23 de jul. de 2008

Inteiramente


Canova Antonio Amore e Psiche, 1788-1793
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Tenho desejo, tenho saudade de você - mas tamanha - que não encontro paz (hoje particularmente!) e penso somente em você. Não vou à parte alguma, caminho de um canto a outro, olho no seu armário vazio, nada pode ser mais triste do que a vida sem você. Não me esqueça, por Deus, amo-a um milhão de vezes mais que todos os outros postos juntos. Não me interessa ver ninguém, não tenho vontade de falar com ninguém a não ser com você. O dia mais lindo da minha vida será o da sua chegada. Ame-me, menina. Não se descuide, descanse, escreva se necessita de alguma coisa. Beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a, beijo-a beijo-a, beijo-a. Não me esqueça, querida, inteiramente seu. 

Maiakovski

17 de jul. de 2008

Anjo - Madri




“ Os anjos não dão os ombros, não;
 quando querem mostrar indiferença
 os anjos dão as asas.”

 Mário Quintana, in Caderno H 

12 de jun. de 2008

A cançãozinha do primeiro desejo




Na manhã verde,
queria ser coração.
Coração.

E na tarde madura
queria ser rouxinol.
Rouxinol.

(Alma,
põe-te cor de laranja.
Alma,
põe-te da cor do amor.)

Na manhã viva,
eu queria ser eu.
Coração.


E na tarde caída
queria ser minha voz.
Rouxinol.

Alma,
põe-te cor de laranja!
Alma,
põe-te da cor do amor!

Garcia Lorca

11 de mai. de 2008

Palavra



Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregado de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes... São antiqüíssimas e recentíssimas. 
Pablo Neruda in Confesso que vivi

28 de abr. de 2008

Escolha


O mundo globalizado volta-se todo para o futuro. A vida imita a urgência das apostas antecipadas que cria as tais bolhas de não-riqueza do capital financeiro. A tecnologia aponta para a superação de todas as descobertas, que já nascem com os dias contados, fadadas à obsolescência. Chamamos de progresso a essa forma de vida breve das coisas, fruto do trabalho humano que envelhece tão rapidamente quanto elas. 

O presente é uma partícula mínima de tempo, cada vez mais comprimida entre o que já foi e o que será. A rigor, pensem bem: o presente não existe. O futuro é um lugar gelado onde não vive ninguém, de onde só nos acenam promessas de velocidade. A depender das tecnociências hoje, no futuro nos deslocaremos ainda mais depressa, nos comunicaremos mais depressa, ganharemos e perderemos dinheiro mais depressa – e tentaremos envelhecer mais devagar. 
O passado tornou-se o único terreno seguro onde a imaginação pode armar sua tenda e contemplar o mundo em relativa tranqüilidade. Na vida em retrospecto, todas as nossas escolhas teriam sido corretas. Teríamos sido abolicionistas no século XIX, modernistas nos anos 1920, resistentes antifascistas em 1930-40, opositores firmes contra as duas ditaduras brasileiras. O passado nos poupa da dimensão trágica da escolha. 
Mas é no presente que o corpo está vivo. No presente é que se jogam os lances de dados do destino. Ele é tudo o que temos – e nos escapa.

Maria Rita Kelh 

27 de abr. de 2008

Tempo da delicadeza


Todo o Sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.
Chico Buarque


21 de abr. de 2008

Outoniza-te de Carlos Drummond de Andrade




Sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves...
Outoniza-se com dignidade, meu velho.



20 de abr. de 2008

Moto-contínuo :: Edu Lobo e Chico Buarque

Um homem pode ir ao fundo do fundo do fundo
se for por você
Um homem pode tapar os buracos do mundo
se for por você
Pode inventar qualquer mundo, como um vagabundo
se for por você
basta sonhar com você
Juntar o suco dos sonhos e encher um açude
se for por você
A fonte da juventude correndo nas bicas
se for por você
Bocas passando saúde com beijos nas bocas
se for por você
Homem também pode amar e abraçar e afagar seu ofício porquê
Vai habitar o edifício que faz pra você
E no aconchego da pele na pele, da carne na carne, entender
Que homem foi feito direito, do jeito que é feito o prazer
Homem constrói sete usinas usando a energia
que vem de você
Homem conduz a alegria que sai das turbinas
de volta a você
E cria o moto-contínuo da noite pro dia
se for por você
E quando um homem já está de partida, da curva da vida ele vê
Que o seu caminho não foi um caminho sozinho porquê
Sabe que um homem vai fundo e vai fundo e vai fundo
se for por você
Edu Lobo e Chico Buarque

16 de abr. de 2008

Prelúdio




E um coração diminuto 
vai-me brotando nos dedos

Garcia Lorca

Escrever


Imagem: Tarsila do Amaral

(...) e vou definitivamente ao encontro de um mundo que está dentro de mim, eu que escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.
Em cada palavra pulsa um coração. Escrever é tal procura de íntima veracidade de vida. Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trêmulo sofrendo a incalculável, dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento —amadurecimento? Até agora vivi sem ele!
É. Mas parece que chegou o instante de aceitar em cheio a misteriosa vida dos que um dia vão morrer. Tenho que começar por aceitar-me e não sentir o horror punitivo de cada vez que eu caio, pois quando eu caio a raça humana em mim também cai. Aceitar-me plenamente? é uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda a minha palavra tem um coração onde circula sangue.
Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra.
in UM SOPRO DE VIDA

29 de mar. de 2008

Eu que me Aguente Comigo

foto: Clarinda


Vi sempre o mundo independentemente de mim. 
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas, 
Mas isso era outro mundo. 
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja. 
Acima de tudo o mundo externo! 
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterônimo de Fernando Pessoa

18 de mar. de 2008

Visão do Paraíso



Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis, 
ao mesmo tempo os protege como uma armadura. 
Os apaixonados voltaram ao Jardim do Paraíso, 
provaram da Árvore do Conhecimento
e agora sabem.
Lygia Fagundes Telles in: A disciplina do amor