29 de nov. de 2013

A nuvem prateada das pessoas graves de Rui Costa

Magritte

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo, os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão depois. Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo dos pés e por isso do outro lado do mundo. O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés e mais longe ainda das mãos que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.

Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.

a nuvem prateada das pessoas graves
quasi
2005

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