9 de jul. de 2014

VINTE ANOS :: Vinicius de Moraes ( 19 de outubro de 1913 - 9 de julho de 1980)


Pela campina as borboletas se amam ao estrépito das asas. 
Tudo quietação de folhas. E um sol frio 
Interiorizando as almas. 
Mergulhado em mim mesmo, com os olhos errando na campina 
Eu me lembro da minha juventude. 
Penso nela como os velhos na mocidade distante: 
- Na minha juventude... 

Eu fui feliz nesse passado grato 
Viviam então em mim forças que já me faltam. 
Possuía a mesma sinceridade nos bons e maus sentimentos. 
Aos frenesis da carne se sucediam os grandes misticismos quietos. 
Era um pequeno condor que ama as alturas 
E tem confiança nas garras. 
Tinha fé em Deus e em mim mesmo 
Confessava-me todo domingo 
E tornava a pecar toda segunda-feira 
Tinha paixão por mulheres casadas 
E fazia sonetos sentimentais e realistas 
Que catalogava num grande livro preto 
A que tinha posto o nome de Foederis Arca. 

A minha juventude... 

Onde eu seguia ansioso Tartarin pelos Alpes 
E Júlio Verne foi o mais audaz de todos os cérebros... 
Onde Mr. Pickwick era a alegria das noites de frio 
E Athos o mais perfeito de todos os homens... 
A minha juventude 
Onde Cervantes não era o filósofo de D. Quixote... 

A minha juventude 
E a noite passada em claro chorando Jean Valjean que Victor Hugo matara… 
Como vai longe tudo! 

Pesa-me como uma sufocação meus próximos vinte anos 
E esta experiência das coisas que aumenta a cada dia. 
Medo de ser jovem agora e ser ridículo 
Medo da morte futura que a minha juventude desprezava 
Medo de tudo, medo de mim próprio 
Do tédio das vigílias e do tédio dos dias…

Virá para mim uma velhice como vem para os outros 
Que me dissecará na experiência? 

Da campina verde voaram as borboletas… 

Só a quietação das folhas 

E o meu turbilhão de pensamentos.

Rio de Janeiro , 1933

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