11 de mar. de 2022

TUDO ISSO HÁ DE COMEÇAR MAIS UMA VEZ :: Geir Gulliksen

Tudo isso há de começar mais uma vez

o livro que eu levava pra todo lado e lia

vai ser lido por outro alguém. Alguém há de aprender

a contar até dez pela primeira vez, depois até cem

e alguém há de aprender os dias da semana e assim há de saber

que a sexta-feira é o melhor e que o domingo é o pior dia da semana

porque domingo é o dia em que só fazemos esperar pela segunda-feira

e com a segunda-feira até a quinta-feira é impossível contar

se a gente trabalha o dia inteiro e fica sentado numa cadeira de noite

Porém, mesmo assim tudo isso há de começar mais um vez:

alguém há de sentar na escadaria sob essa luz sarapintada

tentando escrever um poeminha num pedaço de papel

e alguém há de aprender a pedalar,

e alguém há de ler que o universo encontra-se em expansão

e sobre sóis que só sabem seguir explodindo

e alguém há de estudar hebraico antigo e ornitologia

e passear à noitinha com as mãos no bolso do casaco

sabendo que há de morrer, mas não já já

antes outro alguém há de se apaixonar por ele, tomara,

e depois alguém há de deixá-lo, mas não já já

pois tudo isso há de começar mais uma vez: alguém há de ler

Pablo Neruda pela primeira vez, e Osip Mandelstam

e Bertholt Brecht, alguém há de ler Wisława Szymborska

e alguém há de descobrir quantos somos nós todos que vivemos nesse mundo

e de repente há de entender que cada um de nós é um indivíduo

mesmo que não haja individualismo suficiente para todos

e mesmo que não seja verdade que todas as pessoas

têm o mesmo valor, alguém há de aprender isso e crer nisso

até que não seja mais possível seguir crendo nisso

pois isso não parece ser verdade

pois isso não parece possível de se realizar

mesmo que não seja possível crer em mais nada além do fato

de a escuridão escalar os vários andares

e de a escuridão um dia chegar aos teus pés

e de tu um dia vadear nela e de ela chegar até as tuas mãos

e gritar na escuridão e beber a escuridão, não por que tens sede

mas porque não há mais nada senão ela, e porque aquela velha

luz sarapintada que não havia era suficiente para todos

não é mesmo? mas tudo isso há de ser repetido por outro alguém

e a luz dispara sem parar cruzando a escuridão

de 300.000 quilômetros e leva menos tempo para te achar do que um gato esquelético

enquanto estás ali parado tentando achar as chaves no bolso do casaco

e tudo o que te acontece acontece creias ou não creias que seja verdade

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