2 de abr. de 2017

LÁZARO :: Sylvia Plath

Pairava em tudo uma saudade imensa...
No azul, suspensa,
A lâmpada da lua pelejava...
E era o céu como um dossel
Que se arqueava
Sobre a terra escrava
De Israel!
Embalsamava os ares
O aroma dos pomares
Em flor...
Descansava o rebanho,
Descansava o pastor...
E havia no ar como que um som estranho,
Som que vinha de longe e soluçava ali...
Eram ecos, talvez, de uma velha cantiga...
Era – quem sabe? – o som de uma harpa triste e antiga,
A harpa do rei Davi!
Ecoavam salmos, cânticos, além...
E era a cidade: Jerusalém!
Rica de torres, majestosa
À simples vista,
Mas, na verdade, sórdida, leprosa,
Dura, egoísta:
Gema do oriente,
Resplandecente,
Preciosa,
Contendo jaças, porém:
Amando o vício, o jogo, os vinhos;
Lembrando a rosa,
Pelo esplendor, pelos espinhos,
Era assim Jerusalém!
Lázaro, o ressuscitado, 
Tinha delírios, alucinações...
E nessa noite imaginou-se ao lado
De cortesãs lascivas,
Tendo a graça irrequieta dos pavões!
Entre os vários convivas
Do lúbrico festim,
Notavam-se opulentos mercadores,
Sacerdotes hebreus,
Escribas, fariseus,
Graves doutores,
Membros do Sinhedrim...
Toda essa gente
Prestava um culto ardente
Àquelas
Cortesãs,
Ébrias de pompas vãs,
Vindas, talvez, da poeira das vielas
E ostentando tesouros,
Esmeraldas, rubis, topázios e outros,
Símbolos caros da vaidade humana
Nos rútilos anéis, nos cordões do pescoço,
Com graça soberana...
E todas elas
Eram belas,
Como a Samaritana
A quem Jesus pedira a água do poço!
E Lázaro, feliz, sorvia em cada lábio
O mel de uma ilusão,
Seguindo o exemplo
Do rei pomposo e sábio,
O sábio Salomão,
Que teve a glória de erigir o Templo,
Para acabar os dias
Na febre das orgias,
Trocando Deus, e o céu, que Deus habita,
Por um beijo sensual de Sulamita!
E uma dessas esplêndidas mulheres
A Lázaro falou: “Venceu-te Satanás!
A bacanal preferes
À eterna glória, à eterna paz!”
E ele, sereno e brando, 
Esta resposta audaz,
Solene e fria,
Deu, penetrando
Nos labirintos da filosofia:
“A vida é flor maravilhosa,
Incomparável flor...
E a morte é treva horrorosa?
É treva ou resplendor?
Eis o mistério profundo,
Que atordoa o mundo!
Acaso a morte será
A nuvem tapando o sol
De outro arrebol?
Tudo termina aqui? Tudo começa lá?
É a morte, enfim, a própria vida,
Repetida,
Perpetuada?
Não creio nas palavras do Messias:
Eu morto estive, as mãos inertes, frias,
E não me lembro de ter visto nada...
Alma não vi de réprobos, malditas,
Almas aflitas
E condenadas a suplício eterno,
À danação do inferno!
Asas de querubins, asas em plena glória,
Não conservo a memória
De ter podido vê-las
Serenas, na amplidão,
Por sobre o turbilhão
De mundos e de estrelas!
Em tais anjos, decerto,
Os meus olhos não pus,
E por isso não sei se fica longe ou perto
O céu – poema de luz,
O céu – pouso final,
Promessa de Jesus,
Anseio universal...”


O poema acima foi extraído do artigo de Antônio Carlos Secchin sobre a obra poética de Júlio Salusse (SECHIN, 1993, 184-185). 

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