27 de set. de 2012

Lygia Fagundes Telles



Se a vida estiver lá fora, nessas vozes que desdenhei? E se o desvio da minha rota foi exatamente esse que escolhi? Mas haverá ainda tempo?

Fico olhando o besourinho lustroso, de pintas vermelhas no verde-esmeralda das asas. Atravessa minha mesa num andar enérgico, decidido - de onde veio e para onde vai? Toco-o com a ponta do dedo e imediatamente ele se imobiliza dentro da pequena carapaça, se faz de morto. Sua tática de defesa me emociona, também me fiz de morta tantas vezes. Tenho vontade de colher o besourinho na palma da mão e levá-lo até os potes de samambaia, não seria mais feliz lá? Fico vacilante, o que é bem para mim pode ser o mal para ele. A ambiguidade do Bem. Afasto-me para que ele não se sinta tolhido, quero-o livre. Observo de longe a bolinha verde-esmeralda que ressuscita e retoma sua marcha. Retomo a minha.

Do livro:  A disciplina do amor


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