Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
28 de ago. de 2019
26 de ago. de 2019
A ponto de partir :: ANA CRISTINA CESAR (1952-1983)
Laura Ann Huber
A ponto de
partir, já sei
que nossos olhos
sorriam para sempre
na distância.
Parece pouco?
Chão de sal grosso e ouro que se racha.
A ponto de partir, já sei que
nossos olhos sorriem na distância.
Lentes escuríssimas sob os pilotis.
12 de ago. de 2019
Casida da rosa :: Federico Garcia Lorca
A rosa
não buscava a aurora:
quase eterna em seu ramo,
buscava outra coisa
A rosa
não buscava nem ciência nem sombra:
confim de carne e sonho,
buscava outra coisa.
A rosa
não buscava a rosa.
Imóvel pelo céu
buscava outra coisa.
LORCA, Federico García. CasidasMadrid: Ediciones de Arte y Bibliofilia, 1969.
não buscava a aurora:
quase eterna em seu ramo,
buscava outra coisa
A rosa
não buscava nem ciência nem sombra:
confim de carne e sonho,
buscava outra coisa.
A rosa
não buscava a rosa.
Imóvel pelo céu
buscava outra coisa.
LORCA, Federico García. CasidasMadrid: Ediciones de Arte y Bibliofilia, 1969.
29 de jul. de 2019
São os rios :: BORGES, Jorge Luís
George Romney
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heráclito, o Obscuro.
Somos a água, não o diamante duro,
a que se perde, não a remansosa.
Somos o rio e também aquele grego
que se olha no rio. Seu reflexo
varia na água do espelho perplexo,
no cristal, feito o fogo, sem sossego.
Somos o inútil rio prefixado,
rumo a seu mar. A sombra o tem cercado.
Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa.
Na moeda a memória não perdura.
E no entanto algo ainda dura,
e no entanto algo ainda se queixa.
..............
BORGES, Jorge Luís. Poesía. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Somos el tiempo. Somos la famosa
parábola de Heráclito el Oscuro.
Somos el agua, no el diamante duro,
la que se pierde, no la que reposa.
Somos el río y somos aquel griego
que se mira en el río. Su reflejo
cambia en el agua del cambiante espejo,
en el cristal que cambia como el fuego.
Somos el vano río prefijado,
rumbo a su mar. La sombra lo ha cercado.
Todo nos dijo adiós, todo se aleja.
La memoria no acuña su moneda.
Y sin embargo hay algo que se queda
y sin embargo hay algo que se queja.
BORGES, Jorge Luís. “Son los rios”. In:_____. “Los conjurados”. In:_____. Obras completas, vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989.
22 de jul. de 2019
Solitário na montanha :: Heinrich Heine
Joan Miro
Solitário, na montanha,
Um pinheiro no hemisfério
Norte dorme sob a manta
Branca de gelo e de neve.
Ele sonha com a palmeira
Do Oriente, tão distante,
Que calada se lamenta
Sobre o penhasco escaldante.
....................
Ein Fichtenbaum steht einsam
Im Norden auf kahler Höh’.
Ihn schläfert; mit weißer Decke
Umhüllen ihn Eis und Schnee.
Er träumt von einer Palme,
Die, fern im Morgenland,
Einsam und schweigend trauert
Auf brennender Felsenwand.
In: VALLIAS, André. Heine, hein?: Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva: Goethe Institut, 2011.
15 de jul. de 2019
A pálpebra desce e observa :: João Pedro Fagerlande
Odd Nerdrum
a pálpebra desce e observa
é sempre noite num dos hemisférios
o sol não esclarece tudo
olhos não abrem para dentro
se abrissem
ai se abrissem
não tenha medo
não há sombras no escuro
Peludo.Rio de Janeiro: Baluarte, 2013
11 de jul. de 2019
O outro Brasil :: Rubem Braga
Houve um tempo em que sonhei coisas — não foi ser eleito senador federal nem nada, eram coisas humildes e vagabundas que entretanto não fiz, nem com certeza farei. Era, por exemplo, arrumar um barco de uns quinze, vinte metros de comprido, com motor e vela, e sair tocando devagar por toda a costa do Brasil, parando para pescar, vendendo banana ou comprando fumo de rolo, não sei, me demorando em todo portinho simpático — Barra de São João, Piúma, Regência, Conceição da Barra, Serinhaém, Turiaçu, Curuçá, Ubatuba, Garopaba — ir indo ao léu, vendo as coisas, conversando com as pessoas — e fazer um livro tão simples, tão bom, que até talvez fosse melhor não fazer livro nenhum, apenas ir vivendo devagar a vida lenta dos mares do Brasil, tomando a cachacinha de cada lugar, sem pressa e com respeito. Isso devia ser bom, talvez eu me tornasse conhecido como um homem direito, cedendo anzóis pelo custo e comprando esteiras das mulheres dos pescadores, aprendendo a fazer as coisas singelas que vivem fora das estatísticas e dos relatórios — quantos monjolos há no Brasil, quantos puçás e paris? Sim, entraria pelos rios lentamente, de canoa, levando aralém, que poderia trocar por roscas amanteigadas, pamonha ou beiju, pois ainda há um Brasil bom que a gente desperdiça de bobagem, um Brasil que a gente deixa para depois, e entretanto parece que vai acabando; tenho ouvido falar em tanques de carpa, entretanto meu tio Cristóvão na fazenda da Boa Esperança tinha um pequeno açude no ribeirão onde criava cascudos, tem dias que dá vontade de beber jenipapina.
