14 de jun. de 2012

Modinha do Empregado de Banco de Murilo Mendes

Beijo Querubim de Rogério Fernandes 

Eu sou triste como um prático de farmácia,
sou quase tão triste como um homem que usa costeletas.
Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher
mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.
Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.

Quantas meninas pela vida afora!

E eu alinhando no papel as fortunas dos outros. 
Se eu tivesse estes contos punha a andar 
a roda da imaginação nos caminhos do mundo. 
E os fregueses do Banco 
que não fazem nada com estes contos! 
Chocam outros contos para não fazerem nada com eles. 

Também se o diretor tivesse a minha imaginação

o Banco já não existiria mais

e eu estaria noutro lugar.

13 de jun. de 2012

Liberdade de Fernando Pessoa


Matizes


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira 
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca....


11 de jun. de 2012

Seus olhos de Gonçalves Dias


Almeida Junior

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.

10 de jun. de 2012

As coisas, os outros e os escombros de Contardo Calligaris


1) Os amigos que encontro, nesta volta de viagem, querem saber do terremoto na Itália. Como foi? O que pensei e senti? Pois é, o terremoto não me inspirou pensamentos sobre a fragilidade da existência e a força da natureza -ou outro lugar-comum que valha.
Na hora, só tive iniciativas práticas. Como já contei, logo no primeiro tremor, juntei numa pasta passaportes, bilhetes de avião e carteiras. Nos dias seguintes, me deslocava sempre com esses apetrechos e, de noite, deixava ao lado da cama uma bolsa que continha a tal pasta mais o necessário para que a gente, pulando da cama para a rua, aguentasse o frio e a chuva.
Será que eu me preocupava com nossa mobilidade, ou seja, com a possibilidade de irmos embora sem burocracia, em caso de catástrofe? Ou será que me preocupava em termos constantemente conosco uma prova de nossa identidade?
2) Na madrugada do primeiro tremor, no dia 20, fiquei acordado até a luz do dia, para não ser surpreendido por eventuais tremores de assentamento. Passei o tempo olhando para as coisas ao meu redor.
Nos 60 anos em que meus pais mantiveram um apartamento em Veneza, eles abarrotaram seu espaço: nada de grande valor (afinal, o lugar fica desocupado durante boa parte do ano), mas muitos objetos carregados de história familiar, marcados pelas mãos e pelos olhares dos meus pais, avós ou bisavós. De cada objeto que considerei, tentei me contar a história: de onde vinha? De quem fora? Como chegara até lá?
Talvez o livro mais bonito e tocante que li nos últimos meses tenha sido "A Lebre com Olhos de Âmbar", de Edmund de Waal (Intrínseca).
É a história de uma família, narrada, por assim dizer, por uma coleção de miniaturas japonesas que passa, ao longo de quase dois séculos (cheios de fúria e guerras), de mão em mão, de país em país e de um continente a outro.
Sem dúvida, há objetos que são melhores sedimentos da história do que outros. Uma miniatura japonesa, por exemplo, já nasce como vestígio da história de quem a entalhou -às vezes, meses ou anos a fio.
Mas, no fundo, qualquer objeto, até um artefato industrial, tenta contar sua história. Qualquer mercadoria pode nos falar do trabalho de quem a produziu e dos desejos dos que a compraram, perderam ou trocaram. O que acontece, em geral, é que a gente não se dá o tempo de escutar.
Logo na região devastada pelo terremoto, nos claustros de San Pietro, em Reggio Emilia, está aberta até outubro (tremores permitindo) a exposição "Gli Oggetti ci Parlano" (os objetos falam conosco). Uma busca on-line explica a iniciativa e permite ver, em vídeo, partes da mostra: os cidadãos de Reggio foram convidados a emprestar objetos pessoais que tivessem, para eles, uma história significativa -a qual eles contam em depoimentos filmados.
3) Parêntese: já na primeira noite, lembrei-me de uma recomendação de meu pai, com sua sabedoria de clandestino procurado por fascistas e nazistas: "Se você fugir, não volte atrás". E ele agregava exemplos de resistentes que fugiram a tempo, mas quiseram voltar, rapidamente, para pegar algo que tinham esquecido ou mesmo só para olhar sua casa pela última vez -e foram presos.
Confirmando o conselho de meu pai, no segundo terremoto, o do dia 29, morreu o padre Martini, em Rovereto; ele voltou para a igreja de Santa Caterina, já periclitante desde o dia 20 -só um instante, para recuperar uma imagem santa. Entrou exatamente na hora do tremor das nove da manhã.
4) Passei minha infância brincando e fuçando nos escombros (de bombardeios aéreos, não de terremotos, claro). Imagino que, se minha casa fosse demolida, mesmo se não houvesse vítimas, eu ficaria, mexendo no entulho -mas à procura do quê? De uma jarra de prata que não se amassou além da conta, de uma cerâmica que não quebrou, de um livro que sobreviveu?
É fácil dizer que tanto faz, "deixa para lá: o passado está na gente, na nossa lembrança". Fácil e um pouco falso: nossa identidade é sempre dispersa aos quatro ventos. Ela está nas pedras, nas coisas e nos outros.
A clínica constata que as vítimas das grandes catástrofes, quando erram pelos entulhos, entre corpos e restos, não sabem mais direito quem elas são. O que elas procuram é sua própria identidade, que estava nas coisas, nas pedras e nos outros que se perderam.

