6 de jun. de 2022

DA FRUIÇÃO DO SILÊNCIO :: FRANCISCO RUI MONIZ BARRETO ((1935? – 1994 RUY NOGAR, pseudônimo )

Tratávamos o silêncio por tu

Dormíamos na mesma cela

Acordávamos do mesmo sono


Cada sílaba audível

Completamente nua

Feria dum segundo sentido


O palato hipertenso

Da fria cela dezenove


Farrapos de ambiguidade

Pendiam pelas arestas

Das mais afoitas vogais


Ninguém pressentia

No gume acorado

Da quase indiferença

Que o silêncio aparentava

O perfeito sincronismo

Das sílabas dispersas

Pelos tímpanos de cada um


Nada sabíamos de nós próprios

Além da angústia lacerante

Coagulando-nos um a um

Nos limites da expectativa


E no écram memorial

Milhões de imagens se degladiando


Era o silêncio devorando o silêncio

Era o silêncio copulando o silêncio

Era o silêncio assassinando o silêncio

Era silêncio ressuscitando o silêncio

o silêncio


Oh o silêncio

Maldito silêncio colonial

Fuzilando-nos um a um


Contra as paredes da solidão

o silêncio


Oh o silêncio

Maldito silêncio imperial

Sepultando-nos uma a um

Sob os escombros de Portugal.

MOÇAMBIQUE. ANTOLOGIA POÉTICA. Organizador: Rogério Andrade Barbosa.  Brasília:  Thesarus Editora, s.d. 


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