Já tomei muito avião para fazer reportagem, mas o certo não é assim, é fazer como Saint-Hilaire ou o Príncipe Maximiliano, ir tocando por essas roças de Deus a cavalo, nada de Rio-Bahia, ir pelos caminhos que acompanham com todo carinho os lombos e curvas da terra, aceitando uma caneca de café na casa de um colono. Só de repente a gente se lembra de que esse Brasil ainda existe, o Brasil ainda funciona a lenha e lombo de burro, as noites do Brasil são pretas com assombração, dizem que ainda tem até luar no sertão, até capivara e suçuarana — não, eu não sou contra o progresso ("o progresso é natural") mas uma garrafinha de refrigerante americano não é capaz de ser como um refresco de maracujá feito de fruta mesmo — o Brasil ainda tem safras e estações, vazantes e piracemas com manjuba frita, e a lua nova continua sendo o tempo de cortar iba de bambu para pescar piau. E como ainda há tanta coisa, quem sabe que é capaz de haver uma mulher também, uma certa mulher que ainda seja assim, modesta porém limpinha, com os cabelos ainda molhados de seu banho de rio, parece que até banho de cachoeira ainda existe, até namoro debaixo de pitangueiras como antigamente, muito antigamente.
BRAGA, Rubem. Crônicas do Espírito Santo. São Paulo: Global, 2013, p. 11-12.
8 de jul. de 2019
5 de jul. de 2019
Brugmansia
Brugmansia
Classificação científica
Reino: Plantae
Filo: Magnoliophyta
Clado: angiospérmicas
Clado: eudicotiledóneas
Clado: asterídeas
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Solanales
Família: Solanaceae
Subfamília: Solanoideae
Tribo: Datureae
Género: Brugmansia
Brugmansia é um género botânico pertencente à família Solanaceae, nativo das regiões subtropicais do México, América Central e América do Sul, ao longo dos Andes, desde a Colômbia até ao norte do Chile, incluindo o sudeste do Brasil. Inclui as espécies conhecidas pelo nome comum de trombetas, sendo morfologicamente muito semelhante ao género Datura, com o qual está estreitamente aparentado, diferindo por serem plantas perenes e lenhosas. A maioria das espécies deste género constitui um complexo específico, com frequente hibridação e desde há muito sujeito a cultura pelos povos ameríndios que as utilizam como enteógeno, como alucinógeno e como plantas medicinais. Todas as espécies conhecidas estão consideradas como extintas na natureza. Devido ao uso como droga recreativa, em algumas circunscrições está proibido o comércio ou mesmo o cultivo das espécies deste género
Sinónimos
Datura albidoflava Lem., 1854
Datura gardneri Hooker, 1846
Datura suaveolens Humboldt & Bonspland ex Willdenow, 1809
Datura suaveolens f. albidoflava (Lem.) Voss, 1894
Datura suaveolens var. macrocalyx Sendtner, 1846
Dyssochroma albidoflavum (Lem.) Lem., 1859
Pseudodatura suaveolens (Humboldt & Bonspland ex Willdenow) Zijp, 1920
Brugmansia suaveolens (Humb. & Bonpl. ex Willd.) G. Don
Datura arborea Mart.