9 de jun. de 2012

Canção De Todos de Raul De Leoni


Duas almas deves ter…

É um conselho dos mais sábios;
Uma, no fundo do Ser,
Outra, boiando nos lábios!

Uma, para os circunstantes,
Solta nas palavras nuas
Que inutilmente proferes,
Entre sorrisos e acenos:
A alma volúvel da ruas,
Que a gente mostra aos passantes,
Larga nas mãos das mulheres,
Agita nos torvelinhos,
Distribui pelos caminhos
E gasta sem mais nem menos,
Nas estradas erradias,
Pelas horas, pelos dias…

Alma anônima e usual,
Longe do Bem e do Mal,
Que não é má nem é boa,
Mas, simplesmente, ilusória,

Ágil, sutil, diluída,
Moeda falsa da Vida,
Que vale só porque soa,
Que compra os homens e a glória
E a vaidade que reboa
Alma que se enche e transborda,
Que não tem porquê nem quando,
Que não pensa e não recorda,
Não ama, não crê, não sente,
Mas vai vivendo e passando
No turbilhão da torrente,
Través intrincadas teias,
Sem prazeres e sem mágoas.
Fugitiva como as águas,
Ingrata como as areias.

Alma que passa entre apodos
Ou entre abraços, sorrindo,
Que vem e vai, vai e vem,
Que tu emprestas a todos,
Mas não pertence a ninguém.
Salamandra furta-cor,
Que muda ao menor rumor
Das folhas pelas devesas;
Alma que nunca se exprime,
Que é uma caixa de surpresas
Nas mãos dos homens prudentes;
Alma que é talvez um crime,
Mas que é uma grande defesa.

A outra alma, pérola rara,
Dentro da concha tranqüila,
Profunda, eterna e tão cara
Que poucos podem possuí-la,
É alma que nas entranhas
Da tua vida murmura
Quando paras e repousas.
A que assiste das Montanhas
As livres desenvolturas
Do panorama das cousas

Para melhor conhecê-las
E jamais comprometê-las,
Entre perdões e doçuras,
Num pudor silencioso,
Com o mesmo olhar generoso,
Com que contempla as estrelas
E assiste o sonho das flores…

Alma que é apenas tua,
Que não te trai nem te engana,
Que nunca se desvirtua,
Que é voz do mundo em surdina.
Que é a semente divina

Da tua têmpera humana,
Alma que só se descobre
Para uma lágrima nobre,
Para um heroísmo afetivo,
Nas íntimas confidências
De verdade e de beleza:

Milagre da natureza
Transcorrendo em reticências
Num sonho límpido e honesto,
De idealidade suprema,
Ora, aflorando num gesto,
Ora, subindo num poema.

Fonte do Sonho, jazida
Que se esconde aos garimpeiros,
Guardando, em fundos esteiros,
O ouro da tua Vida.

Alma de santo e pastor,
De herói, de mártir e de homem;
A redenção interior
Das forças que te consomem,
A legenda e o pedestal
Que se aprofunda e se agita
Da aspiração infinita
No teu ser universal.

