16 de ago. de 2009

Paisley






 Gombad Mosque (ano 800–900; Balkh, Afeganistão)

O motivo paisley estiliza o símbolo da  árvore da vida, num sentido amplo de  vida e eternidade. Existem muitas teorias sobre o motivo boteh, que conhecemos como paisley (chamado Amb, Buteh ou Buta em várias línguas). O padrão pode ser rastreado até a antiga Babilônia onde a forma de gota foi usada como símbolo para representar o crescimento do broto de uma palmeira, talvez a tamareira. Desta palmeira fazia-se comida, bebida, vestuário (fibras de tecido) e lugares para abrigo, considerada assim a "Árvore da Vida", foi gradualmente reconhecida como um símbolo de fertilidade.
Boteh é a palavra persa usada para descrever a flor em botão ou folha de palmeira sendo que na tapeçaria persa este motivo é freqüentemente encontrado em grupo ou isoladamente em intrincados desenhos. O motivo é  interpretado de várias formas: chamas, gotas de lágrima, o fruto da pinha, a pera e também o cipreste. Muito comum na região de Caxemira (Índia) em lenços e xales foi copiado pelos ingleses e reproduzido em tecelagens da cidade de Paisley (Escócia) ficando conhecido então por este nome.
O paisley foi símbolo do movimento hippie, especialmente da contracultura, apropriado talvez pela  conotação sofisticada dada pelos aristocratas britânicos onde era usado em gravatas, camisas e vestidos de seda, além dos xales de caxemira. 

26 de jul. de 2009

Domingo


foto: Caminho de Santiago 

E todo o mel dos domingos se tire;
o diamante dos sábados, a rosa
de terça, a luz de quinta, a mágica
de horas matinais, que nós mesmos elegemos
para nossa pessoal despesa, essa parte secreta
de cada um de nós, no tempo.

Os últimos dias. Drummond

5 de jul. de 2009

Paisagem N.º 1



Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas...
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!...
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.

Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,
um tralálá... A guarda-cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente-se muito triste...
Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento...

Meu coração sente-se muito alegre!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!

E sigo. E vou sentindo,
à inquieta alacridade da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca...


Mário de Andrade

28 de jun. de 2009

Da Mafalda

"¿Qué importan los años? 


Lo que realmente importa es comprobar que al fin de cuentas 
la mejor edad de la vida es estar vivo"



21 de jun. de 2009

Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento

Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. Assim um passarinho nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que a Cordilheira dos Andes. Que um osso é mais importante para o cachorro do que uma pedra de diamante. E um dente de macaco da era terciária é mais importante para arqueólogos do que a Torre Eifel. (Veja que só um dente de macaco!) Que uma boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais importante que o Empire State Building. Que o cu de uma formiga é mais importante para o poeta do que uma Usina Nuclear. Sem precisar medir o ânus da formiga. Que o canto das águas e das rãs nas pedras é mais importante para os músicos que os ruídos dos motores da Fórmula 1. Há um desagero em mim de aceitar essas medidas. Porém não sei se isso é um defeito do olho ou da razão. Se é defeito da alma ou do corpo. Se fizeram algum exame mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar que eu gosto mais de conversar sobre restos de comida com as moscas do que com homens doutos.
Manoel de Barros 

7 de jun. de 2009

O espelho

Quando menino, eu temia que o espelho
Me mostrasse outro rosto ou uma cega
Máscara impessoal que ocultaria
Algo na certa atroz. Temi também
Que o silencioso tempo do espelho
Se desviasse do curso cotidiano
Dos horários do homem e hospedasse
Em seu vago extremo imaginário
Seres e formas e matizes novos.
(Não disse isso a ninguém, menino tímido.)
Agora temo que o espelho encerre
O verdadeiro rosto de minha alma,
Lastimada de sombras e de culpas,
O que Deus vê e talvez vejam os homens.

Jorge Luis Borges

21 de mai. de 2009

Milagre



Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. 
Ou a ausência deles. 
Duvida? 

Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
                                                                     Guimarães Rosa

12 de mai. de 2009

Como tratar o que se tem de Clarice Lispector




Existe um ser que mora em mim como se fosse casa sua, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa que não tenha medo do que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesmo que está relinchando de prazer ou de cólera.

5 de mai. de 2009

Andar

Estou, quanto a companhia espiritual e imediata, quase só, se não só em absoluto... Não sou das pessoas menos acompanháveis por si próprias, mas ainda assim — e de vez em quando aborreço-me de não andar senão comigo. Fernando Pessoa