24 de out. de 2022

Um grande número :: Wislawa Szymborska



Quatro bilhões de pessoas nesta terra,

e minha imaginação é como era.

Não se dá bem com grandes números.

Continua a comovê-la o singular.

Esvoaça no escuro como a luz da lanterna,

iluminando alguns rostos ao acaso,

enquanto o resto se perde nas trevas

na deslembrança, no desconsolo.

Mas nem Dante captaria mais.

Que dirá quando não se é.

Nem mesmo com a ajuda de todas as musas.


Non omnis moriar — uma aflição prematura.

Mas será que vivo por inteiro e será que isso basta?

Nunca bastou e muito menos agora.

Escolho excluindo porque não há outro jeito,

mas o que rejeito é mais numeroso,

mais denso, mais insistente do que nunca.

À custa de incontáveis perdas — um poeminha, um suspiro.

Ao chamado ruidoso respondo com um sussurro.

O quanto silencio, isso não direi.

Um rato ao pé da montanha materna.

A vida dura o tempo de umas marcas de garra na areia.

Meus sonhos — nem eles são como deveriam, habitados.

Neles há mais solidão do que multidões e alarido.

Às vezes aparece por momentos alguém há muito falecido.

Move a maçaneta uma mão solitária.

Expande-se em anexos de ecos a casa vazia.

Corro da soleira até o vale

silencioso, como de ninguém, já anacrônico.


De onde vem em mim ainda este espaço —

não sei.

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