19 de dez. de 2012

Azul


Pão é amor entre estranhos de Clarice Lispector




Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.

in: “Felicidade Clandestina”. Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

18 de dez. de 2012

Lembranças legítimas de Maria Rita Kehl



As experiências perdidas constituem uma rede de lembranças legítimas. Pode até ser que o vivido mesmo, pão pão, queijo queijo, ocupe uma parte bem reduzida de nossas memórias. Penso que existe um acervo de saudades lotado de imagens do que se viveu só através de relatos alheios, da literatura e da imaginação. É possível ter saudades, por exemplo, da infância da sua avó, se ela te contou episódios com graça, imaginação e alguma nostalgia. Algumas cenas contadas por ela passam a te pertencer também. 
As saudades do que eu queria ter feito e não fiz se constróem de trás prá frente. É depois, só depois, que você se dá conta de que prestou atenção ao que acontecia à sua direita e não percebeu algo muito mais interessante que se passava à esquerda. Ou vice-versa. Claro, existem também as escolhas. Nesse caso penso que se eu quisesse mesmo, mesmo, fazer x em vez de y, teria feito. Essa coleção de vacilos escreve uma história. No horizonte virtual das possibilidades que foram deixadas prá traz deve haver um duplo meu, vivendo a vida que foi dos outros. 


17 de dez. de 2012

Marianne North, naturalista (Hastings, 1830 - Gloucestershire, 1890)












































Marianne North nasceu em Hastings e era a filha mais velha de Janet e Frederick North. Estudou técnicas vocais com Charlotte Helen Sainton-Dolby, mas suas habilidades não eram adequadas e ela desistiu, se dedicando então à pintura. Após a morte de sua mãe, em 1855, viajava com seu pai, que era então membro do parlamento de Hastings, e com sua morte em 1869, Marianne decidiu prosseguir a sua ambição inicial de pintar a flora de países distantes.
Começou suas viagens em 1871-1872, indo primeiro ao Canadá, Estados Unidos e Jamaica. Residiu durante um ano no Brasil, onde realizava seu trabalho em uma cabana no interior de uma floresta. Em 1875, depois de alguns meses em Tenerife, ela começou uma viagem ao redor do mundo, e por dois anos pintou a flora da Califórnia, Japão, Bornéu, Java e Ceilão. Passou o ano de 1878 na Índia.
Em seu retorno à Grã-Bretanha, exibiu uma série de desenhos em Londres e ofereceu a coleção ao Royal Botanic Gardens em Kew e também recursos para construir uma galeria para abrigá-los. A oferta foi aceita e a construção dos novos edifícios projetados por James Fergusson foram iniciados naquele ano.[1]
Por sugestão de Charles Darwin, Marianne rumou para a Oceania em 1880, e por um ano retratou imagens na Austrália e na Nova Zelândia. Suas pinturas de Banksia attenuata, B. grandis e B. robur foram prontamente consideradas.Sua galeria em Kew foi inaugurada em 1882. Em 1883, depois de uma visita à África do Sul, uma sala adicional foi aberta na galeria. Em 1884-1885 trabalhou em Seychelles e no Chile. Morreu em Gloucestershire em 30 de agosto de 1890.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marianne_North

A verdade de José de Almada Negreiros


Eu tinha chegado tarde à escola. O mestre quis, por força, saber porquê. E eu tive que dizer: Mestre! quando saí de casa tomei um carro para vir mais depressa, mas, por infelicidade, diante do carro caiu um cavalo com um ataque que durou muito tempo. O mestre zangou-se comigo: Não minta! diga a verdade! E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... minha mãe tinha um irmão no estrangeiro e, por infelicidade, morreu ontem de repente e nós ficámos de luto carregado. O mestre ainda se zangou mais comigo: Não minta! diga a ver­dade !!
E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... estava a pensar no irmão de minha mãe que está no estrangeiro há tantos anos, sem escrever. Ora isto ainda é pior do que se ele tivesse morrido de repente porque nós não sabemos se estamos de luto carregado ou não.Então o mestre perdeu a cabeça comigo: Não minta, ouviu? diga a verdade, já lho disse!

Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me pas­sou pela cabeça que acreditei que o mestre queria efectivamente que lhe dissesse a verdade. E, criança como eu era, pus todo o peso do corpo em cima das pontas dos pés, e com o coração à solta con­fessei a verdade:Mestre! antes de chegar à Escola há uma casa que vende bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de cor-de­-rosa! Mestre! a boneca estava vestida de cor-de-rosa! A boneca tinha a pele de cera. Como as meninas! A boneca tinha tranças caídas. Como as meninas! A boneca tinha os dedos finos. Como as meninas! Mestre! A boneca tinha os dedos finos...



16 de dez. de 2012

Anúncio de Casa de Fernando Sabino


“Procura-se casa para alugar ou comprar, com três quartos, duas salas, banheiro, cozinha, quarto de empregada, demais dependências, poder de sugestão, varanda e quintal.

Por poder de sugestão, entenda-se aquele misterioso dom que certas casas têm de sugerir a vida dos que já moraram nela. Não pelas manchas e estragos que lhe deixaram antigos moradores, mas exatamente pelas marcas invisíveis que suas paredes recolheram e o tempo fixou.

Essas marcas devem nascer do soalho sob as passadas do morador, correr ao longo das tábuas do teto aos olhos insones que nele se distraem, participar dos próprios ruídos que ajudam a adormecer: o da água caindo na caixa, os talidos de madeira no escuro, o rincho de uma porta ou dos degraus da escada; devem efluir dos trincos e maçanetas, da sombra na parede, terror de uma infância, do vento que infla a cortina. Devem, enfim, impregnar cada canto da casa, estas marcas de tradição que ela carrega em seu bojo como uma carga de navio, a que vai se juntar a do novo morador, dando-lhe novo espírito, e finalmente a absorve”
in No fim dá certo, Record, 2007, pg. 134)


14 de dez. de 2012

A Menina de Livia Garcia Roza



Tarsila do Amaral, Beatriz Menina, 1938-39

A menina que eu fui pensa hoje em mim.

A LUÍS MAURÍCIO, INFANTE de Carlos Drummond de Andrade



Monet 

Acorda, Luís Mauricio. Vou te mostrar o mundo,
se é que não preferes vê-lo de teu reino profundo.


Despertando, Luís Mauricio, não chores mais que um tiquinho.
Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho?



Que seria de ti, Luís Mauricio, pranteando mais que o necessário?
Os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário



e pede ser visto e amado. É tão pouco, cinco sentidos.
Pois que sejam lépidos, Luís Mauricio, que sejam novos e comovidos.



E como há tempo para viver, Luís Mauricio, podes gastá-lo à janela
que dá para a "Justicia del Trabajo", onde a imaginosa linha da hera



tenazmente compõe seu desenho, recobrindo o que é feio, formal e triste.
Sucede que chegou a primavera, menino, e o muro já não existe.



Admito que amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Mauricio.
Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício.



E agora, começa a crescer. Em poucas semanas um homem
Se manifesta na boca, nos rins, na medalhinha do nome.



Já te vejo na proporção da cidade, dessa caminha em que dormes.
Dir-se-ia que só o anão de Harrods, hoje velho, entre garotos enormes,



conserva o disfarce da infância, como, na sua imobilidade,
à esquina de Córdoba e Florida, só aquele velho pendido e sentado,



de luvas e sobretudo, vê passar (é cego) o tempo que não enxergamos,
o tempo irreversível, o tempo estático, espaço vazio entre ramos.



O tempo que fazer dele? Como adivinhar, Luís Mauricio,
o que cada hora traz em si de plenitude e sacrifício?



Hás de aprender o tempo, Luís Mauricio. E há de ser tua ciência
uma tão íntima conexão de ti mesmo e tua existência,



que ninguém suspeitará nada. E teu primeiro segredo
seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo.



Aprenderás muitas leis, Luís Mauricio. Mas se as esqueceres depressa,
Outras mais altas descobrirás, e é então que a vida começa,



e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo,
e anda o silêncio, e fala o nevoento horizonte; e sabe guiar-nos o mundo.



Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas
de folhas, de signos, de obscuros sentimentos, e avenidas desertas



são apenas as que vemos sem ver, há pelo menos formigas
atarefadas, e pedras felizes ao sol, e projetos e cantigas



que alguém um dia cantará, Luís Mauricio. Procura deslindar o canto.
Ou antes, não procures. Ele se oferecerá sob forma de pranto



ou de riso. E te acompanhará, Luís Mauricio. E as palavras serão servas
de estranha majestade. É tudo estranho. Medita por, exemplo, as ervas,



enquanto és pequeno e teu instinto, solerte, festivamente se aventura
até o âmago das coisas. A que veio, que pode, quanto dura



essa discreta forma verde, entre formas? E imagina ser pensado,
pela erva que pensas. Imagina um elo, uma afeição surda, um passado



articulando os bichos e suas visões, o mundo e seus problemas;
imagina o rei com suas angústias, o pobre com seus diademas,



imagina uma ordem nova; ainda que uma nova desordem, não será bela?
Imagina tudo: o povo,com sua música; o passarinho, com sua donzela;



o namorado com seu espelho mágico; a namorada, com seu mistério;
a casa, com seu calor próprio; a despedida, com seu rosto sério;



o físico, o viajante, o afiador de facas, o italiano das sortes e seu realejo;
o poeta sempre meio complicado; o perfume nativo das coisas e seu arpejo;



o menino que é teu irmão, e sua estouvada ciência
de olhos líquidos e azuis, feita de maliciosa inocência,



que ora viaja enigmas extraordinários; por tua vez, a pesquisa
há de solicitar-te um dia, mensagem perturbadora na brisa.



É preciso criar de novo, Luís Mauricio. Reinventar nagôs e latinos,
E as mais severas inscrições, e quantos ensinamentos e os modelos mais finos,



de tal maneira a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos.
Mas seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos.



Inconformados e prisioneiros, em Palermo, eles procuram o outro lado,
E na sua faminta inquietação, algo se liberta da jaula e seu quadrado.



Detém-te. A grande flor do hipopótamo brota da água nenúfar!
E dos dejetos do rinoceronte se alimentam os pássaros. E o açúcar



que dás na palma da mão à língua terna do cão adoça todos os animais.
Repara que autênticos, que fiéis a um estatuto sereno, e como são naturais.



É meio-dia, Luís Maurício, hora belíssima entre todas,
pois, unindo e separando os crepúsculos, à sua luz se consumam as bodas



do vivo com o que já viveu ou vai viver, e a seu puríssimo raio
entre repuxos, os "chicos" e as "palomas" confraternizam na "Plaza de Mayo".



Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício,
que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer, meu netinho Luís Mauricio.

13 de dez. de 2012

Figos, Figues, higos, fichi, ficis, smochine, tin, fíkjur


Memória de Santo Agostinho


Em seu livro, "As Confissões", Santo Agostinho refletiu sobre o arcabouço da memória. "Mas eis-me diante dos campos , dos vastos palácios da memória, onde estão os tesouros de inúmeras imagens trazidas por percepções de toda espécie. Lá estão guardados todos nossos pensamentos, quer aumentando, quer diminuindo, quer modificando de qualquer modo as aquisições de nossos sentidos, e tudo que aí depositamos ou reservamos, se ainda não foi sepultado ou absorvido pelo esquecimento."

12 de dez. de 2012

11 de dez. de 2012

Antúrio



















Nome Científico: Anthurium andraeanum
Nomes Populares: Antúrio,
Família: Araceae
Categoria: Flores Perenes, Forrações à Meia Sombra
Clima: Equatorial, Subtropical, Tropical
Origem: América do Sul, Colômbia
Altura: 0.3 a 0.4 metros, 0.4 a 0.6 metros
Luminosidade: Luz Difusa, Meia Sombra
Ciclo de Vida: Perene
O antúrio é uma planta tradicional no paisagismo. Fez parte de uma moda antiga e teve o brilho completamente renovado recentemente com o lançamento de novas cultivares. Utilizada há muito tempo em vasos para decorar interiores, hoje em dia pode compor maciços e bordaduras em jardins externos também. É um curinga para os cantinhos menos iluminados do jardim, onde outras flores jamais iriam prosperar. O melhoramento genético proporcionou diversas variedades, com portes diferentes e flores de coloração vermelha, rosa, salmão, chocolate, verde e branca.

Exigente quanto à umidade, deve ser plantada sempre à meia-sombra, em substratos ricos em matéria orgânica, como a fibra de côco misturado com terra vegetal, com regas freqüentes e adubação adequada para florescer. Apesar destes cuidados, é uma planta rústica e de baixa manutenção. O replantio a cada 3 ou 4 anos revigora as plantas velhas. Multiplica-se por estaquia.
fonte: jardineiro.net