10 de fev. de 2012

Elegía del recuerdo imposible de Jorge Luis Borges


Chichester Canal de William Turner 

Qué no daría yo por la memoria
De una calle de tierra con tapias bajas
Y de un alto jinete llenando el alba
(Largo y raído el poncho)
En uno de los días de la llanura,
En un día sin fecha.
Qué no daría yo por la memoria
De mi madre mirando la mañana
En la estancia de Santa Irene,
Sin saber que su nombre iba a ser Borges.
Que no daría yo por la memoria
De haber combatido en Cepeda
Y de haber visto a Estanislao del Campo
Saludando la primera bala
Con la alegría del coraje.
Qué no daría yo por la memoria
De un portón de quinta secreta
Que mi padre empujaba cada noche
Antes de perderse en el sueño
Y que empujó por última vez
El catorce de febrero del 38.
Qué no daría yo por la memoria
De las barcas de Hengist,
Zarpando de la arena de Dinamarca
Para develar una isla
Que aún no era Inglaterra.
Qué no daría yo por la memoria
(La tuve y la he perdido)
De una tela de oro de Turner,
Vasta como la música.
Qué no daría yo por la memoria
De háber sido auditor de aquel Sócrates
Que, en la tarde de la cicuta,
Examinó serenamente el problema
De la inmortalidad,
Alternando los mitos y las razones
Mientras la muerte azul iba súbiendo
Desde los pies ya fríos.
Qué ño daría yo por la memoria
De que me hubieras dicho que me querías
Y de no haber dormido hasta la aurora,
Desgarrado y feliz.

9 de fev. de 2012

Voltar aos 17 de Violeta Parra


O rapto de Psique (1895) William-Adolphe Bouguereau

De par a par la ventana
Se abrió como por encanto,
Entró el amor con su manto
Como una tibia mañana,
Al son de su bella diana
Hizo brotar el jazmín,
Volando cual serafín
Al cielo le puso aretes
Y mis años en dicisiete
Los convirtió el querubín 
......................................................................................

De par em par a janela se abriu como por encanto
Entrou o amor com seu manto como uma cálida manhã
Ao som de sua bela alvorada fez brotar o jasmim
Voando qual serafim ao céu lhe pôs brincos
Meus anos em 17 os converteu o querubim


8 de fev. de 2012

É perturbador mesmo, perturbador. Adélia Prado

(...) afinal, você percebe que tudo é basicamente igual. O que interessa mesmo é a tua vidinha. Porque você não tem mais que ela (risos). Você não tem mais do que as 24 horas do dia. Ninguém tem mais que isso. E é nessa experiência pequeninha, miserável, limitada, carente, que eu vou dar uma resposta ao absurdo da minha existência e do mundo. É esse microcosmo mesmo: a filinha do supermercado, a barra da calça… Não por isso que você é poeta do cotidiano ou poeta da metafísica. A metafísica está aí nessas coisas. Aquilo do (José) Ortega y Gasset (1883-1955, filósofo espanhol): “Admirar-se do que é natural é dom do filósofo.” É o dom do poeta! Todo mundo sai correndo para ver um fenômeno da natureza, sei lá o quê. Mas preocupar-se com aquilo que é absolutamente natural é a grande riqueza, aquilo que é o dado imediato da vida. E o dado imediato são nossas carências e obrigações cotidianas. Não tem nada tão grande porque tudo você pode amansar. Você nunca viu o palácio da Rainha da Inglaterra, fica lá um dia ou dois e amansa o lugar. “Só isso? Eu quero mais, eu quero mais.” Você está sempre querendo além do que você tem. E esse além é de natureza transcendente, é a fome da alma, a fome do espírito. É uma coisa impressionante porque você, limitado e finito, fala em conceitos loucos para nós que somos tão pequenos: o infinito. Infinitamente pequeno (risos). “Infinitamente pequeno” está me perturbando ultimamente (risos). Ele é perturbador mesmo, perturbador.
fonte: Revista SaraivaConteúdo – 2010

7 de fev. de 2012

A marca da solidão de Heloisa Seixas


No côncavo das palmas, o homem segurou com cuidado o gatinho. Observou-o enquanto ele se debatia. Mexia as patinhas dianteiras e traseiras, mas sem muita convicção, apenas mostrando disposição de brincar e não dando qualquer sinal de impaciência ou alarme. Assim, entre suas mãos, tão pequeno que era, com a barriga para cima, lembrava um bebê que, deitado no berço, agitasse mãos e pés tentando alcançar algum móbile suspenso. O homem sorriu.

