26 de set. de 2016

Amor à primeira vista de Wislawa Szymborska



Os dois estão convencidos
de que foi um sentimento súbito que os juntou.
É bela uma certeza como essa,
mas é mais bela a incerteza.

Acham que por não se terem conhecido antes
nunca houve nada entre eles.
E o que diriam as ruas, escadas, corredores,
onde há muito podiam se cruzar?

Queria perguntar-lhes
se não lembram –
na porta giratória talvez
um dia cara a cara?
em meio à multidão um “com licença”?
no telefone a voz “engano”?
– mas conheço sua resposta.
Não, não se lembram.

Ficariam surpreendidos de saber
que já faz tempo
o acaso brincava com eles.

Não preparado ainda
a transformar-se para eles num destino,
aproximava-os e os afastava,
cortava-lhes o caminho
e, abafando a gargalhada,
saltava para o lado.

Houve sinais, signos,
só que ilegíveis.
Talvez há três anos atrás
ou na terça-feira passada
certa folha voou
de um ombro para o outro?

Houve algo perdido e recolhido.
Quem sabe, uma bola
já no bosque da infância.

Houve maçanetas e campainhas,
em que antes
já o toque se punha no toque.
As malas lado a lado no depósito de bagagem.
Talvez, numa certa noite, o mesmo sonho
apagado imediatamente depois de acordar.

Pois cada princípio
é apenas uma continuação,
e o livro de eventos
sempre aberto no meio.
Wisława Szymborska (Kórnik, 2 de Julho de 1923 — Cracóvia, 1 de fevereiro de 2012)

Os Naufrágios e os monstros do mar :: Vera Ferro





25 de set. de 2016

Não sei quantas almas tenho :: Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

24-8-1930
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).  - 48.

22 de set. de 2016

Recado de Primavera :: Rubem Braga


Meu caro Vinicius de Moraes,

Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — ...acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.

O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.

Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando,
poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.

Recado de Primavera. Record, 1998.

21 de set. de 2016

Pau-Brasil, arabutã, ibirapiranga, (dos termos tupis ïbi'rá, "pau" e pi'tãga, "vermelho".) ibirapitanga, ibirapitá, orabut], pau-de-pernambuco, pau-de-tinta, pau-pernambuco e pau-rosado







Pau-brasil   (Caesalpinia echinata)
Divisão:                Magnoliophyta
Classe:  Magnoliopsida
Ordem:                Fabales
Família:                Fabaceae
Subfamília:         Caesalpinioideae
Género:              Caesalpinia
Espécie:               C. echinata Lam.
Lam. 1785
Guilandina echinata (Lam.) Spreng.
O pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.), também chamado arabutã, ibirapiranga, ibirapitanga, ibirapitá, orabut], pau-de-pernambuco, pau-de-tinta, pau-pernambuco e pau-rosado, é uma leguminosa nativa da Mata Atlântica, no Brasil.
A madeira do pau-brasil pode ser, talvez, a mais valiosa do mundo atualmente; é considerada incorruptível, por não apodrecer e não ser atacada por insetos. Seu uso, dadas a escassez e a proteção, restringe-se ao fabrico de arcos de violinos, canetas e joias.
"Brasil" deriva do francês brésil, que deriva do toscano verzino, que era o nome da madeira utilizada na tinturaria na Itália. Verzino, por sua vez, deriva do árabe wars, que designa uma planta tintória do Iêmen. Caesalpinia é uma homenagem ao médico e botânico de Arezzo, na Itália, Andrea Cesalpino, por parte do frade e botânico francês Charles Plumier Echinata significa, traduzido do latim, "com espinhos". É uma referência ao fato de as vagens do pau-brasil terem espinhos, fato único dentro de seu gênero, o Caesalpinia. "Arabutã", "ibirapitanga", "ibirapiranga", "ibirapitá" e "orabutã" são derivados dos termos tupis ïbi'rá, "pau" e pi'tãga, "vermelho".
A árvore alcança entre dez e quinze metros de altura e possui tronco reto, com casca cor cinza-escuro, coberta de acúleos, especialmente nos ramos mais jovens. As folhas são compostas bipinadas, de cor verde médio, brilhantes. As flores nascem em racemos eretos próximo ao ápico dos ramos. Possuem quatro pétalas amarelas e uma menor vermelha, muito aromáticas; no centro, encontram-se dez estames e um pistilo com ovário súpero alongado.
Os frutos são vagens cobertas por longos e afiados espinhos, que devem protegê-los de pássaros indesejáveis, pois estes comeriam os frutos. Contém de uma a cinco sementes discoides, de cor marrom. A torção do legume, ao liberar as sementes, ajuda a aumentar a distância da dispersão.
Ocorrência