Alma profunda e sombria,
Que ao fechar-se cada dia,
Sob o silêncio fecundo
Das horas graves e calmas,
Te ensina a filosofia
Que descobriu pelo mundo,
Que aprendeu nas outras almas

Duas almas tão diversas
Como o poente das auroras:
Uma, que passa nas horas;
Outra, que fica no tempo.


Raul de Leoni Ramos (n. Petrópolis, 30 Out 1895; m. Itaipava, 21 Nov 1926)

A criança que ri na rua de Fernando Pessoa


A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo —

Tudo isso excede este rigor 
Que o raciocínio dá a tudo, 
E tem qualquer coisa de amor, 
Ainda que o amor seja mudo. 

Poesias Inéditas (1930-1935).  Lisboa: Ática, 1955

8 de jun. de 2012

De tudo - Fernando Sabino




De tudo ficaram três coisas... 
A certeza de que estamos começando... 
A certeza de que é preciso continuar... 
A certeza de que podemos ser interrompidos 
antes de terminar... 
Façamos da interrupção um caminho novo... 
Da queda, um passo de dança... 
Do medo, uma escada... 
Do sonho, uma ponte... 
Da procura, um encontro!

Cantiga de Malazarte de Murilo Mendes





Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor, 
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.



Pedro Malasartes, Malazartes, ou das Malasartes é um personagem tradicional da cultura portuguesa e da cultura brasileira. Segundo Câmara Cascudo "Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso , cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos." A menção mais antiga do personagem é na cantiga 1132 do Cancioneiro da Vaticana, datado do século XIII e XIV: "chegou Payo de Maas Artes com seu cerame de chartes… semelha-me busuardo viindo en ceramen pardo…log'ouve manto e tabardo".
Variantes culturais deste personagem surgem noutras regiões da Europa, como Pedro Urdemales em Castela, Till Eulenspiegel na Alemanha e Pedro de Urdes Lamas na Andaluzia.

fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Malasartes

7 de jun. de 2012

Alma serena de Fernanda de Castro

Cartier-Bresson

Alma serena, a consciência pura, 
assim eu quero a vida que me resta. 
Saudade não é dor nem amargura, 
dilui-se ao longe a derradeira festa. 

Não me tentam as rotas da aventura, 
agora sei que a minha estrada é esta: 
difícil de subir, áspera e dura, 
mas branca a urze, de oiro puro a giesta. 

Assim meu canto fácil de entender, 
como chuva a cair, planta a nascer, 
como raiz na terra, água corrente. 

Tão fácil o difícil verso obscuro! 
Eu não canto, porém, atrás dum muro, 
eu canto ao sol e para toda a gente. 

in "Ronda das Horas Lentas"

6 de jun. de 2012

O estranho de Guimarães Rosa

Zenos Frudakis


Não devia de estar relembrando isto [a paixão por Diadorim], contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo. Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isto é que o muito se fala?
in: ROSA, G. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 14ª ed., 1980

5 de jun. de 2012

Gengibre-tocha, flor-da-redenção, rosa de porcelana





Nome Científico: Etlingera elatior
Nome Popular: Bastão-do-imperador, gengibre-tocha, flor-da-redenção,
rosa de porcelana
Sinonímia: Alpinia elatior, Nicolaia elatior, Phaeomeria speciosa
Família: Zingiberaceae
Divisão: Angiospermae
Origem: Indonésia
Ciclo de Vida: Perene
O bastão-do-imperador ou rosa de porcelana é uma espécie de gengibre,com flores muito chamativas e vistosas. A folhagem é tipicamente tropical, com hastes longas e folhas largas e coriáceas. A inflorescência, que dá o nome a planta, apresenta brácteas vermelhas e brilhantes, sustentadas por uma haste longa e robusta.
Valoriza jardins tropicais e contemporâneos, plantado isoladamente ou em grupos. Floresce na primavera e verão. Também é excelente como flor-de-corte, compondo arranjos florais muito elegantes e duráveis.
Muito fácil de cultivar. Deve ser cultivado a pleno sol, em solo fértil e rico em matéria orgânica, irrigado com freqüência. Não é tolerante às geadas, ao frio e ventos fortes. Multiplica-se pela divisão da touceira, rizomas e por sementes.


