1 de nov. de 2024

Carlos Drummond de Andrade A Bruxa


Eduardo Duvivier


Nesta cidade do Rio,

De dois milhões de habitantes,

Estou sozinho no quarto

Estou sozinho na América.


Estarei mesmo sozinho?

Ainda há pouco um ruído

Anunciou vida a meu lado.

Certo não é vida humana,

Mas é vida. E sinto a bruxa

Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!

E nem precisava tanto...

Precisava de um amigo,

Desses calados, distantes,

Que leem verso de Horácio

Mas secretamente influem

Na vida, no amor, na carne.

Estou só, não tenho amigo,

E a essa hora tardia

Como procurar amigo?


E nem precisava tanto.

Precisava de mulher

Que entrasse nesse minuto,

Recebesse este carinho,

Salvasse do aniquilamento

Um minuto e um carinho loucos

Que tenho para oferecer.


Em dois milhões de habitantes,

    Quantas mulheres prováveis

Interrogam-se no espelho

Medindo o tempo perdido

Até que venha a manha

Trazer leite, jornal e calma.

Porém a essa hora vazia

Como descobrir mulher?


Esta cidade do Rio!

Tenho tanta palavra meiga,

Conheço vozes de bichos,

Sei os beijos mais violentos,

Viajei, briguei, aprendi.

Estou cercado de olhos,

De mãos, afetos, procuras.

Mas me tento comunicar-me,

O que há é apenas a noite

E uma espantosa solidão.


Companheiros, escutai-me!

Essa presença agitada

Querendo romper a noite

Não é simplesmente a bruxa.

É antes a confidência

Exalando-se de um homem.


Carlos Drummond de Andrade

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