Stramonium arboreum Moenc
conhecida, entre muitos outros, pelos nomes comuns de trombeta, zabumba, cartucho, hálito do diabo, mata-zombando, erva dos mágicos, erva dos feitiçeiros, borrachero, cacao sabanero e canudo,[3] é um arbusto do género Brugmansia da família Solanaceae, utilizada como planta ornamental devido às suas grandes flores fragrantes. As suas folhas e flores são usadas em medicina tradicional como fitoterápicos para combater distúrbios intestinais e doenças de pele e como enteógeno e alucinógeno, em geral por infusão. A espécie era endémica na região costeira do sueste do Brasil, mas presentemente é cultivada em todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo e considerada como extinta na natureza
1 de jul. de 2019
Claridade (para a segunda-feira dos meus amigos) :: Tainah Drummond
Wu Guanzhong
Observo o andar de trabalhadores ao fim de um dia morno.O peso dos ombros nos joelhos, o jeito de carregar as mãos vazias, desamparadas; a linha reta em que seguem sentados em um balanço sem vento.
Sinto pulmões que ocupam o mínimo espaço, e um coração que bate, bate, bate no ritmo ilusório dos segundos.
Olho esses passos sem cor e, em pequenos instantes, eles se transformam em gotas invisíveis.
Uma água escura e salgada cobre o chão.
Fecho os olhos e penso em uma música de infância. Uma flauta que vem de um lugar distante; lá de onde as crianças não sentem dor.
Começo a cantar pelo coração, debaixo de um sol branco sem suor.
E este sol, senhor das formas de amor, pouco a pouco, vai secando nosso chão de sal.
E todas as coisas voltam a ser como eram: doces e cristalinas, como a risada de uma pequena flor.
fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2015/05/claridade-para-a-segunda-feira-dos-meus-amigos/
Encontrar o que se perdeu :: Armando Freitas Filho
Mario Schifano
Encontrar o que se perdeu
dentro da cabeça
antes de usar a mão
para pegá-lo fora dela
e encontrar-se no sentimento
longínquo, quase esquecido
é encontrar os óculos para ver melhor
a hora certa do dia, reaprender
apreender, usufruir de novo
o gosto de saber, guardar
ainda que for para dar ou dividir
porque assim não estará
nem perdido, nem preso, nem à parte.
28 de jun. de 2019
ODA A LAS COSAS ROTAS :: Pablo Neruda
Se van rompiendo cosas
en la casa
como empujadas por un invisible
quebrador voluntario:
no son las manos mías,
ni las tuyas,
no fueron las muchachas
de uña dura
y pasos de planeta:
no fue nada y nadie,
no fue el viento,
no fue el anaranjado mediodía
ni la noche terrestre,
no fue ni la nariz ni el codo,
la creciente cadera,
el tobillo,
ni el aire:
se quebró el plato, se cayó la lámpara,
se derrumbaron todos los floreros
uno por uno, aquél
en pleno octubre
colmado de escarlata,
fatigado por todas las violetas,
y otro vacío
rodó, rodó, rodó
por el invierno
hasta ser sólo harina
de florero,
recuerdo roto, polvo luminoso.
Y aquel reloj
cuyo sonido
era
la voz de nuestras vidas,
el secreto
hilo
de las semanas,
que una a una
ataba tantas horas
a la miel, al silencio,
a tantos nacimientos y trabajos,
aquel reloj también
cayó y vibraron
entre los vidrios rotos
sus delicadas vísceras azules,
su largo corazón
desenrollado.
La vida va moliendo
vidrios, gastando ropas,
haciendo añicos,
triturando
formas,
y lo que dura con el tiempo es como
isla o nave en el mar,
perecedero,
rodeado por los frágiles peligros,
por implacables aguas y amenazas.
Pongamos todo de una vez, relojes,
platos, copas talladas por el frío,
en un saco y llevemos
al mar nuestros tesoros:
que se derrumben nuestras posesiones
en un solo alarmante quebradero,
que suene como un río
lo que se quiebra
y que el mar reconstruya
con su largo trabajo de mareas
tantas cosas inútiles
que nadie rompe
pero se rompieron.
Pablo Neruda
24 de jun. de 2019
Poema-prefácio :: Armando Freitas Filho
Olga Rozanova
O rol desenrolado aqui
acolhe de tudo um pouco.
Coisas de cama, mesa, banho
um trivial variado, familiar
estranho, com uma pitada de déjà-vu
e o apanhado na rua, andando:
às vezes tão urgente e passageiro
que sem "nada no bolso ou nas mãos"
pedia canetas emprestadas
e um papel qualquer, onde
escrevia calcando, com letra
garranchosa, de dentro, imediata
e torta, mas que se aplicava
exata, naquilo que corria
por fora do escritório da cabeça
no vento livre de véu, a céu aberto
ou quando não, no nó apertado
cego, difícil de desmanchar
o que apressava o ponto final.
In: Rol. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
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