Testamento de Manuel Bandeira

Portinari 

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

4 de jun. de 2012

Horas antigas de Guimarães Rosa




imagem: Rui Chaves 
A lembrança da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. [... ] O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe. [...] O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção.

ROSA, G. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 14ª ed., 1980

3 de jun. de 2012

Silêncio com Ibrahim Ferrer e Omara Portuondo

nardo ou angélica
 açucena

Duermen en mi jardín
los nardos y las rosas
las blancas azucenas
y mi alma, muy triste y persarosa
a las flores quieren ocultar,
su amargo dolor.

No quiero que las flores sepan,
los tormentos que me da la vida
si supiera lo que estoy sufriendo,
por mis penas, llorarían, también.

Silencio, que están durmiendo
los nardos y las azucenas
no quiero que sepan mi penas,
porque si me ven llorando, morirán.

Composição: Rafael Hernandez e Ibrahim Ferrer

http://www.youtube.com/watch?v=6X1QqIpMRyY&feature=related

Silêncio de Julia Kater


Julia Kater (1980, Paris, França)  Vive e trabalha em São Paulo.
http://www.juliakater.com

2 de jun. de 2012

Tenho uma filha de 18 anos de Fabrício Carpinejar


Foto de Cínthya Verri

Mariana completou 18 anos ontem. Ela diz pai pai... sempre duas vezes, acho engraçado, não é apenas pai!, mas pai pai..., um chamado reticente, com eco de montanha, a me procurar pela casa. Talvez dobre a paternidade para recuperar os dias e os anos que não esteve comigo. Moramos juntos desde 2010. Já sofremos a distância, o medo de ser esquecido. Agora dividimos o mesmo telhado de estrelas para comemorar sua maioridade.

Tenho uma filha adulta. Uma filha crescida. Sinto-me importante, não me vejo envelhecido.

Mariana é altamente vaidosa de suas palavras. Exatamente como eu.

Lê devagar para não perder nenhuma frase. Não suporta uma palavra sem significado. Carrega minidicionário na bolsa. Nunca ri disso, acha que o escritor é um turista da própria língua, não tem vergonha de perguntar o óbvio e colecionar sons.

Mariana é uma tímida esbaforida. Exatamente como eu.

Aquela figura atrapalhada que tenta não chamar atenção e acaba atraindo o dobro do apelo. Entrará de fininho em sala de aula, atrasada, e derrubará metade dos livros. A turma inteira vai girar o rosto em sua direção.

Mariana é ansiosa. Exatamente como eu.

Para esperar um torpedo de namoro, inventa o inferno. Para esperar uma reconciliação, come uma caixa de bombons. Para ganhar um abraço, briga e grita como um bicho. O que mais desagrada na história do mundo é a paciência. Tem uma pressa para ser feliz. O amor é para ontem, hoje é tarde.

Mariana é distraída. Exatamente como eu.

Não que tenha problema de atenção, é o contrário, um excesso de escuta, acompanha duas ou três conversas simultaneamente e pretende participar de todas.

Mariana é debochada. Exatamente como eu.

Cria conflitos para sair do tédio. Faz piadas solitárias, provoca as pessoas a tomar partido, polemiza por prazer e testa os limites dos outros. Poucos entendem sua rápida mudança de posicionamento: desagrada com fúria e logo avisa que era brincadeira.

Mariana tem meus olhos tristes e caídos, minha paixão por dormir tarde, meu receio dos armários abertos, minha curiosidade pelas geladeiras dos amigos, minha superstição com escadas, minha inclinação por roupas coloridas e extravagantes.

Mas sou mais pai quando minha filha não se parece comigo. Quando ela não me repete. Quando ela é ela e mais ninguém.

Mariana, por exemplo, perdoa com facilidade a vida, bem diferente de mim, que não desculpei o tempo que não fiquei perto dela.

fonte: http://carpinejar.blogspot.com/2011/12/tenho-uma-filha-de-18-anos.html

1 de jun. de 2012

Pica-pau, ipecu, carapina e pinica-pau, picchio







Flor de maio









Fado de Maria do Rosário Pedreira



Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses: as ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças açoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.

A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu

estou assustada. A lua está apenas por metade,
a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.