22 de abr. de 2013

Atravesso o bosque de Carlos Saraiva Pinto


Lincoln Koga 
atravesso o bosque
de castanheiros
pisando o manto das folhas
levadas pelo vento
no princípio do outono.

fecho a cancela de madeira do jardim
e lavo o rosto para entrar em casa.

esta noite
dormirei à luz das velas
se for preciso.


Elliott Erwitt (Paris, 1928) fotógrafo franco-estadunidense














21 de abr. de 2013

Corações emaranhados








  • Nome Científico: Ceropegia woodii
  • Sinonímia: Ceropegia linearis subsp. linearis, Ceropegia linearis subsp. woodii, Ceropegia barbertonensis, Ceropegia euryacme, Ceropegia schoenlandii
  • Nome Popular: Corações-emaranhados
  • Família: Asclepiadaceae
  • Divisão: Angiospermae
  • Origem: África do Sul, Zimbábue, Suazilândia
  • Ciclo de Vida: Perene
É uma trepadeira pendente e muito delicada, de caule longo e arroxeado que pode alcançar de 2 a 4 metros de comprimento. Apresenta folhas suculentas, opostas, em formato de coração, de coloração verde-musgo, com um marmorizado prateado na página superior e arroxeadas na inferior. A floração é distribuída durante os meses quentes e as flores são em forma de um pequeno vaso, com corola rosada, e pétalas roxo-púrpura. Os frutos são pequenas vagens, com sementes achatadas, que caem facilmente quando maduras.
Os corações emaranhados podem ser utilizados na decoração  de ambientes internos ou em varandas. Ganham destaque especial se cultivados em grupos de cinco ou mais mudas, em vasos ou cestas suspensas, assim como jardineiras e floreiras colocadas em locais altos. Por não tolerar o sol quente do meio-dia, deve ser protegida neste horário. Se a planta estiver ao ar livre, pode atrair beija-flores. A manutenção desta suculenta se limita às regas e adubações mensais na primavera e verão.
Deve ser cultivada sob meia sombra ou luz difusa (sombra), em substrato leve, drenável, enriquecido com matéria orgânica e irrigado a intervalos regulares. Não tolera o encharcamento, mas é capaz de passar por um período seco. As regas devem ser reduzidas no inverno, pois a planta entra em dormência. Aprecia o calor. Multiplica-se por estaquia, por mergulhia dos pequenos tubérculos produzidos na base das folhas e por sementes.

Abraço de Livia Garcia Roza


Stasia Burrington


Certas frases são como ganhar um abraço.

Janela de Adélia Prado


Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.

20 de abr. de 2013

O vinho dos amantes de Charles Baudelaire

Bouguereau

Hoje o espaço é esplêndido!
Sem freio, sem esporas, sem brida,
Partamos a cavalo no vinho
Para um céu feérico e divino!

Como dois anjos atormentados
Por calentura implacável,
No azul cristal da manhã
Sigamos a miragem distante!

Suavemente balouçados sobre a asa
Do turbilhão inteligente,
Em um delírio paralelo,

Minha irmã, nadando lado a lado,
Fugiremos sem descanso nem tréguas
Para o paraíso dos meus sonhos!

Os paraísos artificiais. trad. José Saramago.Livros B. Estampa, 1978.

19 de abr. de 2013

A despropósito de Adélia Prado



Olhou para o teto, a telha parecia um quadrado de doce.
Ah! - falou sem se dar conta que descobria, durando desde
a infância, aquela hora do dia, mais um galo cantando,
um corte de trator, as três camadas de terra, 
a ocre, a marrom, a arroxeada. Um pasto,
não tinha certeza se uma vaca
e o sarilho da cisterna desembestado, a lata
batendo no fundo com estrondo.
Quando insistiram, vem jantar, que esfria,
ele foi e disse antes de comer:
`Qualidade de telha é essas de antigamente`.