Na floresta ombrófila densa da Mata Atlântica, a partir do Rio de Janeiro até o extremo nordeste, ou seja, nos estados de Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, e Sergipe.
Encontra-se na lista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis de espécies ameaçadas de extinção na categoria "vulnerável" e na da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais na categoria "em perigo"
O município pernambucano de São Lourenço da Mata possui, hoje, a maior reserva nativa da espécie. A Reserva Tapacurá possui, aproximadamente, 100 000 pés de pau-brasil.
Usos e História
Afirmam alguns historiadores que o corte do pau-brasil para a obtenção de sua madeira e sua resina (extraída para uso como tintura em manufaturas de tecidos de alto luxo) foi a primeira atividade econômica dos colonos portugueses na recém-descoberta Terra de Santa Cruz, no século XVI e que a abundância desta árvore no meio a imensidão das florestas inexploráveis teria conferido à colônia o nome de Brasil.
Na realidade, no século XV uma árvore asiática semelhante, com o mesmo nome Brazil, já era usada para os mesmos fins e tinha alto valor na Europa, porém era escassa. Os navegadores portugueses que aqui aportaram imediatamente observaram a abundância da árvore pelo litoral e ao longo dos rios de planície. Em poucos anos, tornou-se alvo de muito lucrativo comércio e contrabando, inclusive com corsários franceses atacando navios portugueses. Foi uma das expedições de corsários liderada por Nicolas Durand de Villegaignon, em 1555, que estabeleceu uma colônia que hoje se chama Rio de Janeiro (a França Antarctica). A planta foi citada em Flora Brasiliensis por Carl Friedrich Philipp von Martius.
A resina vermelha era utilizada pela indústria têxtil europeia como uma alternativa aos corantes de origem terrosa e conferia aos tecidos uma cor de qualidade superior. Isto, aliado ao aproveitamento da madeira vermelha na marcenaria, criou uma demanda enorme no mercado, o que forçou uma rápida e devastadora "caça" ao pau-brasil nas matas brasileiras. Em pouco menos de um século, já não havia mais árvores suficientes para suprir a demanda, e a atividade econômica foi deixada de lado, embora espécimens continuassem a ser abatidos ocasionalmente para a utilização da madeira (até os dias de hoje, usada na confecção de arcos para violino e móveis finos).
O fim da caça ao pau-brasil não livrou a espécie do perigo de extinção. As atividades econômicas subsequentes, como o cultivo da cana-de-açúcar e do café, além do crescimento populacional, estiveram aliadas ao desmatamento da faixa litorânea, o que restringiu drasticamente o habitat natural desta espécie. Mas sob o comando do Imperador Dom Pedro II, vastas áreas de Mata Atlântica, principalmente no estado do Rio de Janeiro, foram recuperadas, e iniciou-se uma certa conscientização preservacionista que freou o desmatamento. Entretanto, já se considerava o pau-brasil como uma árvore praticamente extinta.
No século XX, a sociedade brasileira descobriu o pau-brasil como um símbolo do país em perigo de extinção, e algumas iniciativas foram feitas no sentido de reproduzir a planta a partir de sementes e utilizá-la em projetos de recuperação florestal, com algum sucesso. Atualmente, o pau-brasil tornou-se uma árvore popularmente usada como ornamental. Se seu habitat natural será devastado por completo no futuro, não se sabe, mas a sobrevivência da espécie parece assegurada nos jardins das casas e canteiros urbanos.
Em 1924, Oswald de Andrade fez um manifesto sobre a nova poesia brasileira intitulado "Manifesto da Poesia Pau-Brasil".
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Los pobres : Roberto Sosa (Yoro, Honduras,1930 – Tegucigalpa, Honduras, 2011)


Los pobres son muchos

y por eso
es imposible olvidarlos.

Seguramente
ven
en los amaneceres
múltiples edificios 
donde ellos
quisieran habitar con sus hijos.

Pueden 
llevar en hombros
el féretro de una estrella.

Pueden
destruir el aire como aves furiosas, 
nublar el sol.

Pero desconociendo sus tesoros
entran y salen por espejos de sangre;
caminan y mueren despacio.

Por eso
es imposible olvidarlos.


20 de set. de 2016

Theodore Gericault


Na noite terrível :: Álvaro de Campos. Fernando Pessoa


Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, 
Relembro, velando em modorra incómoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos.
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p’ra mim.