Em seguida, sentando-se no sofá, acariciou o corpo do gato, pouco maior do que sua mão. O bichinho acalmou-se, de repente. Ficou imóvel, os olhos quase cerrados, parecendo saborear o momento de ternura. Tão pequeno e o animal já parecia dar valor a uma carícia. Era natural, pensou o homem. Afinal, fora abandonado na rua. E agora, por entre suas mãos calosas, aquele ser tão frágil era uma presença inesperada, subversiva, surpreendente. Os gatos precisam ser acariciados quando pequenos, lembrou ele, principalmente se tiverem sido separados da mãe muito cedo. Caso contrário, quando adultos podem tornar-se medrosos, tímidos ou mesmo agressivos.

E de repente o sorriso do homem cessou.

Por associação de ideias, pensou em um livro que acabara de ler, um livro antigo, esquecido havia muito, e que por acaso apanhara outro dia na estante. Era um livro de José Carlos de Oliveira, chamado O pavão desiludido, em que o cronista relatava os horrores de sua infância. Havia uma passagem, logo no início, em que Carlinhos de Oliveira contava como ele, menino miserável, faminto e cheio de vermes, um dia, apanhando água na bica, recebera da irmã um presente: um arco-íris. ''Olhei e vi o arco-íris na água aberta em leque sob o céu azul. O sol devia estar criando uma ilusão, mas o que eu via era o milagre da multiplicação das lágrimas coloridas onde antes só havia lágrimas''. Mais adiante, o cronista falava de como ficara marcado pela infância difícil e sobre a relação terrível que tivera com a mãe: ''Quando se cria um abismo assim entre duas pessoas da mesma família, sendo uma delas criança, mais tarde se verifica que nem todo o amor do mundo daria para encher o buraco''.

E, voltando a olhar o gatinho, que agora dormia, o homem sorriu um sorriso triste. Assim como Carlinhos, ele próprio tivera uma infância infeliz. E assim como aquele filhote que tinha nas mãos, também fora deixado para trás, num certo sentido. Para o pequeno animal, ainda havia salvação. Mas para ele - como fora talvez para o escritor - era tarde.

Suspirou. Sabia bem. Trazia uma nódoa indelével, o estigma daqueles a quem faltou, na hora exata, a carícia necessária. Trazia, no corpo e na alma, a marca da solidão.

À luz de Mia Couto

Picasso

Um filho, afinal, é quem dá à luz a mãe. 
Pois cada menino nascido faz nascer uma mãe de uma respectiva mulher.
Mia Couto

Vittorio Costantini: Escultor de vidro





Uma forma de arte particularmente cultivada em Veneza, reconhecida ao menos desde o século 16, é a escultura de vidro. A ilha de Murano é a maior responsável por essa produção.
Linhas de barcos para Murano partem do cais Fondamenta Nuove, na parte norte de Veneza. Relativamente perto desse cais, está situada a loja e estúdio de um dos mais reconhecidos artistas das esculturas de vidro: Vittorio Costantini.
Apesar do renome, ele não é de Murano, mas da vizinha ilha de Burano, famosa pelo rendado. Com seu maçarico, o artista foca em trabalhos pequeninos e delicados. "A fragilidade faz o valor", ressalta o artesão.
Rodeado por pilhas de livros de diferentes partes do mundo -até mesmo do Japão- sobre animais, Vittorio Costantini sempre busca representar a natureza, frequentemente pássaros, animais aquáticos ou insetos.
Quando é questionado sobre o tempo que leva para produzir uma de suas obras, prefere ressaltar seus 55 anos de experiência -treina o ofício desde os 11-, além de mostrar um pote cheio de tentativas que não deram certo ou ensaios preparatórios, como pedaços do que poderia ser uma borboleta.
O artista não fala inglês, mas deixa o turista à vontade para fotografar e observar seu processo de produção -esticando os tentáculos de um polvo, por exemplo.
Seus trabalhos são mais caros que o habitual em outras lojas, mas dá para obter algum por € 60. Uma complexa água-viva na loja chega a ser orçada por € 3.000, e um colecionador já lhe ofereceu € 10 mil por uma aranha em maior escala -oferta, diz ele, recusada, pois pertencia a sua coleção pessoal.
Só é realmente difícil atravessar o labirinto de vielas e pontes até chegar ao esconderijo do artista. A reportagem contou com a ajuda de um eletricista morador da região, que consultou no computador o endereço (calle del Fumo, 5.311) e guiou pessoalmente até lá.
Costantini não liga: diz que prefere ficar distante das aglomerações das ruas principais para ter mais concentração. E ele nem mora em Veneza, mas em outra cidade, no continente e com mais natureza, como aprecia. Todo dia, caminha meia hora até a estação e depois leva mais quase uma hora de trem para casa.(MAURICIO KANNO)
fonte:  Folha de São Paulo, Turismo -quinta-feira, 10 de novembro de 2011

