se o abismo
fosse apenas
um vão entre os dedos
31 de ago. de 2015
ABISMAL :: HELENA KOLODY (1912 - 2004)
De muito longe, de muito longe,
Das infinitas distâncias
Dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo
Para você que está diante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria a sua face.
23 de jun. de 2015
A PROEMINÊNCIA DA MÃO DIREITA :: Luís Quintais (1968)
A esquerda obedece
cegamente.
É a mão direita que fere.
A esquerda consola.
É a mão direita que disciplina,
brutaliza.
A esquerda, é o exercício
próximo e doméstico
de afagar
o que a comove, o que
recatadamente a silencia.
Esta é a terra,
os modos de nela me orientar:
as minhas mãos, a proeminência
da direita sobre a esquerda,
o que toda a vida quis negar.
31 de mai. de 2015
A MÃO :: WISŁAWA SZYMBORSKA
trinta e cinco músculos,
cerca de duas mil células nervosas
em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
para escrever Mein Kampf
ou A Casinha do Ursinho Puff.
13 de mai. de 2015
Os Amantes :: Julio Cortazar
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.
São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.
Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.
Tradução de José Jeronymo Rivera
10 de fev. de 2015
Mudemos de Jorge Gomes Miranda
Mauricio Aurvalle
Mudemos de casa; porque é preciso
arrumar as dores de outra maneira,
certificarmo-nos da existência do corpo
em novos lençóis, voltar a ter ilusões,
lugar propício para a curiosidade
de alguns que nos fazem acreditar
que a vida é um amplo anfiteatro
para as mãos.
25 de dez. de 2014
Não serei o poeta de um mundo caduco :: Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Sentimento do mundo. Rio de Janeiro : Pongetti, 1940.
8 de dez. de 2014
TAMBÉM ESTE CREPÚSCULO... :: PABLO NERUDA
Hemos perdido aun este crepúsculo.
Nadie nos vió esta tarde com las manos unidas
mientras la noche azul caía sobre el mundo.
He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.
A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol, entre mis manos.
Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tú me conoces.
Entoces dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?
::::::::::::::::::
Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.
Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.
Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.
Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.
Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?
(Tradução de Fernando Assis Pacheco)
PABLO NERUDA, in VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA. D. Quixote, 2007.
16 de nov. de 2014
Não sei se sabes de Rui Costa
Não sei se sabes
que a meio da manhã
o verde dos teus lábios
passou para as encostas
e um gomo transparente
adormeceu nos juncos e abriu.
Abriu um brilho qualquer
na gruta fria e pôs uma fogueira
pequenina numa taça
e elevou as mãos quentes
pelo dia.
talvez tu saibas que o principal
do amor
é uma montanha de efeitos secundários.
In: A Nuvem Prateada das Pessoas Graves. Edições Quasi
5 de nov. de 2014
SIMPLES NA SAUDAÇÃO :: GEORGINA HERRERA (Jovellanos, Matanzas,Cuba 1936)
Ito Shinsui
— Oi — diz o homem.
Eu sorrio.
Toca em meus nervos algo
como se um vento lamentável
soprasse suavemente.
— Oi — insiste. Breve
e simples é a saudação.
Sou o avesso de tudo o que vive.
Me calo. Que palavra
ou que gestos alçar, como resposta
a quem um tempo atrás
(não muito)
apenas com a mão e sua palavra
me tornou tempestade?
Tanto não foi o tempo deslizado
desde então
e...
lembra ou não este homem
quando eu era tempestade
sob sua mão e sua palavra?
.......................
SIMPLE EN EL SALUDO
— Hola — dice el hombre.
Yo sonrío.
Toca en mis nervios algo
como si un viento lamentable
soplara suavemente.
— Hola — insiste. Breve
y simple es el saludo.
Soy el revés de todo lo que vive.
Callo. ¿Qué palabra
o qué gesto alzar, como respuesta
a quien un tiempo atrás
(no mucho)
tan solo con su mano y su palabra
me volvió tempestad?
Tanto no ha sido el tiempo deslizado
desde entonces
y...
¿recuerda o no este hombre
cuando fui tempestad
bajo su mano y su palabra?
28 de out. de 2014
O homem, quando jovem :: HÉLIO PELLEGRINO.
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma.
Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma.
Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."
9 de fev. de 2014
Cabeceira :: Ana Cristina Cesar
Não quero mais por poemas no papel
nem dar a conhecer minha ternura.
Faço ar de dura,
não pergunto
"da sombra daquele beijo
que farei?"
É inútil
ficar à escuta
ou manobrar a lupa
da adivinhação.
Dito isto
o livro de cabeceira cai no chão.
Tua mão que desliza
distraidamente
sobre a minha mão.
7 de nov. de 2013
A CASA ARRENDADA de JOAQUIM PESSOA
Põe
rendas na casa
da
casa de renda
com
ternuras de asa,
perfumes
de lenda.
Põe
lendas antigas
em
jarras modernas.
Sua
boca abriga
palavras
eternas.
Põe
fios de lume
de
leve no peito.
Lençóis
de ciúme
aquecem-lhe
o leito.
Esquecem-lhe
os medos
mas
lembram-lhe as mágoas.
Medeiam
segredos
em
serenas águas.
Quando
o pensamento
lhe
abre as janelas
as
éguas do vento
entram-lhe
por elas,
por
alas de rosas
de
rendas cuidadas
como
mariposas
azuis,
delicadas.
Delícias,
delírios
de
linho, esvoaçam.
São
lentos martírios
que
as mãos entrelaçam.
Se
o dia é um lago,
um
mês ou um ano,
por
dentro é afago,
por
fora é engano.
E
fiam sentadas
filhas
de princesa,
bordam
almofadas,
toalhas
de mesa.
À
noite no leito
tem
corpo de abraços
e
a rosa do peito
desfaz-se
em pedaços.
Mas
nada lhe importa
e,
com mãos de Fada,
põe
trancas na porta
da
casa arrendada.
18 de set. de 2013
A verdade Histórica :: Ana Luísa Amaral
A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.
Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
2 de set. de 2013
Allegro de Tomas Tranströmer
http://independent.academia.edu/LucianoDutra/Papers/1934414/Tomas_Transtromer_Samlade_dikter_-_amostra_de_traducao_do_
25 de jul. de 2013
Na luz a prumo de Eugenio de Andrade
Joan Miró
Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse.
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul,qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase.
7 de abr. de 2013
Pequena elegia de setembro de Eugénio de Andrade
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
7 de mar. de 2012
A mesma mão de sempre e tão nova de Fabrício Carpinejar
A mão paterna mexendo de orgulho nossos cabelos.
A mão da caligrafia dos cadernos, com a cabeça inclinada na mesa.
A mão brincando com o graveto na boca do cachorro.
A mão boba no cinema. A mão para levantar o véu branco da esposa.
A mão ansiosa a segurar o primeiro passo do filho.
A mão assustada de ternura.
Ossuda, magra, com as veias azuis pedindo passagem.
Envelhecida, absolutamente carente, que vai acenar de verdade apertando outra mão.
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