23 de out. de 2017

FRANK O'HARA (1926-1966)

UM RELATO VERÍDICO SOBRE UMA CONVERSA COM O SOL NA FIRE ISLAND

O Sol me acordou esta manhã alto
e claro, dizendo “Ei! eu venho
tentando acordá-lo há quinze
minutos. Não seja tão rude, você é
apenas o segundo poeta que eu já escolhi
para falar pessoalmente
então por que
você não é mais atencioso? Se eu pudesse
tê-lo queimado através da janela para
acordá-lo eu o teria feito. Você não pode ficar
enrolando por aqui o dia todo.”
“Me desculpe, Sol, eu fiquei
acordado a noite passada, conversando com o Hal.”

“Quando eu acordei Maiakóvski ele se mostrou
muito mais disposto”, o Sol disse,
petulante. “Muita gente já está de pé
esperando para ver se eu vou
fazer uma entrada.”
Eu tentei
me desculpar, “eu perdi você ontem.”
“Assim é melhor”, ele disse. “Eu não
sabia se você sairia.” “Você deve estar
pensando por que eu cheguei tão perto?”
“Sim”, eu disse, começando a me sentir quente
pensando que quem sabe ele não estaria me queimando
de qualquer jeito.
“Para ser franco, eu quis contar a você
que eu gosto de sua poesia. Eu vejo muita
em meus giros, e a sua é boa. Você pode
não ser a melhor coisa na terra, mas
você é diferente. É, alguns dizem que
você é louco, eles mesmos sendo, na minha opinião,
excessivamente tranquilos, e alguns
poetas malucos pensam que você é um reacionário e
entediante. Mas não eu.
Apenas siga em frente
como eu faço e não dê atenção. Você verá
que as pessoas sempre reclamam
sobre o clima, que ora está muito quente
ou muito frio ou muito claro ou muito escuro, dias
muito curtos ou muito longos.
Se num belo dia você
simplesmente não aparecer vão pensar que você é preguiçoso
ou que morreu. Apenas siga em frente, eu gosto disso.

E não se preocupe com a sua linhagem,
poética ou natural. O Sol brilha na
floresta, você sabe, na tundra
no mar, no gueto. Em todos os lugares em
que você esteve eu soube e o vi se movendo. Eu estava esperando
que você começasse a trabalhar.

E agora que você
está no controle dos seus dias, por assim dizer,
mesmo que ninguém além de mim o leia
você não deve ficar deprimido. Nem
todos podem olhar para o alto, nem mesmo para mim.
Machuca os olhos.”
“Oh Sol, eu sou tão grato a você!”

“Obrigado e se lembre que eu estou olhando. É
mais fácil para mim conversar com você aqui
fora. Eu não preciso me esgueirar
entre edifícios para chegar aos seus ouvidos.
Eu sei que você adora Manhattan, mas
você deveria olhar para o alto mais vezes.
E sempre
abrace as coisas, pessoas terra
céu estrelas, como eu faço, com liberdade e com
o senso apropriado de espaço. Esta
é a sua inclinação, conhecida nos céus
e você deve segui-la até o inferno, se
necessário, o que eu duvido.

Talvez nós
conversemos novamente na África, pela qual eu também
tenho especial adoração. Volte a dormir agora
Frank, e eu de repente deixo um pequeno poema
nesta sua cabeça, como despedida.”

“Sol, não vá!” Eu estava finalmente
acordado. “Não, ir eu devo, eles estão me
chamando.”
“Quem são eles?”
Levantando, ele disse: “Um
dia você saberá. Eles estão chamando você
também.” Sombrio ele subiu, e então eu dormi.


[1] Refere-se ao dia da morte de Billie Holyday.

Tradução: André Caramuru Aubert
............
A TRUE ACCOUNT OF TALKING TO THE SUN AT FIRE ISLAND

The Sun woke me this morning loud
and clear, saying “Hey! I’ve been
trying to wake you up for fifteen
minutes. Don’t be so rude, you are
only the second poet I’ve ever chosen
to speak to personally
so why
aren’t you more attentive? If I could
burn you through the window I would
to wake you up. You can’t hang around
here all day.”
“Sorry, Sun, I stayed
up last night talking to Hal.”

“When I woke Mayakovsky he was
a lot more prompt” the Sun said
petulantly. “Most people are up
already waiting to see if I’m going
to put in an appearance.”
I tried
to apologize “I missed you yesterday.”
“That’s better” he said. “I didn’t
know you’d come out.” “You may be
wondering  why I’ve come so close?”
“Yes” I said beginning to feel hot
wondering if maybe he wasn’t burning me
anyway.
“Frankly I wanted to tell you
I like your poetry. I see a lot
on my rounds and you’re okay. You may
not be the greatest thing on earth, but
you’re different. Now, I’ve heard some
say you’re crazy, they being excessively
calm themselves to my mind, and other
crazy poets think that you’re a boring
reactionary. Not me.
Just keep on
like I do and pay no attention. You’ll
find that people always will complain
about the atmosphere, either too hot
or too cold too bright or too dark, days
too short or too long.
If you don’t appear
at all one day they think you’re lazy
or dead. Just keep right on, I like it.

And don’t worry about your lineage
poetic or natural. The Sun shines on
the jungle, you know, on the tundra
the sea, the ghetto. Wherever you were
I knew it and saw you moving. I was waiting
for you to get to work.

And now that you
are making your own days, so to speak,
even if no one reads you but me
you won’t be depressed. Not
everyone can look up, even at me. It
hurts their eyes.”
“Oh Sun, I’m so grateful to you!”

“Thanks and remember I’m watching. It’s
easier for me to speak to you out
here. I don’t have to slide down
between buildings to get your ear.
I know you love Manhattan, but
you ought to look up more often.
And
always embrace things, people earth
sky stars, as I do, freely with
the appropriate sense of space. That
is your inclination, known in the heavens
and you should follow it to hell, if
necessary, which I doubt.
Maybe we’ll
speak again in Africa, of which I too
am specially fond. Go back to sleep now
Frank, and I may leave a tiny poem
in that brain of yours as my farewell.”

“Sun, don’t go!” I was awake
at last. “No, go I must, they’re calling
me.”

“Who are they?”
Rising he said “Some
day you’ll know. They’re calling to you
too.” Darkly he rose, and then I slept.


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