6 de fev. de 2012

Trovas de muito amor para um amado senhor de Hilda Hilst


Senhor, se a mim me acrescento 
Flores e renda, cetins, 
Se solto o cabelo ao vento 
É bem por vós, não por mim. 

Tenho dois olhos contentes 
E a boca fresca e rosada. 
E a vaidade só consente 
Vaidades, se desejada. 

E além de vós 
Não desejo nada.

5 de fev. de 2012

Só Tenho a Ti de Hilda Hilst e Adoniran Barbosa



Só tenho a ti
Mas tão distante
Que não me ouves
Chamo e pergunto
Se ainda me queres
Mas o teu grito de assentimento
Chega cansado a meu ouvido
E assim cansado
Desaparece
Como um lamento

Ó minha amada
Bem eu quisera
Que esta vontade
Que se avoluma
No meu pensamento
Se fosse embora
Se fosse embora

4 de fev. de 2012

Viver de Guimarães Rosa

 BANTI, Cristiano

"Viver é um rasgar-se e remendar-se".
Guimarães Rosa

Intimidade de Débora Siqueira Bueno


Chagall 


Desvelamentos –
a dobra branca das coxas,
a maciez do rosto,
nuances da voz,
ruídos do corpo.
Ressono.

Tive um pesadelo e gritei
mas no segundo seguinte já o sabia –
é sonho.
Porém não resisti à idéia
de fruir o acalento de meu medo,
fingimento do que é.

Posso estar absorta,
não importa o vôo.
O silêncio é quietude,
presença mansa,
branda ternura.
Intimidade.

3 de fev. de 2012

Algo de seu para apertar ao coração




Goethe ( 28 August 1749 – 22 March 1832), aos 64 anos escreveu este apelo pungente a sua amada Johanna Christiana Sophie Vulpius (Weimar, 1 June 1765 – Weimar, 6 June 1816)
"Por favor, mande-me o quanto antes seu último par de sapatos, aquele já gasto de tanto dançar de que me falou em sua última carta, para que eu possa ter novamente algo de seu para apertar ao coração."

2 de fev. de 2012

Otro poema de los dones de Jorge Luis Borges


Gracias quiero dar al divino Laberinto de los efectos y de las causas 
Por la diversidad de las criaturas que forman este singular universo, 
Por la razón, que no cesará de soñar con un plano del laberinto, (...) 
Por el olor medicinal de los eucaliptos, 
Por el lenguaje, que puede simular la sabiduría, 
Por el olvido, que anula o modifica el pasado, 
Por la costumbre, que nos repite y nos confirma como un espejo, 
Por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio, 
Por la noche, su tiniebla y su astronomía, 
Por el valor y la felicidad de los otros (...)

1 de fev. de 2012

Maiores e até infinitos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Manoel de Barros

China

 Magnolias de Yun Shouping (1633-1690)

Peonias de Yun Shouping 


Flor de lótus de Yun Shouping


China, o nome do país (em chinês, "terras centrais" Zhongghuó pela crença chinesa de que seu país era o centro da Terra), o mais populoso do mundo, vem da dinastia Ts'in, que unificou o país no século III DC. Três séculos mais tarde, a terra de Ts'in, que agora constitui a província de Shensi, se tornaria a mais desenvolvida de todo o país e, posteriormente, atraiu exploradores árabes e europeus.
Quando os árabes chegaram, a partir do século VII, chamaram a esta terra Cin, talvez por ouvir o nome da população local, e assim foi transmitido aos mercadores venezianos, que o transformaram em Cina, e em português China.
No século XVII, o missionário jesuíta português Bento de Goes demonstraria que "a China" visitada por numerosos missionários europeus era o mesmo que o "Catay" de Marco Polo. 

31 de jan. de 2012

A flor de maracujá de Fagundes Varela


Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do Sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá !
Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá.

Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá.

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá !

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá !
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová !
Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá !

Por tudo que o céu revela !
Por tudo que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está !!..
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá !

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

30 de jan. de 2012

Como um gato




I'm like cat here, a no-name slob. We belong to nobody, and nobody belongs to us. We don't even belong to each other. Breakfast at Tiffany's (1961)

Constante de Clara Coelho de Carvalho


Eu conto com (o) amor
Com amor sempre (sem virgulas)

fonte: http://poetetre.wordpress.com/2012/01/27/constante/

Gente é pra brilhar de Vladimir Maiakovski

Milharal com vista para Arles de Van Gogh

Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol, 
brilhar com brilho eterno, 
gente é pra brilhar.

29 de jan. de 2012

Meu avô de Débora Siqueira Bueno




"SONHO Na verdade, sonhar é outra maneira de lembrar."  Freud 

Essa noite sonhei com o pai de minha mãe, 
meu avô bonito e mudo. 
No sonho ele falava comigo, 
reclamava de eu ter dito bom dia. 
– É porque eu gosto do senhor, Vô! 
Estava no meu quarto de menina. 
Acomodei-o para que dormisse, 
mas ele prosseguiu e conversava. 
Seus olhos claros tinham um brilho 
que a vida embaçou e nunca vi. 
A voz cascateava, alegre até, 
num tom que também não conheci. 
Meu avô falava grego e latim; 
criança, quis achar sua linguagem. 
Às vezes brincava quieta ao seu lado, 
horas. 
Olhava-o de soslaio, tímida sorria, 
esperando que a vida aparecesse. 

Uma vez vieram seus irmãos, 
os nomes muito antigos: 
Gamaliel, Arcelino, 
Alberico, Pergentino. 
Sóbrios, com seus chapéus na mão, 
traziam os cheiros da fazenda. 
Doce de leite, goiabada e rapadura 
os presentes dados. 
A conversa era pausada, 
Siqueiras são circunspetos. 
Sentados na varanda em frente ao rio 
o que mais se ouvia era a voz das águas. 
Foi quando ouvi a voz do meu avô, 
única vez. 

Meu avô me dava livros, muitos, 
devolvidos à minha avó porque pensava 
que me eram dados por engano. 
Sobraram dois – 
um, de botânica, 
o outro, de uma coleção – Pensamento Vivo, 
O pensamento vivo de Freud. 
Meu nome está escrito – 
a mim foi dedicado. 
Foi assim que meu avô falou comigo, 
só o descobri depois, muito depois. 

Manuseio o livro amarelado, 
repleto de anotações nas margens. 
Sítio arqueológico, traz impressas 
mensagens destinadas ao futuro. 
Ao final encontro, frases soltas – 
"O eterno presente – onde o tempo não passa. 
Momento da liberdade, 
onde não há recordações do passado, 
nem as inquietações do futuro. 
Porém, a vida palpita sempre. 
Sonhada felicidade, o futuro, 
visão de esperança". 

Meu avô no sonho ria, satisfeito, os dentes lindos.

Da Natureza do Homem - Francis Bacon


Aquele que deseja vencer a sua natureza, não tente dar a si próprio tarefas muito grandes ou muito pequenas; porque as primeiras podem desanimá-lo com frequentes frustrações, e as segundas dar-lhe-ão insignificantes progressos, apesar de serem bem sucedidas. No princípio, irá praticando com auxiliares, como os nadadores se socorrem de bóias e coletes; mas, ao fim de algum tempo, deverá realizar o treino entre dificuldades, como os dançarinos fazem com os socos. Isto porque resulta sempre maior perfeição quando o exercício é mais árduo do que a prática.

(...) Não é má a antiga regra que mandava curvar a natureza até ao extremo oposto, para que ela se rectificasse; subentendendo-se, porém, que o extremo oposto não seja o vício. O homem não se deve forçar a um hábito com contínua persistência, mas com alguma interrupção; porque a pausa reforça a nova investida; e se o homem que não é perfeito estiver sempre a exercitar-se, será tão perito nos seus erros como nas suas virtudes, e será introduzido no hábito de ambos; e não há meio de evitar isso, se não por interrupções oportunas. Mas não confie de mais o homem na vitória sobre a sua natureza, porque ela pode estar sepultada durante muito tempo, e ressuscitar no primeiro momento de tentação.

in 'Ensaios - Da Natureza do Homem