11-5-1928
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).  - 34.

19 de set. de 2016

Viagem de trem :: Clarice Lispector

Devo ter viajado de trem da Ucrânia até a Romênia e desta para Hamburgo. Nada sei, recém-nascida que eu era.
Mas me lembro de uma memorável viagem de trem, com 11 anos de idade, de Recife a Maceió, como meu pai. Eu já era altinha, e pelo que se revelou, já meio mocinha. Na viagem de ida – quase um dia inteiro – um rapaz de seus 18 anos, lindo de morrer e que comeu no mínimo uma dúzia de laranjas, e que tinha os olhos verdes pestanudos de preto, simplesmente veio pedir licença a meu pai para ficar conversando comigo. Meu pai disse que sim. Eu não cabia em mim de emoção: namoramos o tempo todo sob o olhar aparentemente distraído de meu pai.
Em Maceió, onde íamos ficar um dia apenas, aconteceu outro milagre. Houve uma festa dada para o meu pai. E lá havia um menino de 13 anos, considerado marginal. Contava-se que, uma vez, à saída de uma festa, acompanhando uma senhora de noite para casa, beliscara-lhe o braço. Pois esse menino me quis. E me pediu para passear com ele. Eu era completamente inocente, mas instintivamente compreendi alguma coisa e disse que não. Tomou meu enderece em Recife e recebi dele um cartão postal todo florido, com palavras de amor. Perdi o cartão, perdi o amor. Ficou-me a lembrança. A volta foi no dia seguinte à festa – todos na estação, inclusive o menino marginal – e sei que alguma coisa aconteceu também *bouleversante mas não me lembro o quê.

* bouleversante : perturbadora, desconcertante, comovente

fonte: http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/c00012.htm#_ftn27

18 de set. de 2016

Victor Borisov-Musatov


Acordar :: Fernando Pessoa (Álvaro de Campos )

 Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,  
 Acordar da Rua do Ouro,  
 Acordar do Rocio, às portas dos cafés,  
 Acordar  
 E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,  
 Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.  
  
 Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,  
 Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.   
 À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se   
 Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,   
 E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.  
  
 Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,  
 Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,  
 Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,  
 São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,  
 Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,  
 Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,  
 Seja  
  
 A mulher que chora baixinho  
 Entre o ruído da multidão em vivas...  
 O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,  
 Cheio de individualidade para quem repara...  
 O arcanjo isolado, escultura numa catedral,  
 Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,  
 Tudo isto tende para o mesmo centro,  
 Busca encontrar-se e fundir-se  
 Na minha alma.  
  
 Eu adoro todas as coisas  
 E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.  
 Tenho pela vida um interesse ávido  
 Que busca compreendê-la sentindo-a muito.  
 Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,  
 Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,  
 Para aumentar com isso a minha personalidade.  
  
 Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio  
 E a minha ambição era trazer o universo ao colo  
 Como uma criança a quem a ama beija.  
 Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,  
 Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo  
 Do que as que vi ou verei.  
 Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.  
 A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.  
 Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.  
  
 Dá-me lírios, lírios  
 E rosas também.  
 Dá-me rosas, rosas,  
 E lírios também,  
 Crisântemos, dálias,  
 Violetas, e os girassóis  
 Acima de todas as flores...  
  
 Deita-me as mancheias,  
 Por cima da alma,  
 Dá-me rosas, rosas,  
 E lírios também...  
  
 Meu coração chora  
 Na sombra dos parques,  
 Não tem quem o console  
 Verdadeiramente,  
 Exceto a própria sombra dos parques  
 Entrando-me na alma,  
 Através do pranto.  
 Dá-me rosas, rosas,  
 E lírios também...  
  
 Minha dor é velha  
 Como um frasco de essência cheio de pó.  
 Minha dor é inútil  
 Como uma gaiola numa terra onde não há aves,  
 E minha dor é silenciosa e triste  
 Como a parte da praia onde o mar não chega.  
 Chego às janelas  
 Dos palácios arruinados  
 E cismo de dentro para fora  
 Para me consolar do presente.  
 Dá-me rosas, rosas,  
 E lírios também...  
  
 Mas por mais rosas e lírios que me dês,  
 Eu nunca acharei que a vida é bastante.  
 Faltar-me-á sempre qualquer coisa,  
 Sobrar-me-á sempre de que desejar,  
 Como um palco deserto.  
  
 Por isso, não te importes com o que eu penso,  
 E muito embora o que eu te peça  
 Te pareça que não quer dizer nada,  
 Minha pobre criança tísica,  
 Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,  
 Dá-me rosas, rosas,  
 E lírios também..