18 de abr. de 2013

Herbert List (1903 – 1975) Fotografia

















RECEITA DE CASA de RUBEM BRAGA

foto: Casa de Rubem Braga

Ciro dos Anjos escreveu, faz pouco tempo, uma de suas páginas mais belas sobre as antigas fazendas mineiras. Ele dá os requisitos essenciais a uma fazenda bastante lírica, incluindo, mesmo, uma certa menina de vestido branco. Nada sei dessas coisas, mas juro que entendo alguma coisa de arquitetura urbana, embora Caloca, Aldari, Jorge Moreira e Ernani, pobres arquitetos profissionais, achem que não.
Assim vos direi que a primeira coisa a respeito de uma casa é que ela deve ter um porão, um bom porão com entrada pela frente e saída pelos fundos. Esse porão deve ser habitável porém inabitado; e ter alguns quartos sem iluminação alguma, onde se devem amontoar móveis antigos, quebrados, objetos desprezados e baús esquecidos. Deve ser o cemitério das coisas. Ali, sob os pés da família, como se fosse no subconsciente dos vivos, jazerão os leques, as cadeiras, as fantasias do carnaval do ano de 1920, as gravatas manchadas, os sapatos que outrora andaram em caminhos longe.
Quando acaso descerem ao porão, as crianças hão de ficar um pouco intrigadas; e como crianças são animais levianos, é preciso que se intriguem um pouco, tenham uma certa perspectiva histórica, meditem que, por mais incrível e extraordinário que pareça, as pessoas grandes também já foram crianças, a sua avó já foi a bailes, e outras coisas instrutivas que são um pouco tristes mas hão de restaurar, a seus olhos, a dignidade corrompida das pessoas adultas.
Convém que as crianças sintam um certo medo do porão; e embora pensem que é medo do escuro, ou de aranhas caranguejeiras, será o grande medo do Tempo, esse bicho que tudo come, esse monstro que irá tragando em suas fauces negras os sapatos da criança, sua roupinha, sua atiradeira, seu canivete, as bolas de vidro, e afinal a própria criança.
O único perigo é que o porão faça da criança, no futuro, um romancista introvertido, o que se pode evitar desmoralizando periodicamente o porão com uma limpeza parcial para nele armazenar gêneros ou utensílios ou mais facilmente tijolos, por exemplo; ou percorrendo-o com uma lanterna elétrica bem possante que transformará hienas em ratos e cadafalsos em guarda-louças.
Ao construir o porão, deve o arquiteto obter um certo grau de umidade, mas providenciar para que a porta de uma das entradas seja bem fácil de arrombar, porque um porão não tem a menor utilidade se não supomos que dentro dele possa estar escondido um ladrão assassino, ou um cachorro raivoso, ou ainda anarquistas búlgaros de passagem por esta cidade.
Um porão supõe um alçapão aberto na sala de jantar. Sobre a tampa desse alçapão deve estar um móvel pesado, que fique exposto ao sol ao menos duas horas por dia, de tal modo que à noite estale com tanto gosto que do quarto das crianças dê a impressão exata de que o alçapão está sendo aberto, ou o terrível meliante já este já no interior da casa.
Não preciso fazer referência à varanda, nem ao carramanchão, nem à horta e jardim; mas se não houver ao menos um cajueiro, como poderá a família viver com decência? Que fará a família no verão, e que hão de fazer os sanhaços, e as crianças que matam os sanhaços, e as mulheres de casa que precisam ralhar com as crianças devido às nódoas de caju na roupa? Imaginem um menino de nove anos que não tem uma só mancha de caju em sua camisinha branca. Que honras poderá esperar essa criança na vida, se a inicia assim sem a menor dignidade?
Mas voltemos à casa. Ela deve ter janela para vários lados e se o arquiteto não providenciar para que na rua defronte passem bois para o matadouro municipal ele é um perfeito fracasso. E o piso deve ser de tábuas largas, jamais enceradas, de maneira que lavar a casa seja uma das alegrias domésticas. Depois de lavado o assoalho, são abertas as portas e janelas, para secar. E quando a madeira ainda estiver um pouco úmida, nas tardes de verão, ali se devem deitar as crianças, pois eis que isso é doce.
O que é essencial em uma casa - e entretanto quantos arquitetos modernos negligenciam isso, influenciados por idéias exóticas! - é a sala de visitas. Seu lugar natural é ao lado da sala de jantar Ela deve ter móveis incômodos e bem envernizados, e deve permanecer rigorosamente fechada através das semanas e dos meses. Naturalmente se abre para receber visitas, mas as visitas dessa categoria devem ser Rigorosamente selecionadas em conselho de família.
As crianças jamais devem entrar nessa sala, a não ser quando chamadas expressamente para cumprimentar as visitas. Depois de apertar a mão da visita, e de ouvir uma pequena referência ao fato de que estão crescidas (pois em uma família honrada as crianças estão sempre muito crescidas), devem esperar ainda cerca de dois minutos até que a visita lhes dirija uma pilhéria em forma de pergunta; por exemplo: se é verdade que já tem namorada. Devem então sorrir com condescendência (podem utilizar um pequeno ar entre a modéstia e o desprezo) e se retirar da sala.
Não desejo me alongar, mas não posso deixar de corrigir uma omissão grave.
Trata-se de uma gravura, devidamente emoldurada, com o retrato do Marechal Floriano Peixoto. Essa gravura deve estar no porão, não pregada na parede, mas em todo caso visível mediante a lanterna elétrica, em cima de um guarda-comida empoeirado, apoiada à parede. Pois é bem inseguro o destino de uma família que não tem no porão, empoeirado, mas vigilante, um retrato do Marechal de Ferro, impertérrito, frio, a manter na treva e no caos, entre baratas, ratos e aranhas, a dura ordem republicana.

In: Casa dos Braga. Record, 1997.

17 de abr. de 2013

Alma ausente de Federico Garcia Lorca


Não te conhecem touro nem figueira,
nem cavalos nem formigas do teu lar.
Não te conhece a tarde ou o menino,
porque tu estás morto para sempre.

Não te conhece a pedra no seu dorso,
nem o negro cetim onde te perdes.
Não te conhece o teu recordar mudo
porque tu estás morto para sempre.

O outono virá com os seus búzios,
uva de névoa e montes agrupados,
mas ninguém quererá fitar teus olhos
porque tu estás morto para sempre.

Porque tu estás morto para sempre,
como todos os mortos que há na Terra,
como todos os mortos que se esquecem
num monturo de cães que se apagaram.

Ninguém que te conheça. Não. Mas eu te canto.
Eu canto para já teu perfil e tua graça.
A madurez insigne do teu conhecimento.
Tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve tua valente alegria.

Tardará muito tempo em nascer, se é que nasce,
um andaluz tão claro, tão rico de aventura.
Eu canto sua elegância com palavras que gemem
e recordo uma brisa triste pelas oliveiras.


PRANTO POR IGNACIO SANCHÉZ MEJÍAS
(tradução de Vasco Graça Moura, em “Garcia Lorca: o Romanceiro e o Pranto”, Lisboa, Quetzal, 1998)


No te conoce el toro ni la higuera,
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce el niño ni la tarde
porque te has muerto para siempre.
No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.

El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y monjes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.

Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.

No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de tu boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.

Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.

16 de abr. de 2013

Rui Palha (Portugal 1953)















Ana Cristina César (1952- 1983)


I
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
II 
Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite

tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite

tenho uma vida branca
e limpa à minha espera